quinta-feira, 28 de maio de 2020

CRISE OU OPORTUNIDADE?

Nesses tempos de pandemia mundial, há questionamentos sobre o fato da população brasileira ignorar as orientações dos órgãos oficiais de saúde, que indicam o isolamento como forma de conter a propagação do vírus. Para entender os motivos é preciso reconhecer que, para além de certos protagonistas da governança pública, temos a negação histórica do acesso a uma educação capaz de transformar corações e mentes e que, em momentos iguais ao que estamos vivendo, agrava o caos o social.

Esta negação, cunhada na estrutura de uma sociedade racista, patriarcal e de exploração, perdura por meio de nossa herança escravagista colonial, potencializada na recrudescência desta incapacidade para aceitar opiniões divergentes, transformando o outro em inimigo e, portanto, sempre induzindo de que deveria viver em outros países, pois, talvez, não seja digno de exercitar a sua cidadania por estas plagas.

A ignorância funcional de uma camada do povo brasileiro serve a um projeto de poder de gente que sempre deu as cartas neste país e que tem na mercantilização da vida humana a sua principal fonte de dividendos. O sistema capitalista, ao promover a exacerbação do lucro, aprofunda este rompimento da humanidade com valores essências ao bem comum. É a produção e a reprodução de uma dinâmica que não serve a todos e todas. Que morra o povo, mas que não cessem os lucros de alguns.

O que tenho visto, e o faço com muita tristeza, é uma profunda ignorância enraizada em alguns setores da sociedade brasileira. Estamos vivendo um período histórico em que as análises tendem a ser individualizadas e colocadas em certas caixinhas conforme determinadas pretensões pessoais. Existe um rebaixamento da ciência e do conhecimento, em geral, visto como alienante e a aquilo que se cunhou como “ideologia” mesmo que a maioria nem saiba ao certo do que esteja falando, mas, mesmo assim, prefere resposta simplórias presentes em análises facebuqueanas reproduzidas de forma acrítica e agressiva.

Não é por caso que só em 2018, segundo dados oficiais do IBGE, o índice de analfabetismo absoluto no Brasil era de 11,3 milhões de pessoas com 15 anos ou mais de idade, e o analfabetismo funcional chegava a quase 40 milhões de pessoas. Este é o cenário que marca esta incapacidade de compreender a realidade para além de análises simplórias, mas, muito mais, alinhadas por certas simpatias pessoais. O enraizamento da ignorância sempre foi, mas agora parece ter ampliado seus tentáculos nas ideias obscurantistas.

Não são dados menores esses demonstrativos da educação, sobretudo quando se aprofunda o olhar de quando, como e quem acessa o ensino público brasileiro, bem como, sobre qual cartilha a escola fundamenta os seus pilares e a quais interesses ela se submete enquanto projeto de sociedade. Se pensarmos que a educação como um direito social foi instituído na década de 1930, mas que tenha sido somente em 1988 que o ensino obrigatório foi assumido pela Constituição, visualiza-se o tamanho da reparação histórica que este país ainda necessita realizar com a sua população.

Na medida em que a reparação histórica não se realiza, estaremos submetidos à perversidade de quem dá as cartas e que não tem nenhum pudor em garantir os seus interesses. A mesquinhez expõe todo o povo e retira a possibilidade de exercitar a própria soberania. Frear qualquer avanço educacional para superar as injustiças parece não ser a preocupação de quem teria o poder de fazê-lo. A tal democracia brasileira segue sendo uma brincadeira do gato e o rato.

Portanto, podemos estar nas redes sociais lamentando que o povo não está seguindo as regras impostas para esse período ou usar deste tempo para pensar, criar novos métodos de tomada de consciência e enfrentamento à ignorância imposta por um projeto de colonização que segue firme e coeso. Cabe neste momento, sobretudo, questionar se este tempo também não é uma janela histórica para transformar certas verdades e muitos dos nossos valores. Que tal recuperarmos, um pouco que seja, da empatia, da solidariedade e do amor ao próximo?