terça-feira, 18 de junho de 2019

SENSO COMUM

Eis um fenômeno de massa que vem gerando um movimento que, hoje, se manifesta numa percepção unilateral da realidade. A formação do senso comum se articula tendo como referência, quase homogênea, o superficial. Um saber que vai sendo incutido pela mídia de forma estratégica. Seja a mídia escrita, televisiva ou virtual. Os meios de comunicação são os responsáveis diretos pela formação deste senso comum. Atuam na repetição sagaz das idéias. Tratam de assuntos importantes a partir de percepções simplistas.

Algumas coisas vão sendo repetidas até que sejam aceitas sem maiores ressalvas. Não é difícil observar a superficialidade como são debatidos certos assuntos no Brasil. Há uma falta de vontade para ampliar o entendimento. Assim, quando se quer defender uma pauta, basta trazer um breve parecer de algum “especialista” que defenda aquilo que o veículo busca delinear, sem levar em conta alguma hipótese presente no outro lado da mesma narrativa. A superficialidade faz com que muita gente não consiga entender aquilo que, efetivamente, acontece.

É preciso observar que a sociedade é fruto de uma construção histórica, antropológica, social, econômica, política e religiosa, repleta de vivências. Um dos maiores intelectuais de todos os tempos, o filósofo Immanuel Kant, em sua obra - A Crítica da Razão Pura - ensinou que o conhecimento teria duas fontes: os sentidos e o raciocínio. O que se pode concluir a partir desta exortação descortinada por Kant é que qualquer experiência ocorre a partir da recepção de informações por meio dos nossos sentidos numa espontaneidade de conceitos e reflexões.

O conhecimento nos vem através dos sentidos. Ele se forma e se lapida com a reflexão e o raciocínio sobre as impressões recebidas. O senso comum é, pois, formar um certo conhecimento sem qualquer objeção ou reflexão. Trata-se de um hábito bastante comum na atualidade e que se manifesta pela simples concordância a partir daquilo que se gosta. Se é verdade ou não, pouco importa. Se faz sentido ou não, tanto faz.

Um exemplo interessante talvez seja imaginar o exemplo da água. Sem um filtro, ela vai da caixa d’água até a torneira sem grandes mudanças. Mas, se na casa houver um filtro, ela chegará mais pura até o copo. Esta “pureza” era a palavra que Kant buscava na sua crítica da razão. Ele propunha que a razão fosse pura, mas, para isso, deveria ter um filtro. Uma reflexão cuidadosa, profunda, equilibrada, com discernimento crítico.

É preciso compreender que quando os meios de comunicação se utilizam do superficialismo para alimentar o senso comum, eles escondem certos interesses. O senso comum, é uma ideia que não teve filtro. Um pensamento que tudo aceita e que, por isso mesmo, é capaz de repercutir tantas coisas sem nexo. Tanto ódio, insensatez e preconceito. O senso comum cria muitos mitos pela total falta de reflexão. Faz com que certas mentiras se transformem em verdades e sejam repetidas à exaustão. Diante do senso comum, atrever-se ao raciocínio, é tarefa das mais difíceis.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Sobre Fanatismos, Deturpações e Humanidades

As humanidades sempre tiveram um papel civilizatório. Quando a ciência despreza as reflexões da Filosofia, da História e da Sociologia, não é incomum que a eficiência técnica seja empregada para fins desumanos. Como não lembrar, por exemplo, de toda a engenharia empregada no holocausto? Com a História aprendemos que as sociedades se transformam pela reflexão e ação de muitos sujeitos.

O objetivo para quem busca compreender a História não é, como às vezes se diz, “aprender com os erros do passado para evitá-los no futuro”. Ora, um evento semelhante em diferentes situações haverá de provocar resultados distintos. Ao contrário de uma experiência feita em laboratório, não é possível verificar o que aconteceria se um acontecimento fosse inserido em um determinado lugar ou tempo. Não conseguimos, pois, repetir a mesma experiência com os mesmos personagens e dentro de um mesmo contexto, de modo a verificar resultados de alguma análise se confirmando.

Se estuda a História para desenvolver a consciência de que o nosso tempo é repleto de caminhos, de alternativas e de possibilidades. Estudamos para compreender que agimos condicionados pelo nosso tempo. Não somos capazes de prever o futuro, pois a História é instável e as consequências de nossas ações, imprevisíveis, e, frequentemente, inconcebíveis. É verdade, todavia, que somos marcados por muitos momentos, mas, jamais determinados por eles de forma plena. Não há um destino guiando a humanidade: é a humanidade que se constrói, diante de muitas (des)venturas e percalços. Por isso não é possível afirmar de uma forma simplória que a História se encontra em evolução. Ela não tem um objetivo, um rumo ou um fim. A História é feita de muitas situações que construímos e também destruímos com a nossa reflexão ou apatia, com a nossa ação ou indiferença.

Talvez seja por isso, por seu caráter nunca pronto que o conhecimento no âmbito das ciências humanas cause tanto alvoroço aos fanáticos que não conseguem suportar aquilo que não traga respostas prontas, definitivas, eternas. Como a História tem infinitas direções e certas percepções podem ser questionadas ou até esquecidas nas encruzilhadas do tempo, é compressivel a resistência que se observa nos dias atuais. Isso tem muito a ver com o ódio à diversidade e a liberdade, que se expressam na inconformidade de que pessoas possam escolher caminhos que não tenham sido projetados com base em valores finitos. Certas verdades com desdobramentos fundamentalistas sempre haverão de ser fruto do medo. A consequência de uma História sendo escrita por lugares diferentes, por caminhos pouco trilhados e com personagens buscando o seu lugar na sociedade.

As Artes, por exemplo, também não fogem à regra. São temidas porque ensinam que o pensamento circula nos limites da nossa linguagem. Falando de forma clara: não há uma verdade única, acabada, definitiva e independente dos recursos de linguagem que a humanidade elaborou para descrever e analisar o que os nossos sentidos conseguem assimilar. Em outras palavras: o mundo não tem apenas um sentido. Somos nós quem inventamos um sentido para a realidade que se amplia debaixo de nossos pés.

Significa que se desejamos compreender a condição humana e desenvolver as nossas capacidades, se buscamos o avanço da ciência, é indispensável decifrar a estrutura das linguagens que constroem, expressam e manifestam o pensamento de cada pessoa. Em tempos de tantas mudanças culturais, sociais, econômicas e religiosas, as Artes parecem ser um terreno bastante confuso. No entanto, acredito que elas, no fundo, apenas se movimentam para expressar esta multiplicidade de vivências, buscando contribuir para que aconteça um processo de entendimento daquilo que nos rodeia. Nem que seja por meio das muitas dúvidas que nos encontram todos os dias.

Para os fanáticos, talvez nem o diabo seja pior do que a dúvida. Fanáticos não hesitam em desprezar as ciências humanas porque sempre partem de alguma convicção acabada. São pessoas que tem “certezas” acerca de tudo e de todos. Acreditam ter as respostas para o que acontece no mundo. É gente que faz pouco caso da Filosofia porque imagina que esta serve apenas para desviar de algum caminho pré-estabelecido. Por consequencia, se odeia também a História porque ela não olha para os fatos apenas pelas lentes de quem a quer a seu favor. Odeia-se, por fim, as Artes porque elas refletem o monstro que habita em cada indivíduo.