segunda-feira, 29 de abril de 2019

SOCIOLOGIA E FILOSOFIA NÃO SERVEM PRA NADA?

Em uma postagem na última sexta-feira, dia 26 de abril, em suas redes sociais, o Presidente da República sugeriu que o Ministério da Educação deverá reduzir, ainda mais, as já precárias verbas para os cursos de Filosofia e Sociologia. O objetivo seria “focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina”. A postagem gerou muita insatisfação e contrariedade entre os profissionais da educação.

Quem conhece um pouco e acompanha a realidade da educação, deve estar se perguntando muitas coisas. Infelizmente vivemos tempos de muita incapacidade intelectual. É neste cenário que qualquer método hermenêutico, analítico ou exegético, tende a sucumbir. A interpretação dos fatos pelas lentes da conveniência vai se traduzindo por uma aversão ao conhecimento e, não raro, tem redundado numa triste e grave acefalia em uma boa parcela da população. O Brasil, historicamente, padece com infinitos problemas na educação. Que tal se, ao invés da Filosofia e Sociologia, se sugerisse a redução dos gastos com a classe política, os servidores do judiciário ou os agentes do funcionalismo público com salários astronômicos?

Em um tempo no qual os seres humanos perdem, cada vez mais, a sua humanidade e, junto com ela a capacidade de refletir, parece existir muita disposição e vontade para criticar àqueles que se propõe a esta atividade. A Filosofia e a Sociologia incomodam a quem não quer pensar, refletir e fazer do seu tempo um tempo movido por ações humanas responsáveis, éticas e com autonomia. Trata-se de áreas que incomodam por questionar a compreensão de um mundo pronto e acabado, e, portanto, sem a necessidade de uma intervenção capaz de mudar mentalidades.

Os impactos desta aversão ao conhecimento filosófico e sociológico, com a diminuição do incentivo aos programas de pesquisa, combinados com a proposta da retirada da obrigatoriedade das duas disciplinas do currículo na educação básica são muito preocupantes. O foco em áreas de ‘retorno imediato ao contribuinte’ denota uma preocupação em promover uma educação que tem como objetivo a formação de profissionais para o mercado, de forma instrumental, sem promover a vivência crítica ou cidadã. Sem ideias e pensamento crítico, nenhuma sociedade se desenvolve de verdade. Um povo que não pensa, não luta por dias melhores.

Ao ignorar a natureza dos conhecimentos no âmbito das humanidades, exibe-se, por extensão, um entendimento deturpado dos processos formativos ao imaginar que veterinários, engenheiros ou médicos, não tenham que aprender acerca da sua realidade social ou então sobre questões éticas, por exemplo. Esquece-se que qualquer profissional para tomar decisões adequadas e moralmente justificadas em seu campo de atuação necessita de discernimento crítico. Uma das maiores contribuições da Sociologia e da Filosofia é o combate a visões distorcidas da realidade ao provocar para a reflexão e para a pluralidade de perspectivas, tão importante para o desenvolvimento e construção de uma sociedade melhor.

Combater a filosofia e a sociologia é destituir as pessoas de instrumentos fundamentais para a construção do pensamento crítico e reflexivo. Pior, trata-se de áreas que não representam um grande peso ao orçamento federal. Na verdade, a elas sempre coube as “sobras” daquilo que acabava não sendo destinado para áreas mais privilegiadas, embora também carentes, pois a educação neste país nunca significou uma prioridade. Pesquisa nunca esteve na ordem do dia. Excluir ou deixá-las apenas a quem quiser ou puder pagar, é declarar abertamente e sem rodeios, que aqui não precisamos dar voz ao pensamento crítico ou entender a realidade para além do senso comum.

sexta-feira, 19 de abril de 2019

Por que Jesus foi Condenado à Morte?

Jesus, o homem de Nazaré, passou a ser cada vez mais contestado na medida em que a sua pregação atingia mais gente. As autoridades políticas e religiosas mostravam-se inquietas com a agitação que o mestre da Galileia suscitava. As elites do poder não se sentiam ambientadas com o discurso da chegada do “Reino de Deus”. O que realmente preocupava era a agitação provocada pelos questionamentos aos padrões estabelecidos, mais do que as questões religiosas.

O testemunho dos Evangelhos não deixa qualquer margem para dúvidas. Jesus morreu porque confrontou quem detinha o poder. Este poder era representado por um sistema de dominação e exploração dos mais pobres. Diz-se que Ele teria morrido pelos nossos pecados. Esta é, em geral, uma resposta que é dada para quem busca compreender como o peregrino de Nazaré terminou a sua trajetória de uma forma tão trágica numa cruz.

Jesus morreu pelos muitos exemplos nefastos presentes na história humana. Não só pelos nossos, mas, igualmente, pelos pecados daquelas pessoas que viveram antes dele e que, portanto, não o conheceram, mas, também, por todos que viveram depois do seu tempo. Por isso, é inevitável que ao olhar para a cruz e o corpo torturado, ferido com os pregos que perfuram a sua carne e os espinhos na cabeça, qualquer um se sinta parte desta realidade. Jesus acabou numa cruz por conta das muitas barbaridades que a humanidade cometeu e ainda continua cometendo!

O peregrino da Galileia foi assassinado pelos interesses mesquinhos dos detentores do poder que, confrontados e com medo de perder o domínio sobre o povo e, sobretudo, de ver desaparecer a riqueza acumulada, não hesitaram em sacrificá-lo. A morte de Jesus não deveria ser compreendida apenas como um dilema teológico, mas, sobretudo, econômico e político. O crime pelo qual Jesus foi julgado mudava os paradigmas impostos pelos líderes de seu tempo. Ao invés da guerra, a paz. Ao invés da força e do ódio, o amor e o perdão.

A próspera economia do templo em Jerusalém havia transformado o culto em uma espécie de banco sustentado pelos impostos, ofertas e rituais para obter, mediante pagamento, o perdão divino. Era todo um comércio de animais, de ofertas em dinheiro, de frutos, para a “honra de Deus” e os bolsos dos sacerdotes e governantes que, assim como descrito pelo profeta Isaías (56:1 e 11), desconheciam a saciedade e, por isso, eram pastores sem entendimento seguindo o seu próprio caminho, cada um procurando vantagem própria.

A indignação com Jesus pode até parecer uma defesa da ortodoxia, mas, na verdade, buscava salvaguardar o modelo que vigorava na época. Para receber o perdão dos pecados, o pecador necessitava ir ao templo e oferecer aquilo que o tributo das culpas prescrevia, de acordo com a categoria do pecado, listando detalhadamente quantas cabras, galinhas, pombos ou outras coisas se deveria oferecer em reparação pela ofensa. O mestre da Galileia, ao contrário, ensinava a perdoar sem impor condições materiais ou financeiras. Para obter o perdão não havia mais a necessidade de ir ao templo levando ofertas e nem de se submeter a ritos de purificação.

Jesus não morreu pelos pecados em uma percepção teológica distante dos fatos e da realidade. Também não morreu por ser esta a vontade de Deus. Ele morreu por conta da mesquinhez e ganância das instituições religiosas e politicas de seu tempo, dispostas a eliminar qualquer um que interferisse em seus interesses. O verdadeiro inimigo de Deus talvez nunca tenha sido o pecado descrito pelos doutores da lei, mas os anseios mesquinhos, as conveniências e, principalmente, a cobiça que tornava as pessoas muito distantes daquilo que o próprio Jesus e os seus discípulos sempre proclamaram.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Teologia sem Deus

Durante a presidência de George Bush, nos Estados Unidos, se passou a noticiar que ele era um homem de fé. O mundo tomou conhecimento que o fiador da invasão do Iraque era evangélico. Bush frequentava grupos de oração e dizia pedir orientação a Deus todos os dias. Como não hesitou em bombardear um país aos pedaços, várias pessoas ficaram estarrecidas. Deus, como assim? Bush teria sido orientado por Deus a tomar uma decisão tão cruel que levaria a morte de milhares de inocentes?

Depois de Bush, grupos de oração aconteceram com mais frequência na Casa Branca. Foi assim que se percebeu que a linguagem religiosa teria forças para ganhar muitos votos. Vários se elegeram por conta deste apoio. Hoje se reconhece o movimento evangélico como principal responsável por alavancar Donald Trump à presidência. Aqui no Brasil, não por acaso, parte do movimento evangélico também soube escolher seus ungidos.

Para compreender de que maneira o movimento ganhou tanta força e adeptos, arrisco três afirmativas teológicos que, a meu ver, estão na base daquilo que é defendido pela maioria dos grupos que ganham espaço tanto no Brasil como nos Estados Unidos.


1. Descobrir e atacar “inimigos” de forma clara.

Por anos se enxergou o comunismo como um inimigo a ser destruído. Acontece que com a queda do muro de Berlin, em 1989, a União Soviética também veio a se dissolver. Não havia mais sentido atacar aquilo que havia sido vencido. O esforço se voltou, então, para os muçulmanos. O mundo islâmico passou a ser visto como um problema a ser enfrentado. A guerra do Iraque só piorou a relação entre cristãos e muçulmanos. Mas, mesmo assim, era preciso continuar combatendo os “inimigos”.

Nos últimos anos os homossexuais passaram a ser vistos como os grandes culpados pelo estado de coisas que a humanidade estava vivendo. Afinal, eram eles os responsáveis pelo “fim das famílias” e o avanço da “promiscuidade”. Foram eles que passaram a ser vistos como os responsáveis pela pedofilia, zoofilia e as extravagâncias sexuais. Outro inimigo que foi colocado na mira e que passou a ser visto como o grande problema da sociedade foi o pobre, o imigrante e os refugiados.


2. Demônios em certos lugares.

Trata-se de uma teologia maluca, sem pé ou cabeça, que foi se alastrando, primeiro nos Estados Unidos e, depois, também por todo o Continente Latino Americano. Dizia-se que os demônios teriam o controle sobre países, cidades, bairros e até ruas. De acordo com esta sandice, príncipes satânicos governariam em cada canto da terra. Pregadores viajavam pelo mundo e gastavam horas em programas na televisão para convencer as pessoas de que o mal estaria travando a civilização e impedindo a riqueza das nações. Haveria reinos do mal em certas regiões para impedir a evangelização e o progresso. Estes poderes, obviamente, precisavam ser eliminados.

O livro do escritor canadense, Frank Perreti, “Este Mundo Tenebroso”, tornou-se um best-seller. Tratava-se de uma ficção na qual o autor reduzia tudo e todos a uma realidade na qual prevalecia uma guerra do bem contra o mal, do certo contra o errado, dos bons contra os impuros. Passados alguns anos, há muitos que seguem tentando dar vasão a esta realidade. O discurso é igual: “estamos em um conflito; somos o grupo do bem; vamos destruir o mal; temos o dever de erradicar, eliminar e matar os que nos ameaçam, pois, somos os ungidos de Deus”. Com o aval divino, se pratica o que bem quiser. Todos se acham capazes de trazer de volta um passado glorioso, mas que segue apropriado pelos inimigos do bem.


3. O mundo arruinado pelo pecado

Para uma parcela daqueles que se reconhecem como evangélicos, o mundo se encontra arruinado pelo pecado. A ação da igreja deveria priorizar o combate ao mundo e tratar da salvação das pessoas, mas, para fora do mundo. Significa, pois, salvar almas e não pessoas. O planeta ou os recursos naturais, não são prioridade. Com base neste raciocínio se crê na versão de Santo Agostinho segundo a qual “os seres humanos já nascem condenados ao inferno devido ao pecado inicial”.

A desobediência dos personagens históricos, Adão e Eva, deformou a humanidade de tal maneira que ninguém é capaz de fazer o bem. Todos chegam ao mundo como criaturas em pecado; só depois, ao aceitarem Jesus, recebem o direito de serem acolhidos por Deus. Membros de outras religiões estão destinados ao fogo do inferno. Criança, por exemplo, se não pertencerem a famílias cristãs, estarão, inevitavelmente, condenadas.

Mesmo que milhões morram por desnutrição, por doenças ou por conta das guerras, não há o que lamentar: todos que não se converteram estão sujeitos ira de Deus e caminham para o inferno. O objetivo, portanto, é salvar da condenação eterna. O sofrimento causado pela miséria, pela fome, pelas injustiças, pelas enfermidades, guerras ou catástrofes, vem em segundo plano. A destruição dos pecadores tem uma função clara: serve para tornar os eleitos gratos pela salvação.

Por fim, estas pessoas acreditam que Deus sempre cumpre os seus desígnios e que tudo acontece de acordo com o seu querer. Ninguém deveria contestar a soberania divina. Com inimigos declarados e uma espiritualidade desencarnada, que vê o mundo como um lugar terrível e com um pessimismo sem precedentes, se aposta sempre no medo e na força. Para entender aquilo que se passa em nossos dias, é preciso um bocado de discernimento e vontade. A realidade atual tem muito de teologia e fundamentalismo. Tem muito de teologia, mas, sem Deus.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Justiça e Equidade

O bem estar de uma sociedade será sempre considerado um problema para quem detém o poder. Em geral, são os “donos do poder” que buscam proteger seus privilégios. A história mostra que é esta turma que tende a considerar seus anseios mais importantes que os direitos de toda uma coletividade.

A tradição bíblica do Êxodo se constituiu a partir da libertação do trabalho escravo e na revolta com o império opressor. Conta-se acerca da busca por uma terra em que todos, igualmente, encontrariam a possibilidade de serem felizes. Foi esta saga que serviu de inspiração para o surgimento de profetas na história de Israel.

Como Israel mantinha um governo teocrático, Javé, o Deus tribal e patrono dos descendentes de Abraão, se valeria do “seu povo” para revelar ao mundo os preceitos da Torá e o modelo ideal para as demais nações se organizarem. Foi por isso que os profetas se tornaram importantes para os reis. Mesmo com poderes plenos, os reis precisavam se sujeitar e responder a uma autoridade superior.

Os relatos bíblicos descrevem os profetas como agentes de um poder divino, principalmente quando se tratava de justiça. Havia uma insistência para que ela fosse o fundamento da organização do povo de Israel. Assim, os profetas foram os protagonistas na consolidação das bases da sociedade da época. O futuro do povo dependia daquilo que eles retratavam em sua atuação.

Os profetas costumavam bater na mesma tecla: ao contrário dos ídolos, a única forma de agradar a Deus consistia em promover a justiça e defender os oprimidos. Os órfãos, os pobres, as viúvas, os imigrantes. A profecia de Isaías, por exemplo, propunha por meio de palavras muito duras. “Para que me oferecem tantos sacrifícios? Para mim, chega de holocaustos... Não tenho nenhum prazer no sangue de novilhos, de cordeiros e de bodes!” (Isaías 1.11). Os profetas faziam questão de lembrar: Deus não ficava contente com mais religião, orações infindáveis e cultos solenes.

Tenho para mim que só é possível agradar a Deus, quando se implode o sistema que gera a opressão e as injustiças. Quando se avança contra os privilégios dos mais abonados. Quando passam a valer os direitos de quem sofre. Infelizmente, uma grande parcela daqueles e daquelas que se dizem cristãos, continua a cometer os mesmos pecados do povo de Israel.