sexta-feira, 29 de julho de 2016

MUNDO INJUSTO E DESIGUAL



No dia 10 de dezembro de 1948, quando o mundo ainda buscava explicações diante do horror dos campos de extermínio nazistas e a barbárie da Segunda Guerra Mundial que havia redundado na morte de mais de 50 milhões de pessoas, representantes de uma centena de países reuniram-se em Paris, na França, firmando a Declaração dos Direitos Humanos. Seu slogan “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” era uma tentativa de afirmação da humanidade em um mundo desumano.

Hoje, passados quase setenta anos daquela assinatura solene, o mundo continua cada vez mais desigual e injusto. O imenso poder criador dos seres humanos, em boa medida, não está a serviço do bem. Apesar do expressivo desenvolvimento científico e tecnológico, a vida geme ferida de morte e os seres humanos têm ficado cada vez mais indiferentes. As perversas desigualdades vão sendo, cotidianamente, multiplicadas.

As muitas reuniões, encontros e fóruns mundiais, com discussões acaloradas e apelos para combater a fome e a pobreza, parecem servir para pouco. Enquanto uma vaca recebe um subsídio de até 03 dólares por dia em diversos países da Europa para produzir alguns litros de leite, 35% das pessoas na face da terra necessitam viver com menos de um dólar diário. A maioria delas não tem acesso a agua potável. A cada dia, mais de 20 mil pessoas morrem por inanição. Em contrapartida, somente nos Estados Unidos, são a cada ano, mais de 700 mil cirurgias de lipoaspiração para extrair excessos de gordura corporal.

O mundo atual garante o sucesso de uma minoria. As desigualdades, vergonhosamente, se agigantam. Coexistem, lado a lado, a modernidade e a escravidão; a excelência acadêmica e o analfabetismo; o esbanjamento e a precariedade material; a ostentação e a miséria atroz. Podemos viver na mesma cidade, no mesmo quarteirão, mas encarar o outro como se este fosse parte de um mundo antagônico, com séculos de distância.

Vinte por cento da população mundial monopoliza 85% de todos os recursos da terra. Isso demostra, na prática, a impossibilidade de que a humanidade atinja os níveis de consumo dos estratos mais privilegiados. Se toda a humanidade tivesse acesso, de repente, a este modelo e aos seus níveis de consumo, o mundo entraria em colapso. Olhando para a realidade presente e analisando, por exemplo, se as pessoas conseguissem o número de automóveis que, na média, os norte-americanos têm, não haveria infraestrutura, nem combustível e o ar se tornaria irrespirável.


As 250 pessoas mais ricas do mundo acumulam uma riqueza equivalente à que tem os 03 bilhões de habitantes mais pobres, isto é, quase metade da população mundial. A renda per capita na Somália é de pouco mais de 100 dólares, diante dos quase 100 mil dólares na Noruega, Suíça ou Canadá. Um cidadão espanhol, inglês ou italiano aspira viver quase 90 anos, enquanto que um habitante da maioria dos países do continente africano, apenas 40 anos.

A cada minuto se gasta fortunas em armas. A fabricação de armas é a indústria mais próspera do planeta, seguida do narcotráfico. Um único tanque de guerra moderno equivale ao orçamento anual da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação – FAO. As grandes potências mundiais armazenam mais de 50 mil bombas nucleares, que equivalem a mais de uma tonelada de explosivos para cada habitante do planeta. Bastaria o valor de um avião de combate para alimentar milhões de africanos. Com apenas 1% da renda mundial seria possível erradicar para sempre a miséria do mundo.

Estes dados, e outros tantos que poderiam ser citados, expressam de forma contundente, a insensibilidade e a desumanização que vivemos através daquilo que é plenificado nas palavras, nas atitudes, nas vivências, nos valores e verdades do mundo atual. É possível que, equivocadamente, imaginemos que nada tem a ver conosco. No entanto, é importante destacar que cada um desses números retrata pessoas concretas, com um nome e o direito de ser e viver com dignidade. Seres humanos que sofrem, gritam, choram, morrem!

É preciso dar-se conta que a falta de dignidade embrutece mentes, enfraquece a existência, desespera. Muitos se desumanizam por conviver com a precariedade. Muitos se tornam insensíveis diante da dor dos outros. Muitos matam para ter. Os miseráveis assaltam com facas ou revólveres. Os poderosos aniquilam com astúcia legitimando leis e valendo-se da capacidade de persuasão moral. É preciso acreditar, a despeito de tantas contradições, que se quisermos um mundo com um mínimo de paz e justiça, devemos colocar, decididamente, a força e a inteligência a serviço do amor.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

PERSEVERANÇA



Há momentos em que sinto muita pena dos crédulos. Sinto vontade de chorar por mulheres e homens movidos pela ingenuidade. Aqueles de semblante triste que lotam magnificas catedrais na espera de promessas que talvez nunca sejam cumpridas. Tenho consciência de que não teria sucesso se tentasse alertá-los daquilo que está no horizonte. É provável que não houvesse compreensão se buscasse falar das artimanhas desta lógica sinistra que se esconde atrás da dor e do desespero alheio.

Se pudesse, eu diria que não é verdade que “tudo vai dar certo” no futuro. Pois para muitos a vida simplesmente não “deu certo”. Alguns sucumbiram em virtude de doenças incuráveis. Alguns nunca alcançaram um trabalho digno que lhes permitisse sair da miséria. Conheço centenas de mulheres sendo humilhadas e até espancadas. Famílias sofrendo com a partida prematura de crianças e jovens engolidas pelo narcotráfico. Como gostaria de advertir, se pudesse que milhares de filhos e filhas de Deus, haverão de morrer sem verem as tais promessas sendo cumpridas.

Se pudesse, eu diria que só nos delírios messiânicos dos falsos sacerdotes acontecem milagres aos montes. A vida requer um alto grau de objetividade e realismo. Os tetraplégicos terão que esperar pelo avanço e as descobertas da medicina, mas quem sabe, um dia, os experimentos consigam regenerar tecidos nervosos que se romperam. Crianças com Síndrome de Down, por exemplo, merecem ser amadas sem a pressão de “terem que ser curadas”. Os amputados não deveriam esperar que seus membros funcionassem como antes, mas que a cibernética tivesse a capacidade de inventar próteses mais eficientes.

Se pudesse, eu diria que só os oportunistas inescrupulosos prometem riquezas em nome de Deus. Em um país que remunera o capital acima do trabalho, os pedreiros, cozinheiros, motoristas, mecânicos, empregadas domésticas, professores e outros tantos, continuarão tendo dificuldades para pagar as despesas básicas de suas famílias. Age de forma leviana e mentirosa aquele que trata a religião como se esta fosse uma alternativa mágica capaz de garantir a ascensão social.

Se pudesse, eu diria que nem tudo neste mundo tem um propósito. Denunciaria a morte de centenas de bebês nas UTIs de tantos hospitais públicos como pecado dos mais graves. Não permitiria que os teólogos de araque creditassem na conta da Providência Divina o rio que virou esgoto, a floresta defenestrada e depois incendiada, as favelas, os roubos e a violência que não para de crescer nas periferias das grandes cidades. Jamais deixaria que se tentasse explicar o acidente automobilístico causado pelo bêbado inconsequente como uma “vontade permissiva de Deus”.

Ah, se pudesse, eu pediria a todas as pessoas que buscassem viver uma espiritualidade menos alucinatória e mais “pé no chão”. Diria que não adiante pintar o mundo com desejos fantasiosos, pensamentos positivos ou energias apocalípticas. Assim como as dificuldades não se resolvem por encanto, também não adianta fechar os olhos e aguardar um paraíso de prodígios incalculáveis.

É verdade, tenho consciência, de que minhas palavras haverão de ser mal compreendidas por muitos. Resta-me, portanto, continuar insistindo, falando, escrevendo... Pode ser que uns poucos prestem atenção.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

INDIGNAÇÃO SELETIVA



O nosso tempo é o tempo da aceleração tecnológica e científica que se consolidou e opera em um ritmo inexplicável. Foram necessários milhares de anos para alcançar outros continentes, passar do barco a remo para as caravelas, da energia eólica para os motores. No entanto, foram apenas algumas décadas para passar dos balões dirigíveis zepelim para aviões. De reatores de propulsão para foguetes interplanetários. Estamos vivendo a tragédia do conhecimento desconexo, separado. Quanto mais os separamos, tanto mais difícil será submeter à ciência aos idealismos do poder. Um ilustre profissional da bioquímica pode imaginar um excelente desodorante, mas não possui mais o saber que lhe permita dar-se conta de que seu produto irá provocar uma catastrófica cratera na camada de ozônio. 

O precursor tecnológico da separação de saberes talvez tenha sido protagonizado na indústria automobilística por Henry Ford. Aquele da linha de montagem em série. Nele, cada indivíduo era instigado a conhecer uma fase do trabalho, não estava sujeito a tantas responsabilidades, a produção e o lucro eram mais expressivos. Produção em massa, preços mais acessíveis e consumo desenfreado. Tudo acontecendo em um ritmo rápido e surpreendente. É por conta deste modelo ignóbil que se passou a produzir, mais tarde, por exemplo, quantidades absurdas de venenos que podiam aniquilar a maioria das espécies. Estamos pagando o preço da rapidez. Somos capazes de destruir o planeta em um piscar de olhos.

Hoje, os massacres em todos os quadrantes da terra são vistos no mesmo momento em que acontecem. Mais informação, simultânea e em excesso, foi produzindo uma espécie de hábito. A sociedade atual transformou a informação em espetáculo. Almoçamos ouvindo notícias escabrosas e vendo imagens de pessoas sendo assassinadas. Confundimos infortúnio com divertimento. Nosso tempo vem se notabilizando pelo triunfo da ação à distância. Aperta-se um botão e já é possível entrar em comunicação direta com o Japão. Aperta-se um botão e um foguete pode ser lançado para Marte. Aperta-se um botão e um país inteiro pode ser implodido. A ação à distância pode preservar e salvar numerosas vidas, mas também é capaz de impactar em incontáveis exemplos de incitação ao ódio e intolerância. As ações à distância confluíram para a irresponsabilidade do crime.

Ciência, tecnologia, ação à distância, vem multiplicando a perseguição racial e os genocídios. Herdamos do passado este discurso de brandir a ameaça de supostos complôs contra determinadas pessoas. Com isso, conseguimos desviar o descontentamento daqueles e daquelas que são explorados, mas também renegamos o nosso próprio protagonismo diante daquilo que não plenifica a paz e a harmonia. O que torna possível o ódio, a intolerância, o genocídio e a barbárie, é que estes acontecem de forma rápida, utilizando-se de uma tecnologia eficaz de massa, além de supor o consenso e o prestígio de uma teoria pseudocientífica.

Os absurdos do nosso tempo somente são possíveis porque se busca aceitá-los e justificá-los sem ver seus resultados. Além de um número pequeno de executantes sádicos que buscam impor suas escolhas com base em um discurso alicerçado na separação dos saberes, há milhares de pessoas que colaboram à distância, realizando cada qual um gesto que nada tem de aterrador, mas que é delimitado pela indiferença, ou como ensinado por Maquiavel, pelos fins que justificam os meios.

O nosso tempo soube fazer do melhor de si o pior de si. Vivemos o tempo do triunfo tecnológico e também o tempo da fragilidade. As pessoas já não sabem de quem devem se defender. Tornamo-nos demasiado poderosos para poder evitar nossos inimigos. Encontramos o meio de eliminar a sujeira, mas não os resíduos. Por que a sujeira nasceu da indigência, que pode ser reduzida, ao passo que os resíduos, inclusive os radioativos, nasceram do bem estar que ninguém deseja perder.

Eis por que o nosso tempo é o tempo das grandes angústias e das utopias em curá-las. Com um ego maior do que consegue controlar, a humanidade vem se embaraçando num mal que conhece em detalhes. Tudo com grande velocidade. Nosso tempo é o tempo do vazio, da indiferença, dos enfartes.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

A COPA DO MUNDO NO BRASIL: QUAL O SEU LEGADO?



Passados dois anos da realização da Copa do Mundo no Brasil ainda restam muitas questões para serem consideradas neste ambicioso e megalomaníaco projeto que repercutiu inúmeros desdobramentos sociais, políticos e econômicos, com cifras que chegaram a mais de 70 bilhões de reais oriundos dos cofres federais, estaduais, municipais e da iniciativa privada. 

Para dar celeridade aos projetos de construção e reforma de estádios, aeroportos, estradas, infraestrutura e logística, foram modificados os princípios normativos e constitucionais. Novas diretrizes legais passaram a delimitar as tributações e a estabelecer regimes diferenciados para as licitações públicas em relação aos contratos para prestação de serviços. A propalada “Lei Geral da Copa” unificou as nuances dos direitos constitucionais, comerciais, penais, previdenciários, civis, entre outros.

Um aspecto que continua a merecer atenção mesmo depois de tanto tempo diz respeito ao fato de que a Copa do Mundo foi organizada por uma entidade internacional privada – a FIFA. Mesmo não possuindo prerrogativa legal, a entidade impôs garantias ao governo brasileiro para que o evento alcançasse a projeção almejada, favorecendo, sobretudo, empresas patrocinadoras. Entre as garantias, as permissões de trabalho, isenção de impostos, segurança, exploração de direitos comerciais, indenizações e tecnologias de comunicação.

Enquanto os governantes, as grandes corporações e a FIFA se desdobraram para fazer a Copa acontecer, uma parcela significativa da população questionou e até se opôs à sua realização. Ecoaram denuncias em relação a projetos superfaturados de construção de estádios, adequação das cidades sede com base em decisões arbitrárias resultando em impactos econômicos, urbanos, ambientais e sociais irreversíveis. 

Os opositores questionaram, por exemplo, a remoção de quase 200 mil pessoas para que as obras acontecessem. Somente na capital gaúcha foram por volta de 6 mil famílias. Uma clara violação ao direito cidadão de moradia numa espécie de “limpeza” das populações mais vulneráveis em prol dos grandes empreendimentos imobiliários.

Até o ano de 2010, todas as Copas juntas tinham consumido um montante de 75 bilhões de reais. Na Alemanha o custo médio dos estádios foi de R$ 327 milhões e os investimentos gerais de R$ 12 bilhões; na África, o custo dos estádios foi de R$ 300 milhões e os investimentos de R$ 18 bilhões; no Brasil, os estádios custaram em média, quase R$ 700 milhões.
O campeão em números foi o estádio Mané Garrincha, de Brasília, com custo final superior a R$ 1,4 bilhão e capacidade para 70.464 pessoas. O inusitado é que em Brasília a média de público do campeonato estadual é de menos de 1.000 pessoas. Também não há equipes nas séries A e B do campeonato brasileiro. Este estádio custou mais de um bilhão de reais para receber sete jogos da Copa, e agora está praticamente desativado. 

Não deixa de ser preocupante que somente com o dinheiro investido para organizar apenas as suas 12 sedes com os seus respectivos estádios o custo das obras atingiu o mesmo patamar do orçamento do governo previsto para, por exemplo, a área da educação no ano de 2013. Aliás, a previsão orçamentária inicial para a organização da Copa foi superada em mais de 150%. 

Conforme pesquisas em 200 cidades brasileiras, 50% da população se declarou contrária à Copa no Brasil. Não é de se estranhar quando a ampla maioria dos cidadãos e cidadãs deste país sequer tiveram condições de acessar aos estádios, sobretudo, pelos altos preços dos ingressos praticados. Mesmo assim, a FIFA teve recorde na arrecadação. Uma receita de aproximadamente 10 bilhões de reais. 

Para finalizar... Independente de qualquer ideologia partidária ou paixão futebolística, sempre é imprescindível enaltecer o bom senso. Hoje estamos pagando o ônus nas escolas, hospitais, creches, universidades, estradas e centros de lazer desaparelhados ou que não foram construídos em função dos investimentos que, lá atrás, acabaram sendo direcionados para garantir a infraestrutura da Copa. A pergunta que todos e todas deveriam se fazer neste momento é se um país que almeja consolidar o seu pleno desenvolvimento não deveria investir seus recursos em prol de toda uma população que a cada dia clama por cidadania? A Copa foi do Mundo, mas a conta continua repercutindo no bolso de cada cidadão desta prodigiosa nação!!!