O filósofo norte americano Marshall Berman,
no final da década de 1980, escreveu um livro que viria a ser uma das melhores
definições acerca da sociedade contemporânea - “Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade”. A
obra é sublinhada por uma afirmação do célebre e controvertido pensador alemão,
Karl Marx, que contextualizava a modernidade como um fluxo constante de
mudanças e incertezas. A modernidade marcada pela “certeza da dúvida”: o
permanente refazer a serviço de um determinado sistema de poder mediado pela
exploração econômica liberal.
Marshall sugere a existência de um tipo de
experiência compartilhada por homens e mulheres em um ambiente que promete
aventura, poder, alegria, crescimento, mas, ao mesmo tempo, ameaça destruir
tudo o que temos, sabemos e somos. A modernidade implica na diluição das
fronteiras geográficas e raciais. Enseja caminhos de desintegração, de lutas e
de contradições. As pessoas sentem-se como se estivessem em um período histórico
sem conexão com o passado e nem com o futuro. Trata-se de um período que ameaça
muitas tradições, e que, em contrapartida, recria modelos, convicções e
crenças.
É um tempo marcado por grandes descobertas
nas ciências, na indústria, nos meios de produção. O ritmo da vida tende a ser
mais acelerado. Multiplicam-se os problemas advindos das explosões demográficas
principalmente no meio urbano. Os sistemas de comunicação de massa exercendo
cada vez mais influência no cotidiano. Países em suas batalhas geopolíticas com
o intuito de consolidar o seu poder a partir das demandas de um mercado com
poucos imperativos éticos.
O indivíduo é alguém que experimenta uma
permanente colisão de interesses, fluxos e refluxos. Tudo é absoluto, mas nada
parece ser definitivo. As dificuldades com as quais somos confrontados podem
parecer complicadas demais, mas, em geral, as pessoas vão se acostumando e, por
vezes, o que prevalece é a indiferença e a frieza diante da dor ou dos
sofrimentos. As misérias e os mistérios dos nossos dias são vivências que
suscitam impulsos movidos em demasia pelo pragmatismo e a incapacidade de
pontuar gestos de afeto, compreensão e partilha.
De acordo com Marshall, as nossas
possibilidades seriam, ao mesmo tempo, gloriosas e deploráveis. Todos podemos
ser caminhos para a felicidade e a realização. Todos também podemos ser atalhos
em direção ao caos. Por nos perdermos no ativismo insano, os sentimentos e as
aspirações vão ganhando novas cores na medida em que as máquinas substituem a
empatia e a reciprocidade. Busca-se uma dimensão na qual o sofrimento, a
bondade, o afeto e o amor, parecem, cada vez mais, subtraídos da convivência
humana e aniquilados pelo pragmatismo exagerado.
Para muitos, as dimensões mais sensíveis à
convivência humana, podem representar um “incômodo” diante das tantas ambições
narcísicas. Queremos o controle, o domínio de nossas vidas e daquilo que nos
cerca. As pessoas tendem a dar as costas para aquilo que possa questionar ou
exigir o repensar de valores que fogem ao controle pessoal. É por isso que a
modernidade também fomenta múltiplos sentidos que retumbam em gestos de
indiferença e frieza, na precarização do entendimento e da compreensão.
Nas palavras de Marshall Berman, “não só a sociedade moderna é um cárcere,
como as pessoas que nela vivem foram moldadas por suas barras”. Somos seres
que vivem o vazio, as aparências, a incoerência entre o que se fala e o que se faz.
A modernidade, ao constituir-se através da tecnologia e das máquinas, fez com
que as pessoas, direta ou indiretamente, não consigam mais desvencilhar-se
deste modelo. Se tudo o que é sólido desmancha no ar, convém inspira-se em
Eduardo Galeano com “a esperança de que
nademos juntos para vencer a correnteza e não sejamos levados por ela”.