Apesar das melhorias na distribuição de renda
nas últimas décadas, o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do
mundo: 3,6% das famílias mais ricas do país detêm quase 40% de toda a riqueza
nacional. O 1% mais rico da população, recebe por mês, cem vezes mais do que os
10% mais pobres da população. Essas desigualdades são resultado da ação humana.
Trata-se de algo que foi sendo construído socialmente ao longo da história do
país.
Muitos de nós somos educados para acreditar
que tamanha desigualdade é algo natural, quase um destino, resultado de uma
“ordem divina”, uma “sina”, ou mesmo “culpa” daqueles que não souberam
esforçar-se o bastante para melhorar a sua vida. Se pararmos para pensar na
nossa própria trajetória e na de muitos dos nossos conhecidos, independente do
esforço pessoal, sabemos que, conforme a família, o contexto, a situação,
teremos ou não, maiores chances de ter uma vida digna.
Há uma verdadeira “loteria social” que faz
com que, uma criança, pelo simples fato de nascer em uma família indígena ou
negra, tenha muito mais chances de morrer no primeiro ano de vida. Se ela
nascer menina, terá muito mais chance de sofrer violência doméstica e de
receber, quando adulta, um salário inferior ao de um homem na mesma função. Se
essa menina, então, for negra, poderá receber um terço do salário de um homem
branco. E se a criança for um menino negro, quando jovem, terá duas vezes mais
chances de morrer assassinado do que um jovem branco. Se nascer em uma
comunidade de baixa renda, sem saneamento básico, terá mais probabilidade de
ter uma expectativa de vida bem menor do que uma criança que nasceu em uma
família de classe média.
A educação no Brasil é marcada por essas
mesmas desigualdades: as crianças, adolescentes e jovens negros, são os mais
excluídos das escolas; as crianças do campo têm mais chances de estar fora da escola
do que as crianças das cidades, assim como as crianças com deficiências; as
escolas que ficam em regiões mais pobres, na maior parte das vezes, são aquelas
que oferecem uma educação de pior qualidade; muitas crianças, adolescentes,
jovens e adultos de famílias de baixa renda sonham em cursar medicina,
engenharia ou direito, mas, para isso, enfrentam muitas barreiras e desafios
para que seus sonhos sejam concretizados.
Para que um país seja mais justo é necessário
que o Estado seja firme em promover ações que enfrentem essas desigualdades. Além
de possibilitar o acesso ao conhecimento produzido pela humanidade, deve
estimular o desenvolvimento de habilidades como a leitura, a escrita, a capacidade
de cálculo. Por outro lado, uma das funções primordiais de uma educação de
qualidade é promover uma formação crítica e criativa. Coisas imprescindíveis
para o exercício da cidadania. Uma formação que possibilite aos estudantes
compreender os mecanismos que geram essas desigualdades e contribuir para o
desenvolvimento de ações para superá-las. Uma educação que questione a grande
tolerância da sociedade brasileira para com as desigualdades, que estimule os
estudantes a conhecerem seus direitos e a perguntarem o porquê das coisas serem
do jeito que são.
Infelizmente, é com muita tristeza, que tenho
visto gente defendendo que as escolas não deveriam tratar dessas questões. Receio
que seja gente que, na sua maioria, pouco conhece de um ambiente escolar, mas que,
mesmo assim, motivada pelo senso comum, acredita que as escolas devem ser
proibidas de discutir os “porquês” das desigualdades. Alheios aos fatos
insinuam que tudo é “politicagem”, “oportunismo partidário”, “pedagogia alienante”.
Escola deveria ensinar apenas abstrações matemáticas, empreendedorismo e
meritocracia.
Em minha caminhada de quase três décadas, ao
lado de educadores e educandos, em dezenas de escolas públicas e privadas, não foram
poucos os exemplos de flagrante humilhação que, infelizmente, tomei
conhecimento. Conheço dezenas de educadores denunciados às autoridades
competentes por estimular estudantes a refletirem criticamente sobre a
realidade. Dessa forma, alimenta-se a ideia de que a função da escola é
silenciar sobre os conflitos sociais, estimular a acomodação, o individualismo
e responder somente às demandas de um mercado de trabalho que não oferece
empregos dignos, mas estimula a competição e o consumismo insano.
A política não é somente exercida por meio de
governos, partidos, entidades empresariais, associações, sindicatos, movimentos
sociais e organizações da sociedade civil. Ela também é exercida no conselho
escolar, no grêmio estudantil, nas associações de mães, pais e mestres, nos
coletivos juvenis e de cultura, nos grupos de futebol e em vários outros
espaços do cotidiano da vida, no dia a dia das pessoas. Ela está presente o
tempo todo na nossa vida, inclusive na forma como nos relacionamos no trabalho,
nas comunidades, nas famílias, nas ruas, com as pessoas, sejam elas desconhecidas
ou amigas.
Por fim, é importante, que TODOS debatam
abertamente essas questões. Que os posicionamentos sejam sempre embasados e bem
firmados no diálogo, no respeito e na partilha. Carecemos, e muito, de um
entendimento que deixe de lado picuinhas e “achismos” em detrimento de uma
construção na qual o direito humano a uma educação plenifique a crítica e a criatividade.
Uma educação que amplie a qualidade de vida para e pela cidadania.