No dia 10 de dezembro de 1948, quando o
mundo ainda buscava explicações diante do horror dos campos de extermínio
nazistas e a barbárie da Segunda Guerra Mundial que havia redundado na morte de
mais de 50 milhões de pessoas, representantes de uma centena
de países reuniram-se em Paris, na França, firmando a Declaração dos Direitos
Humanos. Seu slogan “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade
e direitos” era uma tentativa de afirmação da humanidade em um mundo desumano.
Hoje, passados quase setenta anos daquela
assinatura solene, o mundo continua cada vez mais desigual e injusto. O imenso
poder criador dos seres humanos, em boa medida, não está a serviço do bem. Apesar
do expressivo desenvolvimento científico e tecnológico, a vida geme ferida de
morte e os seres humanos têm ficado cada vez mais indiferentes. As perversas
desigualdades vão sendo, cotidianamente, multiplicadas.
As muitas reuniões, encontros e fóruns
mundiais, com discussões acaloradas e apelos para combater a fome e a pobreza,
parecem servir para pouco. Enquanto uma vaca recebe um subsídio de até 03
dólares por dia em diversos países da Europa para produzir alguns litros de
leite, 35% das pessoas na face da terra necessitam viver com menos de um dólar
diário. A maioria delas não tem acesso a agua potável. A cada dia, mais de 20
mil pessoas morrem por inanição. Em contrapartida, somente nos Estados Unidos,
são a cada ano, mais de 700 mil cirurgias de lipoaspiração para extrair
excessos de gordura corporal.
O mundo atual garante o sucesso de uma
minoria. As desigualdades, vergonhosamente, se agigantam. Coexistem, lado a
lado, a modernidade e a escravidão; a excelência acadêmica e o analfabetismo; o
esbanjamento e a precariedade material; a ostentação e a miséria atroz. Podemos
viver na mesma cidade, no mesmo quarteirão, mas encarar o outro como se este
fosse parte de um mundo antagônico, com séculos de distância.
Vinte por cento da população mundial
monopoliza 85% de todos os recursos da terra. Isso demostra, na prática, a
impossibilidade de que a humanidade atinja os níveis de consumo dos estratos
mais privilegiados. Se toda a humanidade tivesse acesso, de repente, a este
modelo e aos seus níveis de consumo, o mundo entraria em colapso. Olhando para
a realidade presente e analisando, por exemplo, se as pessoas conseguissem o
número de automóveis que, na média, os norte-americanos têm, não haveria
infraestrutura, nem combustível e o ar se tornaria irrespirável.
As 250 pessoas mais ricas do mundo acumulam
uma riqueza equivalente à que tem os 03 bilhões de habitantes mais pobres, isto
é, quase metade da população mundial. A renda per capita na Somália é de pouco
mais de 100 dólares, diante dos quase 100 mil dólares na Noruega, Suíça ou
Canadá. Um cidadão espanhol, inglês ou italiano aspira viver quase 90 anos,
enquanto que um habitante da maioria dos países do continente africano, apenas
40 anos.
A cada minuto se gasta fortunas em armas. A
fabricação de armas é a indústria mais próspera do planeta, seguida do
narcotráfico. Um único tanque de guerra moderno equivale ao orçamento anual da
Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação – FAO. As
grandes potências mundiais armazenam mais de 50 mil bombas nucleares, que
equivalem a mais de uma tonelada de explosivos para cada habitante do planeta.
Bastaria o valor de um avião de combate para alimentar milhões de africanos.
Com apenas 1% da renda mundial seria possível erradicar para sempre a miséria
do mundo.
Estes dados, e outros tantos que poderiam
ser citados, expressam de forma contundente, a insensibilidade e a
desumanização que vivemos através daquilo que é plenificado nas palavras, nas
atitudes, nas vivências, nos valores e verdades do mundo atual. É possível que,
equivocadamente, imaginemos que nada tem a ver conosco. No entanto, é
importante destacar que cada um desses números retrata pessoas concretas, com
um nome e o direito de ser e viver com dignidade. Seres humanos que sofrem,
gritam, choram, morrem!
É preciso dar-se conta que a falta de
dignidade embrutece mentes, enfraquece a existência, desespera. Muitos se
desumanizam por conviver com a precariedade. Muitos se tornam insensíveis
diante da dor dos outros. Muitos matam para ter. Os miseráveis assaltam com
facas ou revólveres. Os poderosos aniquilam com astúcia legitimando leis e
valendo-se da capacidade de persuasão moral. É preciso acreditar, a despeito de
tantas contradições, que se quisermos um mundo com um mínimo de paz e justiça,
devemos colocar, decididamente, a força e a inteligência a serviço do amor.