sexta-feira, 12 de abril de 2019

Teologia sem Deus

Durante a presidência de George Bush, nos Estados Unidos, se passou a noticiar que ele era um homem de fé. O mundo tomou conhecimento que o fiador da invasão do Iraque era evangélico. Bush frequentava grupos de oração e dizia pedir orientação a Deus todos os dias. Como não hesitou em bombardear um país aos pedaços, várias pessoas ficaram estarrecidas. Deus, como assim? Bush teria sido orientado por Deus a tomar uma decisão tão cruel que levaria a morte de milhares de inocentes?

Depois de Bush, grupos de oração aconteceram com mais frequência na Casa Branca. Foi assim que se percebeu que a linguagem religiosa teria forças para ganhar muitos votos. Vários se elegeram por conta deste apoio. Hoje se reconhece o movimento evangélico como principal responsável por alavancar Donald Trump à presidência. Aqui no Brasil, não por acaso, parte do movimento evangélico também soube escolher seus ungidos.

Para compreender de que maneira o movimento ganhou tanta força e adeptos, arrisco três afirmativas teológicos que, a meu ver, estão na base daquilo que é defendido pela maioria dos grupos que ganham espaço tanto no Brasil como nos Estados Unidos.


1. Descobrir e atacar “inimigos” de forma clara.

Por anos se enxergou o comunismo como um inimigo a ser destruído. Acontece que com a queda do muro de Berlin, em 1989, a União Soviética também veio a se dissolver. Não havia mais sentido atacar aquilo que havia sido vencido. O esforço se voltou, então, para os muçulmanos. O mundo islâmico passou a ser visto como um problema a ser enfrentado. A guerra do Iraque só piorou a relação entre cristãos e muçulmanos. Mas, mesmo assim, era preciso continuar combatendo os “inimigos”.

Nos últimos anos os homossexuais passaram a ser vistos como os grandes culpados pelo estado de coisas que a humanidade estava vivendo. Afinal, eram eles os responsáveis pelo “fim das famílias” e o avanço da “promiscuidade”. Foram eles que passaram a ser vistos como os responsáveis pela pedofilia, zoofilia e as extravagâncias sexuais. Outro inimigo que foi colocado na mira e que passou a ser visto como o grande problema da sociedade foi o pobre, o imigrante e os refugiados.


2. Demônios em certos lugares.

Trata-se de uma teologia maluca, sem pé ou cabeça, que foi se alastrando, primeiro nos Estados Unidos e, depois, também por todo o Continente Latino Americano. Dizia-se que os demônios teriam o controle sobre países, cidades, bairros e até ruas. De acordo com esta sandice, príncipes satânicos governariam em cada canto da terra. Pregadores viajavam pelo mundo e gastavam horas em programas na televisão para convencer as pessoas de que o mal estaria travando a civilização e impedindo a riqueza das nações. Haveria reinos do mal em certas regiões para impedir a evangelização e o progresso. Estes poderes, obviamente, precisavam ser eliminados.

O livro do escritor canadense, Frank Perreti, “Este Mundo Tenebroso”, tornou-se um best-seller. Tratava-se de uma ficção na qual o autor reduzia tudo e todos a uma realidade na qual prevalecia uma guerra do bem contra o mal, do certo contra o errado, dos bons contra os impuros. Passados alguns anos, há muitos que seguem tentando dar vasão a esta realidade. O discurso é igual: “estamos em um conflito; somos o grupo do bem; vamos destruir o mal; temos o dever de erradicar, eliminar e matar os que nos ameaçam, pois, somos os ungidos de Deus”. Com o aval divino, se pratica o que bem quiser. Todos se acham capazes de trazer de volta um passado glorioso, mas que segue apropriado pelos inimigos do bem.


3. O mundo arruinado pelo pecado

Para uma parcela daqueles que se reconhecem como evangélicos, o mundo se encontra arruinado pelo pecado. A ação da igreja deveria priorizar o combate ao mundo e tratar da salvação das pessoas, mas, para fora do mundo. Significa, pois, salvar almas e não pessoas. O planeta ou os recursos naturais, não são prioridade. Com base neste raciocínio se crê na versão de Santo Agostinho segundo a qual “os seres humanos já nascem condenados ao inferno devido ao pecado inicial”.

A desobediência dos personagens históricos, Adão e Eva, deformou a humanidade de tal maneira que ninguém é capaz de fazer o bem. Todos chegam ao mundo como criaturas em pecado; só depois, ao aceitarem Jesus, recebem o direito de serem acolhidos por Deus. Membros de outras religiões estão destinados ao fogo do inferno. Criança, por exemplo, se não pertencerem a famílias cristãs, estarão, inevitavelmente, condenadas.

Mesmo que milhões morram por desnutrição, por doenças ou por conta das guerras, não há o que lamentar: todos que não se converteram estão sujeitos ira de Deus e caminham para o inferno. O objetivo, portanto, é salvar da condenação eterna. O sofrimento causado pela miséria, pela fome, pelas injustiças, pelas enfermidades, guerras ou catástrofes, vem em segundo plano. A destruição dos pecadores tem uma função clara: serve para tornar os eleitos gratos pela salvação.

Por fim, estas pessoas acreditam que Deus sempre cumpre os seus desígnios e que tudo acontece de acordo com o seu querer. Ninguém deveria contestar a soberania divina. Com inimigos declarados e uma espiritualidade desencarnada, que vê o mundo como um lugar terrível e com um pessimismo sem precedentes, se aposta sempre no medo e na força. Para entender aquilo que se passa em nossos dias, é preciso um bocado de discernimento e vontade. A realidade atual tem muito de teologia e fundamentalismo. Tem muito de teologia, mas, sem Deus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário