sexta-feira, 16 de junho de 2017

EDUCAÇÃO E CIDADANIA



Apesar das melhorias na distribuição de renda nas últimas décadas, o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo: 3,6% das famílias mais ricas do país detêm quase 40% de toda a riqueza nacional. O 1% mais rico da população, recebe por mês, cem vezes mais do que os 10% mais pobres da população. Essas desigualdades são resultado da ação humana. Trata-se de algo que foi sendo construído socialmente ao longo da história do país.

Muitos de nós somos educados para acreditar que tamanha desigualdade é algo natural, quase um destino, resultado de uma “ordem divina”, uma “sina”, ou mesmo “culpa” daqueles que não souberam esforçar-se o bastante para melhorar a sua vida. Se pararmos para pensar na nossa própria trajetória e na de muitos dos nossos conhecidos, independente do esforço pessoal, sabemos que, conforme a família, o contexto, a situação, teremos ou não, maiores chances de ter uma vida digna.

Há uma verdadeira “loteria social” que faz com que, uma criança, pelo simples fato de nascer em uma família indígena ou negra, tenha muito mais chances de morrer no primeiro ano de vida. Se ela nascer menina, terá muito mais chance de sofrer violência doméstica e de receber, quando adulta, um salário inferior ao de um homem na mesma função. Se essa menina, então, for negra, poderá receber um terço do salário de um homem branco. E se a criança for um menino negro, quando jovem, terá duas vezes mais chances de morrer assassinado do que um jovem branco. Se nascer em uma comunidade de baixa renda, sem saneamento básico, terá mais probabilidade de ter uma expectativa de vida bem menor do que uma criança que nasceu em uma família de classe média.

A educação no Brasil é marcada por essas mesmas desigualdades: as crianças, adolescentes e jovens negros, são os mais excluídos das escolas; as crianças do campo têm mais chances de estar fora da escola do que as crianças das cidades, assim como as crianças com deficiências; as escolas que ficam em regiões mais pobres, na maior parte das vezes, são aquelas que oferecem uma educação de pior qualidade; muitas crianças, adolescentes, jovens e adultos de famílias de baixa renda sonham em cursar medicina, engenharia ou direito, mas, para isso, enfrentam muitas barreiras e desafios para que seus sonhos sejam concretizados.

Para que um país seja mais justo é necessário que o Estado seja firme em promover ações que enfrentem essas desigualdades. Além de possibilitar o acesso ao conhecimento produzido pela humanidade, deve estimular o desenvolvimento de habilidades como a leitura, a escrita, a capacidade de cálculo. Por outro lado, uma das funções primordiais de uma educação de qualidade é promover uma formação crítica e criativa. Coisas imprescindíveis para o exercício da cidadania. Uma formação que possibilite aos estudantes compreender os mecanismos que geram essas desigualdades e contribuir para o desenvolvimento de ações para superá-las. Uma educação que questione a grande tolerância da sociedade brasileira para com as desigualdades, que estimule os estudantes a conhecerem seus direitos e a perguntarem o porquê das coisas serem do jeito que são.

Infelizmente, é com muita tristeza, que tenho visto gente defendendo que as escolas não deveriam tratar dessas questões. Receio que seja gente que, na sua maioria, pouco conhece de um ambiente escolar, mas que, mesmo assim, motivada pelo senso comum, acredita que as escolas devem ser proibidas de discutir os “porquês” das desigualdades. Alheios aos fatos insinuam que tudo é “politicagem”, “oportunismo partidário”, “pedagogia alienante”. Escola deveria ensinar apenas abstrações matemáticas, empreendedorismo e meritocracia.

Em minha caminhada de quase três décadas, ao lado de educadores e educandos, em dezenas de escolas públicas e privadas, não foram poucos os exemplos de flagrante humilhação que, infelizmente, tomei conhecimento. Conheço dezenas de educadores denunciados às autoridades competentes por estimular estudantes a refletirem criticamente sobre a realidade. Dessa forma, alimenta-se a ideia de que a função da escola é silenciar sobre os conflitos sociais, estimular a acomodação, o individualismo e responder somente às demandas de um mercado de trabalho que não oferece empregos dignos, mas estimula a competição e o consumismo insano.

A política não é somente exercida por meio de governos, partidos, entidades empresariais, associações, sindicatos, movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Ela também é exercida no conselho escolar, no grêmio estudantil, nas associações de mães, pais e mestres, nos coletivos juvenis e de cultura, nos grupos de futebol e em vários outros espaços do cotidiano da vida, no dia a dia das pessoas. Ela está presente o tempo todo na nossa vida, inclusive na forma como nos relacionamos no trabalho, nas comunidades, nas famílias, nas ruas, com as pessoas, sejam elas desconhecidas ou amigas.

Por fim, é importante, que TODOS debatam abertamente essas questões. Que os posicionamentos sejam sempre embasados e bem firmados no diálogo, no respeito e na partilha. Carecemos, e muito, de um entendimento que deixe de lado picuinhas e “achismos” em detrimento de uma construção na qual o direito humano a uma educação plenifique a crítica e a criatividade. Uma educação que amplie a qualidade de vida para e pela cidadania.

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