É um ano que termina. Outro
que se inicia. Com a mudança do calendário, na carona, vão se multiplicando expressões
antigas, habituais, por vezes, bem desgastadas. São os clichês e os chavões sem
muita imaginação, sentido ou conteúdo. Repete-se o desejo ou o compromisso de
cuidar melhor da saúde, ter mais tempo para o lazer, fazer alguma ação social.
Promessas e mais promessas que em poucas semanas, ou mesmo dias, correm o risco
de ficar pelo caminho. Retórica superficial, desejo volúvel, votos vazios.
Esperamos sempre que os
ventos do destino sejam favoráveis e o futuro nos propicie percursos nos quais
a realização seja plena. Acontece que os percalços não costumam fazer acepção
de pessoas premiando apenas alguns escolhidos. A esmagadora maioria dos seres
humanos haverá de enfrentar a dura realidade da qual não conseguirá se esquivar
repetindo frases aleatórias. A vida é esforço, dedicação, suor e lágrimas.
A vida não acontece em um
desenrolar cronológico alheio aos dilemas de nossa jornada no dia a dia. Tem
muito mais a ver com a coragem, a perseverança e o discernimento para reagir
aos impasses do cotidiano. As decisões, os gestos, as palavras e as atitudes
geram responsabilidades e também consequências. As oportunidades estarão
ligadas às escolhas, deliberadas ou não. Quem deseja construir a sua própria
história a partir de verdades e valores que valham alguma coisa, precisará
deixar de lado a indiferença, rejeitar o rancor, desprezar a inveja. Viverá de
forma bonita quem souber acolher o afeto e difundir a gratidão.
Esperar, com pensamento
positivo e frases de efeito, que o novo ano traga a superação da crise econômica,
política ou moral sem muito esforço e, de igual maneira, haja mais empregos,
mais justiça, mais segurança e menos miséria é subverter a lógica dos fatos,
desconsiderar a realidade, viver uma fantasia. Para que tenhamos um mínimo de
transformação é imprescindível colocar abaixo as perversas estruturas que
fomentam as atrocidades. Qualquer ser humano pode imaginar uma vida melhor desde
que busque acolher valores que não perpetuem a maldade e a mesquinhez, mas o
diálogo, a lealdade e a partilha.
Sem ficar esperando datas,
buscar a construção de novos caminhos. Dias melhores virão como fruto de nossa
sintonia com os propósitos e atitudes de homens e mulheres dedicados aos
valores da dignidade e do bem comum. É preciso ter compromisso com a vida e
almejar mais a ternura do que a força. Aprender que o mal nos ronda dia e
noite. Que a guerra continua a seduzir e que a perversidade se multiplica sem
parar. Entender que milhares de inocentes padecem sem vez e voz.
Que mulheres são violentadas. Crianças escravizadas, prostituídas e
traficadas. Há cinismo, ingenuidade e manipulação em demasia. Esquecemos
que a vida não passa de um breve suspiro e que todo o instante é sagrado.
O futuro não obedece aos
trilhos do destino, do fatalismo ou da fortuna. A maturidade não acontece
sem percalços. Só quem se sente amado tem segurança para humanizar-se. Quem não
consegue lidar com as suas próprias sombras, jamais saberá conjugar verbos
como: tropeçar, falhar, cair, sofrer. Só os dissimulados procuram o
convencimento de que a perfeição pode ser conquistada. O tempo é o entalhe onde
os sonhos podem ser esculpidos, mas também aniquilados. O presente, a despeito
de tudo, sempre será o prelúdio daquilo que desejamos.