sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

A APROPRIAÇÃO DA REALIDADE E O FIM DA SOLIDARIEDADE

Existe um conjunto de imagens que se têm do mundo, do Estado, da sociedade, dos indivíduos, das relações sociais, da economia e da religião. Nos dias atuais, esse conjunto de imagens, na maioria das vezes, é chamado de “neoliberal”, na medida em que leva as pessoas a se colocarem a serviço do mercado e dos interesses dos detentores do poder econômico.

O “imaginário”, que faz com que o indivíduo se perceba como parte de uma engrenagem em busca de lucros e que aos poucos foi se transformando em algo “normal”, reforça um modo de pensar e atuar no dia a dia a partir de categorias como “interesse”, “lucro”, “concorrência”. Não por acaso, a percepção que os indivíduos podem adquirir uns dos outros é que estes são concorrentes que precisam ser derrotados de alguma maneira.
O imaginário e o simbólico formam a realidade. Se percebo uma determinada situação é porque um conjunto de imagens passa a produzir um mínimo sentido a partir da linguagem e seus limites. Todavia, esta relação entre o imaginário e o simbólico na construção da realidade é sempre dinâmica e sujeita a muitas variações. O empobrecimento da linguagem e a busca da satisfação dos interesses pessoais, são sintomas desse processo de desaparecimento de valores e do enfraquecimento dos limites éticos que se percebe nas ações tanto dos agentes do Estado quanto das pessoas mais simples.

No imaginário neoliberal, a essência humana, a saber, a verdade, o belo e o justo, são abandonados em razão da ilusão criada pela promessa do consumo e da acumulação como sinônimos da realização plena. Isso leva ao enfraquecimento de certos princípios e, em consequência, da própria ética. O desejo só existe em razão de limites. É a falta que gera o ato de desejar. Por isso, não é um acaso que estejamos vivendo tempos nos quais a própria razão de existir, em alguns momentos, tem mais a ver com o que se pode ter do que aquilo que se consegue sentir.

Trata-se de um entendimento que leva à neutralização do imperativo de pensar. O que se dá, por exemplo, através tanto da promessa de uma simplificação do mundo quanto das falsificações da história. A pouca capacidade de discernimento das imagens da “política’, do “comum” e do “espaço público” ligam-se a essa tentativa de construir uma ideia de que o pensamento é quase desnecessário e a capacidade de reflexão cada vez menor.

As escolhas políticas, da mesma maneira que os julgamentos pelo sistema de justiça, se fazem a partir das imagens que cada sociedade e cada indivíduo que exerce poder faz do que seja “justiça social” ou “economia justa”. Por evidente, a relativização dos valores acerca da “justiça” e a “coisificação” da vida, são imagens típicas dos nosso dias e repercutem sobre nossas escolhas. As nossas decisões partem das imagens que temos sobre nosso lugar na sociedade, como vemos as coisas e de que maneira compreendemos as pessoas com as quais convivemos.

Existem imagens que naturalizam as opressões e os processos de dominação. As relações de forças não são apenas materiais, mas, também ideológicas, ou seja, não é necessário recorrer à violência contra uma pessoa para poder exercer a sua dominação. Ao contrário, os atos de força são exceções, até porque constituem meios pouco eficazes de se exercer poder sobre o outro. Há imagens que podem manipular vontades, imagens capazes de dominar e imagens com a força para naturalizar diferentes formas de opressão. Em nome da pretensa liberdade, portanto, pode-se, inclusive, construir uma lógica para aprisionar corpos e mentes.