sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

PAZ E PERSEVERANÇA!

O saber fascina, mas também angustia. O aprender desafia e perturba. O ler encanta, mas exila. O livro mistura morte e ressurreição, céu e inferno. O sofrimento humano não reconhece calendários, fronteiras ou apenas bons desejos; seu lamento deveria nos deixar, pelo menos, meditativos.

Somos pulsões, ora de vida, ora de morte. Somos luzes, ora ofuscantes, ora titubeantes. Somos riscos, ora acabrunhados, ora destemidos. Podemos ser rudes, mas também instrumentos de calmaria. Somos deuses, ora falhos, ora amedrontadores. Somos enigmas, labirintos, paradoxos, mistérios. Enfim, somos humanos.

Em nossos percursos, a cada dia, somos instigados a admirar e buscar a altivez, a empatia e a integridade. Compreender, mesmo sem concordar, que muitos optam por caminhos sem grandes dilemas em um mundo cada vez mais corrompido, individualista e sem propósitos.

O nosso futuro não está pronto. Não está escrito. Participamos no enredo da história como autores, nunca como figurantes. Não somos como peças em um tabuleiro misterioso. Temos a capacidade de mover as peças no jogo da existência mesmo que o imponderável possa nos encontrar. A liberdade de escolher algumas trilhas e a percepção acerca do caminho, aparentemente mais digno, segue sendo uma das maiores riquezas de nossa humanidade.

Qual virtude será perseguida, nutrida, elogiada no próximo ano? Quais valores animarão as crianças? Quais virtudes serão admiradas pelo menino pobre, que vive entre traficantes violentos? Quais atributos serão desejados pela menina rica, que não conhece outra realidade senão a do consumo e das grifes?

Quais serão os princípios que impulsionarão o empreendedorismo de quem se utiliza do setor financeiro e brinca com as ações do mercado futuro? Nossos valores definem nosso caráter e nosso caráter define, em grande parte, nossas decisões. No final de tudo, sempre são as decisões que forjam os destinos.

O destemor é perigoso. A simplicidade é difícil. As sínteses podem demorar. A gentileza pertence a poucos. A gratidão é rara. No remate final, depois do derradeiro fôlego, restará um sorriso ou uma cara feia? Depois que as lágrimas secarem, depois que ninguém interrogar de onde vieram, restará o silêncio das antigas intuições? Depois que o humano virar pó, depois que a terra nos agarrar sem compaixão, que pegadas ou memórias haverão de permanecer?

Que o novo ano seja de PAZ e PERSEVERANÇA!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

COERÊNCIA E CARÁTER!

Ler é bálsamo para as feridas, brisa nas aflições da alma, lenitivo nas ansiedades do coração. Costumo me apegar às linhas de algum texto quando me percebo insatisfeito com aquilo que se descortina da realidade. Tenho o hábito de reverenciar mestres das palavras por saber o significado do labor de quem se dedica a explicar aquilo que acontece à nossa volta. Encaro os dias folheando páginas, sempre deslumbrado com a genialidade de quem se dispõe a cooperar com a criação de outros mundos, possíveis ou impossíveis.

Em meio a aquilo que costumo ler, sigo me surpreendendo com as infinitas páginas nas redes sociais esbravejando contra a corrupção. Pessoas que se sentem superiores e adoram gritar aos quatro ventos que não colaboraram com o caos que temos vivido atualmente. Mas, será mesmo que esta versão é coerente e verdadeira? Sigo acreditando que o problema da tal corrupção não está apenas “nos de cima”, mas na própria população. Somos nós mesmos que, em última análise, colaboramos para que a desfaçatez amplie os seus tentáculos a cada dia.

Não quero ser mal compreendido, mas há infinitos exemplos que avalizam esta minha constatação. É aquele dinheiro que a pessoa enxerga ter caído da mão de algum desconhecido no meio da rua e, antes que o outro perceba, vai parar no próprio bolso. É o troco dado a mais pelo atendente do supermercado e que serve como historinha a ser contada aos amigos como gesto de esperteza ou sorte. É o produto que você comprou baratinho mesmo imaginando que pudesse ser roubado ou ainda aquela grana emprestada de alguma pessoa conhecida num momento de dificuldade e que o sujeito acaba “esquecendo”. Pode ser aquele dia que você fingiu estar dormindo no banco do ônibus para não precisar ceder o lugar para a gestante ou o idoso ou quando ficou na fila das pessoas com deficiência e ainda fez cara feia quando alguém chamou a tua atenção.

Na verdade, quem é corrupto também inventa infinitas desculpas para justificar certas atitudes. Se você sai por ai, esbravejando contra meio mundo e se sente vítima daquilo que você mesmo alimenta, a única diferença entre você e os outros é que talvez tenha menos poder. Do contrário, seria mais um se divertindo com aquilo que não lhe cabe. Se você aproveita as pequenas oportunidades da vida para sempre levar vantagem, está na hora de começar a pensar nas suas atitudes antes de apontar o dedo. Que tal aprimorar o próprio caráter para que tenhamos pessoas melhores neste mundo a começar por nós mesmos?

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

ÁRVORE FRONDOSA

O Brasil se parece, hoje, com uma pessoa atropelada por um caminhão, mas, que, apesar dos graves ferimentos, escapou com vida. Machucados ficaram os ditames éticos, a cidadania, a representação parlamentar, os meandros da justiça e da equidade. A tragédia que concentra milhões de desempregados faz com que se busque na informalidade um meio de ter um pedaço de pão sobre a mesa. Indicadores mostram um número cada vez maior de pessoas em situação de absoluta indigência.

Um dos mais importantes teólogos e filósofos dos primeiros anos do cristianismo, Santo Agostinho, dizia que a esperança tinha duas filhas especiais: a indignação e a coragem. A indignação para contestar o que não estava bem. A coragem para mudar aquilo que se julgava injusto. Diante de tão absurda conjuntura sempre associada à crescente violência, a nação brasileira tem reagido com indignação e apatia.

A indignação se manifesta em expressões de ódio e desprezo; a apatia, na sensação de que, pouco importa o esforço pessoal, as coisas parecem caminhar numa direção nebulosa. Mudam os protagonistas, permanecem as malandragens. É preciso, pois, não se deixar levar pelo niilismo para que não sejamos todos tragados pela inércia e o individualismo. A indiferença, na maioria das vezes, corrói a nossa subjetividade e legitima o poder que nos submete a seus degenerados propósitos.

Um apelo importante neste mundo caótico é olhar para as narrativas bíblicas enquanto chamados à perseverança. Não há no cânone bíblico um único livro que não retrate o conflito histórico e o embate entre opressores e oprimidos. O Criador suscita o novo quando em volta tudo parece aniquilado. Foi assim, por exemplo, na gestação de Sara, já idosa, na ação libertadora de Moisés contra o faraó, na perseverança do pequeno Davi diante de Golias.

Tempos de crise requerem o discernimento e a capacidade de encontrar caminhos, mesmo que estes se mostrem como se fossem um simples grão de mostarda: pequeno e insignificante, mas, capaz de brotar e, no futuro, mudar o rumo da história transformando-se em planta frondosa. É preciso exercitar esta paciência histórica. Não basta o protesto; é imperativo ter propostas. Não é suficiente reclamar, é preciso agir. De nada vale odiar, falar mal, criticar. Importa ser exemplo nas ações; arregaçar as mangas e, como dizia João Batista, empunhar o machado e dirigi-lo à raiz da árvore apodrecida.

O futuro será sempre o fruto do que semearmos no presente. Não será agora que haveremos de encontrar uma saída pela inesperada irrupção de algum personagem em particular. Tempos de crise exigem cabeça fria, mente aberta e um coração sempre disposto a partilhar alento. Não se deixar levar pelos temporais e nem pelas turbulências desconcertantes.

A história está repleta de exemplos de homens e mulheres que tinham tudo para se esquivar do mundo em algum lugar cômodo, e que, no entanto, ousaram erguer a bandeira de um futuro melhor. É preciso resgatar aquilo que nos foi legado por Mahatma Gandhi, por Martin Luther King, por Nelson Mandela, por madre Teresa de Calcutá. Jamais esquecer que aos olhos das pessoas do seu tempo, Jesus fracassou, mas aos olhos da história, marcou de forma profunda e indelével a vida humana. Talvez, porque tenha sabido confiar que a menor das sementes haveria de se transformar na mais frondosa árvore.

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

PINTOR SEM PINCEL

As escolas e universidades deveriam ser espaços de convivência sempre abertos ao debate de ideias e em diálogo com as mais diversas correntes do pensamento. Temo que nossa educação esteja caminhando para um lugar no qual não possa mais ser exercitada de forma inclusiva, plural, laica, respeitosa e democrática.

A LDB, para quem não conhece - a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - é o que garante a autonomia administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino, nos estados, municípios, e também, no âmbito universitário. Tenho visto com muita preocupação que se pretenda impor certos conteúdos e também recursos didáticos a serem utilizados pelas instituições de ensino. Tal atitude desconsidera, por completo, a estrutura da Educação consolidada no decorrer de muitas décadas de debates e construção coletiva.

O problema da educação brasileira não se resolve impondo ideologias ou “verdades” aos professores e estudantes, mas, fortalecendo a democracia nas escolas, valorizando os docentes e incentivando a formação continuada. É inacreditável ver e ouvir gente que, por ignorância, “cegueira” ou indiferença, alardeia bobagens sem eira e nem beira.

A liberdade acadêmica tem o objetivo de resguardar o avanço tecnológico, cultural e científico, protegendo a liberdade de pesquisa, de discussão, de ensino, de publicação e de propagação de conteúdos dentro e fora da sala de aula. É a liberdade acadêmica que vai alavancar a liberdade de expressão do aluno na condição de sujeito crítico, pensante e participante do processo educacional e social.

Ao longo de minha jornada tive o privilégio de conhecer dezenas de escolas, conviver com muitos professores e dialogar com centenas de discentes. O que encontrei, não raras vezes, foi desolador. Turmas gigantescas, infraestrutura precária, material didático pago do próprio bolso por quem ensina. Professores que perambulam por duas, três, quatro ou mais escolas. Num vai e vem infinito sem intervalos e nem tempo para uma refeição decente.

Não importa a matéria em questão, o roteiro é sempre o mesmo. Montanhas de provas, atividades e trabalhos. Há momentos onde os professores mais se parecem com zumbis. Não têm noites de sono tranquilo e nem finais de semana sem tarefas para cumprir. A rotina de preparar aulas, elaborar trabalhos, exercícios, provas e planejamentos parece nunca terminar. É claro, para quem não vive esta realidade e nem conhece as angústias e dificuldades enfrentadas, nada disso faz sentido.

Professor é pau de dar em doido. É maltratado e agredido, mas, mesmo assim, continua. Talvez por teimosia ou, quem sabe, por idealismo. Por isso, pela enorme injustiça com esta gente tão sofrida e injustamente desqualificada, cada qual deveria, pelo menos uma vez na vida, se colocar no chinelo de quem faz da sala de aula uma extensão da sua própria casa. Passar o que eles passam. Ter a mesma garra, a mesma paixão, o mesmo amor pelo que poucos conseguem amar. Perder a voz, a juventude, a energia, mas não desistir do sonho de um mundo melhor.

Gostaria que as pessoas que ficam repetindo essa ladainha de "doutrinação" pudessem colocar os seus pés em alguma sala de aula, participar das reuniões com seus filhos e filhas, conhecer a trágica realidade de nossas escolas públicas, dialogar com quem exercita a sua vocação sem um mínimo de estrutura e condições de trabalho, mas, que, mesmo assim, se esforça em cumprir a sua tarefa da melhor maneira possível. Um professor que busca ser calado é como um pintor que não pode mais usar o seu pincel.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

SER VOZ PROFÉTICA

Alguém já parou para se perguntar sobre o que estaria por trás deste discurso que vem inundando as redes sociais? Há uma onda que parece estar se multiplicando e que suscita velhos rancores. No meio desta avalanche de intolerância, eis que uma voz destoante se faz ouvir pelos quatro cantos do planeta. Não de um pastor como nos dias de Martin Luther King nos Estados Unidos ou Dietrich Bonhoeffer na Alemanha, mas, de um Papa.

Por ironia, justamente o primeiro Papa latino-americano. É ele que, de forma ousada e profética, se levanta contra os que insistem em ressuscitar um discurso que parecia ter sido abandonado. Enquanto isso, uma parcela da igreja que em outros tempos soube estar na vanguarda da luta pelos direitos dos mais fracos, agora, não hesita em se aliar com o que há de mais distante do mandamento de Cristo. Pior, em muitos casos, em nome de um falso moralismo.

Conseguiram a façanha de diluir o Evangelho da graça em um discurso de ódio e intolerância em cada canto. Esqueceram os líderes religiosos que outrora foram perseguidos, torturados, e, alguns até mortos por defender o testemunho bíblico. Será que ser a favor de uma arma na mão de cada indivíduo condiz com o que foi ensinado por Jesus? Os bem-aventurados, como indicado pelo homem da Galileia não seriam mais os pacificadores? Ser pela família abona a conduta de quem é contrário aos direitos coletivos?

Para termos um país que possa se considerar legitimamente democrático e republicano, temos que fortalecer tanto as nossas instituições como a participação popular. Temos que aplicar a lei com vigor a todo ato criminoso de qualquer natureza e praticado por quem quer que seja. Acho crucial que exista também um estado de alerta contra todo e qualquer grupo que pretenda um controle hegemônico ou que queira impor a sua agenda a qualquer custo.

Pessoas com quem pude conviver no decorrer da vida e no cotidiano da igreja, que defendiam a vida, a graça e o amor de Cristo, de uma hora pra outra, passaram a proferir discursos odiosos, agressivos, violentos, fazendo apologia a muitos absurdos. Quando me volto para a Bíblia e vejo o modo como Cristo andou entre nós, como Ele se relacionava com as pessoas, a maneira como exercitava os seus ensinamentos, fico angustiado em ver tanta gente usando o nome de Deus para justificar barbaridades.

É preciso retomar o espírito do Evangelho e ter coragem de rejeitar a imagem de um Deus que jamais seria a favor da força, mas do amor, sem distinções. Jesus era o mestre do amor, o mestre da vida, o mestre da sensibilidade, o mestre inesquecível. Nasceu em uma manjedoura em vez de nascer em um berço de ouro; andou em um jumento, em vez de andar em uma ostensiva carruagem real; foi aquele que conviveu com os pecadores, e não com os que se consideravam “puros” ou “sábios” da época.

O Mestre da Paz soube estender a mão aos mais humildes e nunca se corrompeu com alguma manobra que lhe garantisse o poder. Nunca aprovou a violência. Ao invés de armas, ensinou o amor. Nunca ofendeu, foi preconceituoso ou impôs o seu projeto de vida para a humanidade. Atraía multidões, não pelo temor que suscitava, mas, pela amorosidade, generosidade, compaixão e solidariedade.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

A ESTRADA ESTREITA

Em terra pisada, a vida não germina. No caminho por onde segue a maioria, o chão se enrijece pavimentado pela contenda. Rivalidades empurram as pessoas a desejarem os primeiros lugares e quando todos optam pelo caminho da notoriedade, a disputa amesquinha. Torna-se tão importante ganhar que os Narcisos se odeiam e os Neros desconfiam da própria sombra.

Quem escolhe o caminho menos trilhado, abre mão dos aplausos e dos confetes. Na verdade, as pessoas não invejam as conquistas dos grandes heróis, sequer o preço que pagaram, mas cobiçam os aplausos e a bajulação dos triunfantes. E tudo isso não passa de vaidade, de um nada.

Plutarco escreveu a biografia ufanista de Júlio César. Júlio César talvez tenha sido um dos maiores imperadores de todos os tempos. Seu reinado marcou a história de tal maneira que os sucessores ao trono romano adotaram seu nome. Augusto, Marco Aurélio e todos os demais também queriam ser César. Até imperadores da Rússia passaram a se chamar de Tsar – César em russo – e os germânicos, de Keiser – César em alemão.

Acontece que o próprio Júlio César era insatisfeito consigo mesmo. Ele invejava Alexandre, o Grande. Plutarco narra que certa vez flagrou Júlio César em lágrimas enquanto lia a vida do imperador da Macedônia. Plutarco perguntou o motivo das lágrimas: “Choro não por Alexandre, que morreu tão cedo, mas por mim. Com a minha idade Alexandre já havia conquistado o mundo e eu nada fiz”.

A questão que acaba aparecendo aqui é a seguinte: todos queriam ser iguais a Júlio César, mas ele queria ser como Alexandre. Todavia, o cenário foi ainda pior. O grande Alexandre não era alguém que estava satisfeito consigo mesmo. Também ele queria ser parecido com a imagem ideal de Hércules. Hércules, por sua vez, não existia de verdade, pois era um personagem mitológico.

É preciso entender que o caminho mais usado pode não levar a lugar nenhum. Em geral, é capaz, inclusive, de redundar no inferno da perfeição. Perfeição que cobra das pessoas um padrão que só os personagens mitológicos conseguem alcançar. É, pois, preciso desvencilhar-se desta armadilha que não só fatiga, mas destrói o propósito de qualquer indivíduo por meio das frustrações e da ansiedade.

Tenho para mim que não deveríamos nos sentir diminuídos por não sermos compreendidos naquilo que fazemos ou sonhamos. Jamais imaginar que jogamos nossa vida fora por não termos alcançado as luzes da ribalta. Não vale a pena invejar os que gravaram o nome deles na calçada da fama. Tudo vira pó. A glória humana se dispersa em nada. Convém dedicar-se a construir relacionamentos significativos. Priorizar os encontros despretensiosos. Doar-se sem esperar recompensa.

Importante é poder abrir a sua própria picada. Evitar bitolas, cabrestos, vendas ou algemas. Escrever a sua história sem se preocupar se alguém vai considerá-la digna de ser publicada. Só você conhece o valor de seus momentos. Um dia, como num suspiro, você também verá que havia muitas estradas e que valeu ter viajado pela menos preferida, mesmo que alguns não tenham compreendido tuas escolhas.

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

VOCAÇÃO

Espero esvair-me diminuto na correnteza suave de algum rio.
Não desejo voltar ao pó, mas transubstanciar-me em águas serenas.
Ouso imaginar que minhas cinzas sejam espalhadas ao vento.

Depois de tanto procurar, espero apenas seguir o curso da corrente,
Eternizar-me despretensioso e calmo para fluir na constância.
Diluído, anseio perpetuar-me nos caminhos altaneiros do porvir.

Em minha ambição derradeira, gostaria de perpetuar a calmaria,
Perenizar a paz no murmúrio das águas solitárias, mas tranquilas,
Falar ao coração para nele fazer morada em sonhos sublimes.

Gostaria tanto de revelar mistérios inefáveis que inquietam meu ser;
Transpor as estranhas angústias de um coração machucado;
Sem receios, recitar anseios que locupletam meu ser.

Como gostaria de não precisar explicar-me a mais ninguém,
Que pessoas soubessem compreender minha alma inquieta,
Calar para sobreviver em meio a tantas tempestades!

Gostaria de ser o rio alegre para aqueles que almejam as alegrias,
O brado triunfante para aqueles que sonham com as vitórias;
Em meu destino, retratar a essência de dias serenos;

Ter a capacidade para decompor lágrimas em esperanças,
Demarcar vivências entre murmúrios e silêncios,
Abraçar no cansaço e nas aflições;

Transformar-me em águas distantes daquilo que rouba a paz;
Nesta ventura inquieta, jamais concordar com a indiferença,
Ressuscitar aquilo que me fez sonhar.

Em minha sina definitiva, quero cumprir a vocação do riacho;
Voltar de onde vim no insinuante encanto original,
Desfazer-me em regato perene e imortal.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

MINHA CONFISSÃO DE FÉ

Sou a favor da liberdade democrática. Creio que entre diferentes modelos, nenhum consegue superar a democracia. Defendo, pois, o Estado de direito. Nunca serei a favor de qualquer movimento que subverta a soberania popular. Coloco-me ao lado daqueles e daquelas que defendem a causa dos mais humildes, das minorias e dos refugiados com base na nossa lei maior - a constituição.
Sempre fui e continuarei sendo a favor da vida. Creio na dignidade de homens e mulheres, independente da cor de sua pele, da sua origem étnica, do seu status social, da sua religião ou de sua escolaridade. Com base nos valores que norteiam minha caminhada e no meu testemunho de fé, seguirei defendendo o diálogo e o bom senso como virtudes humanas inalienáveis.
Jamais seria contrário ao que é justo ou verdadeiro. Sigo acreditando que Deus não concorda com as mazelas sociais e nem com as desventuras da mesquinhez e do fanatismo. Sonho com um tempo onde as leis sejam orientadas para assegurar os direitos de quem mais precisa e não para proteger privilegiados.
Seguirei acreditando na equidade como a melhor maneira de promover a paz. Percebo que é por conta da má gestão dos recursos que meninos e meninas são jogados no colo do traficante, tendo a esperança aniquilada e os sonhos, desmantelados. Sinto-me ultrajado quando vejo que neste país se gasta muito para sustentar burocratas e se vira as costas para tantas creches, tantas escolas e tantos hospitais.
Creio, verdadeiramente, em um Estado laico capaz de rejeitar a tutela de qualquer religião acima de sua Constituição. Recuso-me a aceitar que alguma instituição religiosa me imponha certos preceitos, pois a liberdade de escolha ou adesão é dos princípios, o mais belo. Acredito no poder da gentileza e na partilha do abraço e da ternura como pedras fundamentais de uma vivência profunda.
Seguirei o imperativo de homens e mulheres cuja história foi marcada pela cordialidade e o bem nas palavras e ações: Martin Luther King, Mahatma Ghandi, Nelson Mandela, Desmond Tutu, Malala Yousafzai. Confio na afirmação bíblica de que “os mansos herdarão a terra” e na promessa de que “os pacificadores serão chamados filhos de Deus”. Por isso, alimento o meu espírito com a promessa de que “serão fartos todos os que têm fome e sede de justiça”.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

SAL DA TERRA E LUZ DO MUNDO

No século VI, o papa Gregório afirmou que existiam dois tipos de idolatria: a mais banal supunha a adoração a falsos deuses. A outra, mais sofisticada e conhecida, era adorar a Deus, porém de uma maneira falsa. Na Bíblia, os profetas denunciaram essa religião dos sacerdotes. Protestavam afirmando que Deus chamava o povo a viver a fé baseada na justiça e no cuidado da vida dos mais necessitados. Jesus, conforme os evangelhos, quando ia ao templo era para ensinar e não para oferecer sacrifícios. Por isso, foi perseguido pelos religiosos da sua religião e foi entregue aos romanos pelos sacerdotes que pediam: Crucifica-o!

Na sua história, muitas vezes, as Igrejas substituíram a religião do templo, mas, por outro lado, também aprimoraram os rituais baseados no poder sagrado e sem uma relação mais estreita com a justiça. Durante séculos a Igreja aceitou a escravidão, concordou com as guerras, fortaleceu a colonização para expandir e ter ao seu lado o poder político, sempre acreditando que desta maneira estaria agradando a Deus. Embora muitos líderes religiosos ainda pensem e se comportem assim, essa não é uma postura oficial.

Infelizmente, o que tenho visto nos dias atuais, são grupos que herdaram da velha Cristandade o que ela tinha de pior. Agora têm como projeto criar um Brasil que possa se declarar “Por Deus”. Foi esse tipo de religião que entregou Jesus à morte. Foram estes que queimaram na fogueira Joana d’Arc. Foi assim que aconteceram a inquisição e as cruzadas com milhares de pessoas sendo massacradas em nome de Deus. É preciso retomar o espírito do Evangelho e ter coragem de rejeitar a imagem de um Deus que jamais seria a favor da força, mas do amor. De um mundo justo e fraterno, da paz e da comunhão.

Quem somos nós para encorajar o que contraria frontalmente a sua vontade? Sei que muitos alegarão que tudo não passa de manipulação da mídia, mas basta ter um pouco de discernimento para perceber que o sangue de toda uma geração poderá cair em nossas mãos! Um dia, teremos que prestar contas. Não compete a um pastor dizer a quem o seu rebanho deve apoiar, mas compete instruir para que saiba reconhecer os riscos por trás de todo discurso de ódio e intolerância.

Eu não quero um país governado por apenas um grupo, por apenas uma cultura ou por apenas uma crença. Eu não quero que me seja imposta uma agenda que desconsidere as diferenças sociais, culturais, políticas e religiosas, pois isso nunca foi e nunca será uma sociedade livre e democrática. Eu não quero ser comandado por gente interessada em suspender a ordem em nome da segurança e de meter o Brasil num perigoso caminho sem volta.

domingo, 7 de outubro de 2018

OS EXTREMISMOS E AS INTOLERÂNCIAS NOSSAS DE CADA DIA!

O consagrado historiador britânico Eric Hobsbawn denominou como a Era dos Extremos o período compreendido entre o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, e o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1991. Foi nesse espaço de tempo que o planeta viu uma guerra explodir na Europa, o comunismo surgir como sistema de governo, o fascismo ganhar corpo e, unido ao seu irmão mais cruel, o nazismo, arrastar o mundo ao seu maior conflito armado de todos os tempos, com o ódio político, religioso e racial em um nível inimaginável.

A civilização conheceu os campos de concentração e as câmaras de gás. Assistiu ao que a genialidade da mente humana, somada ao insano desejo de poder, é capaz de fazer quando as bombas atômicas devastaram Hiroshima e Nagasaki. Ditadores sanguinários, genocídios, perseguições. Stalin, Mussolini, Hitler, Franco, Pinochet, Videla, Sadam, Bin Laden, Bush. Todos eles governaram nessa era dos extremos onde o diferente sempre foi visto como um inimigo a ser aniquilado.

O terrorismo de cunho religioso, com cabeças sendo decepadas em frente às câmeras, trouxe um novo elemento para este cenário. Com as redes de comunicação e, mais recentemente, das redes sociais, as demonstrações de ódio, intolerância, desrespeito e extremismo tiveram seu alcance ampliado. Ataques, insinuações, difamações, mentiras. Xenofobia, homofobia, machismo, racismo, divergências políticas e ideológicas. Esses são apenas alguns dos ingredientes neste caldo de gosto amargo e muito perigoso no qual estamos mergulhados.

Se a coisa já era, por si só, perigosa, a eleição de Trump nos Estados Unidos foi um passo a mais em direção ao recrudescimento da intolerância. De certo modo, Trump é o retrato de um cenário no qual não há nenhuma disposição para a conciliação, mas, para o confronto e o desrespeito ao diferente. As consequências desse processo de desumanização das relações ainda são vistas em seu estado embrionário. E, mesmo neste estágio, percebe-se a criação de um terreno fértil no qual brotam conflitos locais, nacionais e até internacionais.

O extremismo não é filho do século passado. Os grandes impérios da história se ergueram sob o fio da espada. Babilônicos, macedônios, persas, romanos, entre outros. Todas as grandes civilizações antigas expandiram a sua influência e se sustentaram à base de muito sangue derramado. No caso dos impérios modernos, a violência cedeu espaço para a exploração econômica. O capitalismo falou mais alto. Não é nenhuma novidade que hoje os Estados Unidos se consolidaram como a maior potência econômica e militar do planeta. Intimidações militares sempre fizeram parte do repertório norte-americano.

O Brasil, o ultimo país do continente a dar fim à escravidão, colhe nos dias atuais os frutos plantados em séculos de exclusão. Historicamente alijados das instâncias de poder, pobres, negros, índios, sofrem com as mais diversas formas de preconceito. A polarização política e cultural vivida de forma tão intensa pelas pessoas hoje, tem como marco a desigualdade social que permeia toda a história brasileira. No fundo, a polarização que ocorre é, em grande medida, entre a defesa de um projeto integração social e um projeto de capital.

Afogados em um cenário de corrupção quase generalizada, o Brasil parece ter atalhado pelos caminhos do caos nas instâncias do poder. Assim, sem enxergar nas instituições políticas uma representatividade, os cidadãos perderam a capacidade de olhar para a política como o caminho para a resolução das dificuldades. Ser político passou a ser visto como um atestado de desonestidade. Vive-se um sentimento de descrédito generalizado.

Não há sigla política que escape, independentemente de sua linha ideológica. A esquerda não presta para quem é de direita, e a direita não presta para quem é de esquerda. Quando a ordem social fica caótica, o resultado é a polarização e a busca por culpados e “salvadores da pátria”. As pessoas começam a omitir-se em suas próprias responsabilidades e escolhem bodes expiatórios. O resultado é uma onda gigantesca de ódio e intolerância.

A história já mostra que este estado de coisas sempre redundou em consequências desastrosas. O caso mais conhecido é o da Alemanha. Um país que se sentia injustiçado pelos acordos de paz e que, por isso, suscitou a sanha em nominar os responsáveis - os judeus, os imigrantes, os comunistas, as minorias e todos que, de algum modo, poderiam representar uma resistência ao regime nazista. Tratava-se de um "outro inconveniente" a ser culpado por aquilo que dificultava uma realização plena.

O relativo pacifismo da sociedade brasileira se origina na submissão e no impedimento de que aqueles que não são beneficiados se organizem e expressem suas demandas. A cordialidade aparente do sujeito desaparece quando o meio que lhe faz colocar a máscara da polidez, a sociedade, não lhe proporciona a proteção e a estabilidade que ele espera. Assim, a bestialidade humana aflora, e a cordialidade dá lugar à sede por vingança. De preferência, no âmbito público.

A fragilidade de nossas instituições e a descrença na capacidade do Estado em cumprir o seu papel como regulador das práticas sociais, gera o sentimento de que algo precisa ser feito e com urgência; se as instâncias que deveriam zelar pela ordem não o fazem, alguém precisa tomar as rédeas. Onde não há justiça, reina a vingança. Ampliam-se os caminhos para a intolerância, o medo e a insensatez.

Este ambiente de incertezas que o Brasil vive acaba sendo uma fotografia daquilo que faz parte do cotidiano. É gente que bate-boca nas redes sociais, que difunde mentiras e que ao ofender o outro ainda é aplaudida. É o policial que quebra o cassetete na cabeça de algum estudante e passa a ser visto como herói. É, também, por óbvio, o político que tudo promete, mas que ao longo de sua história nada fez pela população. Quando não há mais espaço para o diálogo ou o respeito para com o diferente, quando o impulso se sobrepõe à racionalidade e as leis, já não basta estar alerta, é preciso que algo mais seja feito.

sábado, 29 de setembro de 2018

O Fascínio da Barbárie

Quem ousa descortinar os caminhos da história recente, certamente haverá de perguntar, ainda hoje, como foi possível a barbárie nos campos de concentração na Alemanha nazista de Hitler. Como foi possível que uma das mais desenvolvidas nações europeias, uma verdadeira potência cultural, econômica e política, berço da filosofia de Kant e Hegel, Marx e Freud, de gênios como Bach, Beethoven e Goethe, tenha sido sequestrada pela loucura de um líder insano? Como compreender tanta irracionalidade em uma nação que se dizia evoluída? Como imaginar que a democracia pudesse ser condenada e conduzir para o holocausto?

Para mim, entre os muitos fatores que podem explicar esta tragédia, por certo, o maior deles foi o peso de quem se alinhou com a insanidade de Hitler e permitiu, por adesão ou indiferença, que os alemães fossem seduzidos pela barbárie. O desemprego, a corrupção, a falta de perspectivas dentro do próprio sistema eleitoral, engendrou um nacionalismo exacerbado que condenava imigrantes, comunistas, homossexuais. Diante de um quadro nebuloso, não foi um acaso que um militar de patente inexpressiva e sem qualquer preparo tenha sido alçado ao principal cargo do executivo.

As pessoas acreditaram no discurso que ilustrava uma suposta moralidade, um amor à pátria, a fé acima de tudo. Hitler chegou ao poder com o apoio de uma grande parcela dos intelectuais, das igrejas, dos mais pobres. Gente que, mesmo percebendo a grande falta de preparo e o um discurso que condenava as minorias, entendia que a mudança se fazia necessária. As pessoas estavam cansadas daquilo que haviam vivenciado. Buscava-se o novo, sem atinar, contudo, que a barbárie haveria de se concretizar de forma inapelável.

É um fato que nenhum regime totalitário seria possível sem que uma “grande ignorância” se disseminasse entre os indivíduos como um alicerce para a descrição de um quadro catastrófico. O Brasil, ao que parece, também é uma terra fértil para muitos moralistas de plantão que não se sentem desconfortáveis ao se calarem diante de crimes abomináveis como a tortura, por exemplo. Mas, em contrapartida, não hesitam em indignar-se quando se trata de questões acerca da sexualidade. É desta forma que vai sendo produzida uma alienação moral e uma conivência estratégica. A tal corrupção é denunciada com unhas e dentes quando resvala para o lado dos adversários, mas inspira um silêncio vergonhoso quando alcança o próprio ninho.

Para além de tudo aquilo que já vivenciamos aqui em nosso país, nada, absolutamente nada, se assemelha ao horror de um discurso político que proponha a violência e o ódio como estratégia de ação. Muitos eleitores no Brasil são jovens, pobres, das periferias, sem emprego, com pouca escolaridade, desiludidos e vítimas da criminalidade. Quando estas pessoas multiplicam um discurso que sugere resolver os problemas “na bala”, é possível perceber que a situação é muito preocupante. Estes segmentos buscam a cidadania que lhes foi tirada, mas ao se alinharem com um discurso fácil trazido por alguém que personifica a solução para tudo por meio da força, o que parece inevitável é que as portas para a insensatez estejam se abrindo.

O que dizer, no entanto, quando se observa pessoas das classes mais abastadas, empresários, médicos, advogados, a maioria com formação universitária, apoiando este mesmo estado de coisas? Muitos dirão se tratar de gente preocupada com certos valores ou princípios para uma sociedade melhor. Pode até ser, a democracia, mesmo não sendo um regime ideal, ainda é o melhor por permitir que posições políticas ou ideológicas diversas tentem dialogar. O problema, a meu ver, é o apoio de pessoas, presumidamente esclarecidas, a uma plataforma que pode nos conduzir para a barbárie. Não se trata aqui de um exagero pessoal, o risco existe e é cada vez maior.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Dia do Gaúcho

Conta-se que, no passado, grandes homens consolidaram as bases do Brasil com a força das suas mãos, com a energia dos seus ideais e com o sangue que aceitaram verter em nome do futuro. Esses homens, em dado momento, saíram da história para se transformar em mitos. Hoje, figuram em livros ou em nomes de ruas. Quem foram eles? O que fizeram? Conhecer a história é também produzir um imaginário. Um modo de desvelar o mundo, de descobrir e de tecer novamente os acontecimentos. A história nunca para de ser feita, escrita, inventada.

Toda cultura expressa reconhecimentos e cria realidades. Quando perde a dimensão de representação da complexidade humana e se converte em civismo, tende a ser uma força alienante. A população do Rio Grande do Sul, afinal, sabe o que se comemora no dia 20 de setembro? A data suscita o culto a um imaginário perdido no tempo. Receio que a maioria da população não tenha uma ideia muito clara acerca daquilo que aconteceu no passado. A visão que predomina no conjunto da sociedade é a elaboração feita pelo tradicionalismo, convertida em civismo. Qual o significado e os dilemas desta minha afirmação?

O Rio Grande do Sul, na pretensão tradicionalista, foi transformado em uma espécie de país, como se todos que aqui viviam tivessem o interesse de combater o Império. Trata-se de uma visão equivocada, porque os farrapos eram a minoria da população. Eles jamais passaram de cinco ou seis mil pessoas, num contingente de quase 500 mil. Há, portanto, distorções nesta visão. A revolução foi um movimento dos ricos para os ricos. Dos poderosos para os poderosos. Liberdade para se ganhar dinheiro, igualdade na hora de se cobrar impostos e humanidade para quem mais tinha.

O povo do Rio Grande do Sul, na sua expressiva maioria, ficou ao lado do Império. A revolta era dos estancieiros e charqueadores. Não era, pois, uma reivindicação do conjunto da população. Era um protesto contra a taxação da terra e do charque. Simbolizava os interesses de uma classe proprietária e de pessoas que lidavam no mercado internacional do charque, pois durante todo o período colonial, por mais de três séculos, nunca havia sido cobrado o imposto da terra.

Por outro lado, nos primeiros anos da independência as oligarquias de muitos estados disputavam o poder com as elites das outras regiões do Brasil. Não por acaso foi também o período de outras revoltas pelo país afora, como, por exemplo, a cabanada, sabinada, balaiada, etc. O fato da maioria do Rio Grande do Sul ficar ao lado do Império, significava ser a favor de uma noção de brasilidade e não perder a identidade que a independência havia trazido. Foi por isso que a população, especialmente nas cidades, lutou ao lado do Império, e não ao lado dos farroupilhas.

É preciso descontruir o ideal de que o Rio Grande do Sul se levantou como um todo contra o Império. Trata-se de uma distorção histórica. Um mito inventado, em grande medida, para legitimar os ideais de criação de um novo país na carona daquilo que havia sido preconizado pela separação do Uruguai. Esta premissa de que houve um momento no passado onde um estado inteiro se levantou contra o império não tem consistência. Na verdade, a população mais pobre, além de ter parte de suas terras invadida e saqueada, em alguns casos, foi, inclusive, arregimentada a força.

O maior expoente da revolução, Bento Gonçalves, morreu rico. Deixou entre outros bens, mais de 50 escravos para seus herdeiros. A lenda criada tende a romantizar sua biografia retratando que ele tinha acabado a vida como o mais pobre dos homens. Outro elemento histórico é que em dez anos de guerra, teriam morrido por volta de 3000 pessoas, uma média de 300 por ano, menos de uma por dia. Durante a revolução praticou-se de tudo: estupros, degolas, saques, apropriação de terras alheias e sequestros.

Antônio Vicente da Fontoura, o encarregado de negociar a anistia com o Império, foi um dos que mais denunciou a corrupção neste período. Com o fim da revolução, as principais lideranças farrapas receberam anistia e polpudas indenizações do Império. Nunca houve um tratado de paz de Ponche Verde. Canabarro e Caxias não estiveram juntos às margens do rio Santa Maria para um aperto de mão e a assinatura de um documento de paz. Muitos farroupilhas acabaram ingressando no exército imperial.

Para além de possíveis incompreensões, gostaria de deixar claro que não sou contra e, inclusive, me alegro com os festejos gaúchos cultuando a bravura dos antepassados e a atividade do campo e a vida rural. Porém, é distorcida esta visão de se comemorar a Semana Farroupilha como um movimento libertador e vitorioso. Não é possível descortinar a história num presente alheio aos fatos.

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

A ERA DA DESCONFIANÇA

A cada ano os brasileiros confiam menos uns nos outros e desconfiam mais das instituições que os governam. Os dados constam nos Índices de Confiança Social, o ICS, realizado pelo Ibope. Não há registro de um ano no qual a desconfiança tenha sido maior do que em 2018. É nessa estrada cheia de percalços que acontece a atual corrida eleitoral.

Todas as instituições perderam confiança aos olhos da população em comparação com períodos anteriores, com uma única exceção - o Congresso Nacional - que ficou na mesma situação. Pode até parecer esquisito, mas este “mesma” tem a ver com percentuais muito baixos. Portanto, não chega a ser uma vantagem. Bombeiros, presidência da república, polícias, ministério público, meios de comunicação, justiça, sindicatos, partidos, sistema eleitoral e forças armadas. Nenhuma instituição está funcionando melhor agora em comparação com anos anteriores.

Em grande parte a queda na confiança é só mais um degrau escada abaixo, numa descida quase ininterrupta desde que as pesquisas começaram a ser feitas pelo Ibope. A que naufragou com mais rapidez foi justamente a presidência da república: foi do céu ao inferno nos últimos anos. Com Michel Temer no comando a confiança caiu tanto a ponto de ser considerada a instituição menos confiável de todas.

Olhando de longe, tudo isso soa como algo conhecido e dá a impressão de não ser nenhuma novidade. Tão longo e repetitivo é o período de decadência institucional do Brasil que nem dá vontade de prestar atenção em outras percepções, mas, é preciso dar-se conta de que estamos diretamente implicados em todo este arsenal de péssimas constatações.

Alçadas ao protagonismo político por Temer, as forças armadas, por exemplo, começam a pagar o seu preço em termos de confiança. Foi com Temer que acabaram sendo chamadas para reprimir manifestações, debelar a greve dos caminhoneiros, respaldar a intervenção no Rio de Janeiro. Embora maior se comparada às instituições políticas, a confiança nas forças armadas caiu em 2018, após anos em alta. Regrediu ao patamar de 2013, ano em que a insatisfação eclodiu em centenas de protestos pelas ruas de todo o país.

Acredito que o ano de 2013 tenha sido uma espécie de ponto de inflexão na confiança dos brasileiros em suas instituições e também em relação aos seus compatriotas. De lá para cá, não é coisa rara vermos vizinhos, amigos e até familiares, perdendo a confiança e a capacidade para dialogar de forma franca e aberta e em respeito a opiniões divergentes. A desconfiança acabou sendo exacerbada inclusive por meio da truculência na interação das mídias digitais. O facebook, por exemplo, virou trincheira para defender questões de forma incisiva, apaixonada e até irracional.

A universalização dos smartphones e seus aplicativos de mídias antissociais colaboraram com esse processo de desconfiança recíproca e de acirramento das polarizações. Dificilmente teríamos alcançado um grau de hostilidade tão grande se os sistemas partidário e eleitoral brasileiros não sofressem uma crise crônica de representatividade. Quando a política não consegue mais dar conta de resolver os conflitos, são as pessoas que acabam se voltando para o mundo virtual em busca de soluções.

Como é que esta desconfiança generalizada pode impactar no resultado daquilo que está em nosso horizonte? Difícil saber, mas, os sinais já estão aparecendo por todos os lados. Mesmo diante de um clamor por mudanças, a resposta talvez seja que tenhamos mais e do mesmo. Qual a probabilidade de as eleições de outubro servirem para desanuviar o clima negativo que norteia a opinião pública? Desconfio que seja a mesma de Temer eleger um Meirelles como seu sucessor. A tempestade está só começando a se aperfeiçoar, infelizmente.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

AS CINZAS DE NOSSA HISTÓRIA

O incêndio que destruiu o Museu Nacional no Rio de Janeiro, e com ele mais de duzentos anos de história, não foi apenas um incêndio. As chamas são um triste símbolo de um país que nos últimos tempos resolveu abandonar a ciência, as artes e a cultura, em detrimento de uma estratégia mesquinha concebida a partir de interesses pessoais de quem deveria ser guardião de uma de nossas maiores riquezas: a própria memória.

As imagens das labaredas queimando parte de nossa herança cultural e histórica poderiam ser apenas um triste presságio às vésperas de uma eleição que se anuncia incendiária e incerta. Quem acha estranho tantos absurdos que estamos observando deveria analisar a tragédia sem deixar de lado os tantos desleixos de quem nunca soube preservar o seu legado. O Brasil parece ter uma vocação insana para ser um construtor de ruínas.

Um país que deixa sua memória virar cinzas corre o risco de aniquilar o seu presente para jamais alcançar um bom lugar em seu futuro. Um povo que ousa abandonar certos valores hoje, certamente buscará explicações para o insucesso na formação de novas gerações. Os seres humanos se constroem e se aperfeiçoam na sua percepção de mundo a partir daquilo que lhes é transmitido. Sem discernimento, crianças e jovens, acabarão como náufragos sem bússola, num mar já muito agitado pelas incertezas e os obscurantismos.

Sucessivos cortes de recursos para a educação e a falta de investimentos em áreas essenciais fizeram com que o nosso mais importante Museu fosse aniquilado. Enquanto isso, a poucos metros dele, há um estádio que recebeu mais de um bilhão de reais. Um descompasso tremendo e vergonhoso. O estrangulamento de nossas universidades, o descaso e o desdém, não denota apenas falta de interesse, mas, é o resultado de “um projeto” como já dizia Darcy Ribeiro. A destruição do Museu Nacional é uma vitória da intolerância que foi capaz de tragar mais de 20 milhões de bens culturais insubstituíveis para o Brasil, para a América latina e para a humanidade.

O incêndio é um crime contra a ciência que poderia produzir um conhecimento para uma vida melhor. Uma tragédia anunciada em uma nação que parece não se sentir incomodada com a destruição de sua fauna, de sua flora, da história dos povos indígenas, da colonização. É uma destruição não apenas de livros, de peças, de áudios, de imagens e de fósseis que sobreviveram a milhares de anos. Trata-se de vidas inteiras dedicadas à pesquisa, de um conhecimento acumulado para a humanidade, de um acervo imprescindível para as futuras gerações. Para mim, uma fotografia perfeita do país que nos tornamos. Insensível, ignorante, desigual, autoritário.

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

JORNALISMO EFICIENTE

O avanço dos extremismos suscita a discussão acerca do melhor modo como os líderes políticos deveriam ser questionados. Nos Estados Unidos, na Europa e agora no Brasil, já existem jornalistas buscando descobrir maneiras de entrevistar sem estender propostas antidemocráticas. A experiência americana com Donald Trump dá a entender que o confronto com questões absurdas do racismo e da homofobia, por exemplo, pode não funcionar. São exatamente os absurdos que aumentam o capital político de certos protagonistas da arena pública. Os grandes temas acabam ficando em segundo plano.

No ano passado, o partido alemão AFD conquistou seus primeiros assentos no parlamento explorando um sentimento negativo em relação aos refugiados. Há poucas semanas, Alexander Gauland, dirigente principal do partido, participou de uma entrevista numa das maiores redes de televisão do país. O jornalista Thomas Walde da rede ZDF conduziu sua entrevista sem tocar no tema dos refugiados, a principal bandeira do partido. Durante quase meia hora, o extremista se viu obrigado a tratar de assuntos que estavam fora da sua zona de conforto, como a previdência, mudanças climáticas, economia e educação. Temas muito relevantes para a Alemanha, maiores até do que a questão dos refugiados. O desempenho de Gauland foi desastroso.

Depois da entrevista, Gauland atacou o jornalista dizendo que este havia sido “excessivamente tendencioso”. As perguntas simples irritaram também o exército de militantes virtuais que atacaram o profissional em suas redes sociais. Não é diferente aquilo que ocorre no Brasil quando se busca justificar a incapacidade de argumentação de certo postulante na eleição majoritária.

Acredito que por mais absurdos que sejam certos ideais, são as questões que tratam das propostas de governo para a geração de empregos, para a resolução dos problemas de saúde, educação, economia, segurança, transporte, moradia, saneamento, que deveriam merecer especial atenção. Multiplicar questões menores, em última análise, não deixa de ser uma maneira de desviar o foco daquilo que realmente interessa. Um jornalismo eficiente não pode ceder ao sensacionalismo e nem tergiversar acerca de temas candentes da vida cotidiana.

O fato de um candidato não ter noção e nem proposta para os problemas básicos que poderá vir a enfrentar como presidente deve ser cada vez mais exposto. O povo quer emprego, segurança e comida na mesa, e, para isso, é preciso que fique claro que algumas frases de efeito ou falsas polêmicas em nada corroboram com aquilo que precisa ser enfrentado.

A despeito de alardear certas bobagens para seguidores em alguma bolha nas redes sociais, importa mesmo é que quando o indivíduo sair delas, seja confrontado com questões do mundo real. Não dá para ser presidente de um país em profunda crise apenas polemizando acerca de uma pretensa moral ou bons costumes, enquanto que na economia, na educação e na saúde, as coisas vão de mal a pior. Não se governa um país buscando respostas em algum “posto Ipiranga”.

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

O PENSAMENTO AUTORITÁRIO

Quase sete décadas atrás, no ano de 1950, foram publicadas as conclusões de uma pesquisa coordenada por um dos maiores intelectuais de nosso tempo, o filósofo, sociólogo e compositor alemão, Theodor Adorno. Com o fim da 2ª Guerra Mundial e a derrota nazista, o objetivo era compreender em que medida a sociedade e os seus indivíduos alinhados com o fascismo estavam vulneráveis à propaganda antidemocrática. Os dados produzidos não deixaram dúvidas quanto aos sentidos autoritários presentes na sociedade.

As características da personalidade autoritária identificados por Adorno demonstram que as convicções políticas, econômicas e sociais, formavam um padrão de “mentalidade”. Se olharmos para o Brasil, por extensão, o que é possível perceber nos últimos anos é uma mentalidade que vislumbra o conteúdo da democracia como um obstáculo a ser afastado em nome da eficiência do Estado.

Tendo como pano de fundo as questões suscitadas por Adorno, ouso referir que vivemos em adesão a certos valores, mesmo que estes estejam em desconformidade com os direitos e garantias fundamentais escritos na Constituição. Assim, se é possível encontrar apoio ao linchamento de supostos infratores ou à violência policial, o juiz autoritário tende a julgar de acordo com certas opiniões, naturalizando estes fenômenos. Atos como os linchamentos ou os exageros policiais tornaram-se objeto de aplausos e até de incentivo nos meios de comunicação e passam a integrar o repertório das ações aceitas.

Vivemos uma tendência para a intolerância com base em uma distorcida percepção da realidade. É fácil ver gente condenando atitudes que violam certos valores “convencionais”. No entanto, como em geral os indivíduos não estão dispostos a uma autocrítica acerca dos seus próprios valores, a tendência é condenar quem os viola, sem entender as razões pelas quais estas questões se manifestam. É como se existisse uma necessidade compulsiva de escolher um “bode expiatório” para descarregar as próprias mazelas.

O que é possível vislumbrar com clareza em nossos dias é também uma clara oposição à mentalidade subjetiva, imaginativa e sensível. Uma impaciência para exercitar o diálogo e um desprezo por qualquer análise que busque a compreensão mais profunda e elaborada daquilo que acontece à nossa volta. Quem ousa manifestar-se nesta direção, corre o risco de ser criticado sem qualquer compaixão ou empatia. A percepção da realidade acaba sendo meio primitiva, simplista, recheada de preconceitos.

Outro aspecto importante tem a ver com o alto grau de cinismo e hostilidade para desconsiderar os valores atrelados à ideia de dignidade humana. Há um desprezo à humanidade de tal modo que os juízos antidemocráticos são exercidos por meio de agressões vistas como adequadas e até necessárias. Ou seja, o indivíduo busca justificar a agressão ao outro, em especial quando acredita que esta é aceita pelo grupo com o qual ele convive. Quem não conhece esta disposição que algumas pessoas propagam de que vivemos a ameaça de “forças obscuras” a nos empurrar para o precipício? O individuo antidemocrático acredita que o mundo está à beira do caos e que sua função, ainda que insuficiente, é redimi-lo.

Na percepção da realidade autoritária o que acaba sendo recorrente é a criação de inimigos imaginários. O sujeito trabalha com estereótipos e preconceitos distanciados da experiência e do cotidiano. É por isso que vive alardeando fantasias e riscos sem amparo em dados concretos. No combate aos inimigos imaginários são evocados poderes, igualmente, imaginários. Trata-se de um discurso que coloca como condição a própria eliminação do inimigo ou de qualquer ameaça. Tem-se, então, o primado da hipótese sobre o fato. A verdade perde importância.

Entre outras questões, o pensamento autoritário é respaldado pela ignorância e a confusão. Uma personalidade que se desenvolve no vazio do pensamento. A dedução é que se o indivíduo não sabe sobre o que se manifesta, ele tende a substituir o conhecimento pela força em uma postura disfarçada que precisa preencher o vazio com chavões, senso comum, preconceitos. Não deixa de impressionar que nos dias atuais exista um grau de ignorância e confusão tão grande em pessoas com nível de formação relativamente alto.

A ignorância e a confusão vão gerando um quadro de estranhamento e ansiedade. A consequência é, em geral, recorrer a técnicas que afastem a ansiedade e orientem para posturas que busquem dividir o mundo e as pessoas em sua dicotomia: bom e mau, certo e errado, verdade e mentira. É como se houvesse a necessidade de uma etiqueta ou “caixinha”. Com base nesta atitude o indivíduo vive a ilusão de simplificar a realidade para não responder a aquilo que ele não conhece ou é capaz de dominar.

Por fim, uma personalidade autoritária, muitas vezes, caracteriza-se por recorrer a distorções de valores e categorias para alcançar resultados antidemocráticos. Há, nesses casos, um descompasso entre o discurso e a realidade. Isso ocorre, por exemplo, quando alguém defende práticas racistas em uma sociedade racista a partir da afirmação do princípio democrático da maioria. Ou seja, se a maioria for racista, o racismo estaria, pois, legitimado. A questão de fundo é que mesmo quando a pessoa estiver recorrendo ao argumento de uma pretensa maioria, ainda assim, continuará violando direitos e garantias fundamentais indispensáveis à convivência humana.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

OS REFUGIADOS E A CRISE HUMANITÁRIA


As imagens de crianças separadas dos pais pelo governo dos Estados Unidos ao tentarem entrar de forma ilegal no país provocaram comoção pelo mundo afora. Adultos passaram a ser processados criminalmente e encaminhados a presídios federais, enquanto crianças eram destinadas para abrigos. Os vídeos mostravam muitas delas, enjauladas, chorando.


Durante a campanha de Donald Trump à presidência, o tema da migração ganhou destaque com o candidato culpando os trabalhadores estrangeiros por muitas desgraças que aconteciam em solo americano. O postulante à casa branca responsabilizava os imigrantes, sobretudo, pelo aumento dos índices de roubos, estupros, tráfico de drogas. A construção de um muro isolando o México dos Estados Unidos tornou-se uma verdadeira obsessão.

É importante ressaltar que muitas corporações de países ricos ou em desenvolvimento sempre exploraram territórios nas periferias do mundo promovendo conflitos em nome dos recursos naturais ou de interesses geopolíticos estratégicos. Milhões de pessoas sofrem com atitudes assim e são obrigadas a deixar suas casas. Qual a alternativa que resta para esta gente senão buscar refúgio em outros países? No entanto, a dura realidade é que pouquíssimos são recebidos de braços abertos.

Em todo o mundo, a regra é culpar os migrantes por roubar empregos, trazer violência, sobrecarregar os serviços públicos. Na verdade, é mais fácil jogar a responsabilidade em quem não tem voz do que suscitar meios que garantam a dignidade humana. Qualquer pessoa que busca conhecer um pouco mais acerca das migrações sabe que este fluxo também é importante para a economia dos países ricos.

Países desenvolvidos, como os Estados Unidos, Alemanha, França, Itália ou a Suíça, apesar de venderem o discurso de que querem barrar a migração, sabem que dependem dela para ajudar a regular seu custo de mão de obra. É cômodo deixar uma contingente ao largo dos direitos como se fossem invisíveis, mas com muitos deveres e baixíssima remuneração. Para mim, o exemplo brasileiro que poderia ser considerado em perfeita similaridade a esta premissa são os milhões de barracos em nossas favelas. Uma espécie de campo de refugiados onde as pessoas não estão vinculadas a princípios elementares da cidadania.

Os relatórios do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) mostram que em torno de 85% dos refugiados estão nos países em desenvolvimento, muitos dos quais, extremamente pobres. Outro dado importante: Quatro em cada cinco refugiados permanecem em locais vizinhos aos de origem. Semelhante à questão da violência urbana em cidades como o Rio de Janeiro. Quem sofre as consequências são os pobres, mas os ricos acham que são eles os principais atingidos.

O número de pessoas forçadas a deixarem suas casas chegou a quase 70 milhões em 2017. Isso significa uma quantidade de gente equivalente a seis vezes a população do Estado do Rio Grande do Sul. Os principais países atingidos são a Síria (mais de 12 milhões), seguido pelo Afeganistão, Sudão, Mianmar e Somália.

No Brasil, mais que dobrou o número de refugiados, dos que pediram refúgio e daqueles que estão com permissão temporária para aqui residir. Em 2017, foram quase 150 mil pessoas, principalmente por conta da crise venezuelana. É normal que tenhamos medo daqueles que não conheçamos. Todavia, esse medo é, em geral, infundado, equivocado, preconceituoso. Os migrantes estrangeiros vêm em busca de oportunidades de vida, fugindo de guerras, da fome, dos desastres naturais.

Todos estão produzindo riquezas e desenvolvimento. No entanto, sob a perspectiva mal informada de parte da população, muitos acreditam que são eles que aqui vêm para ”roubar” empregos. Isso quando o preconceito não é recheado de uma paranoia infundada onde as pessoas são vistas como ladrões. A verdade é que muita gente quando questionada sobre os imigrantes, no fundo, nem sabe bem de onde vem o incômodo que sente ao constatar pessoas de outros países andando pelas ruas. Acredito que se fossem loiros e ricos, a história poderia ser diferente. No fundo, o problema é o racismo e o preconceito.

A história do Brasil e de outros países incluindo os Estados Unidos, é uma história de migrações. Cada qual a seu modo, foi acolhendo gente de todos os lugares. A maioria de nossos antepassados foi muito explorada quando por aqui chegou. Nossos avós, no passado, eram os forasteiros. Hoje, vejo com tristeza muitos criticando os forasteiros que chegam ao nosso país em busca de um pouco de dignidade.