segunda-feira, 20 de maio de 2019

Fotografias do Poder

Há uma passagem protagonizada pelo filósofo iluminista francês, Voltaire, por volta do ano de 1750, na qual ele busca entender os motivos pelos quais tantas pessoas emitem ofensas. A conclusão é de que ao proceder desta maneira o indivíduo revelaria mais a respeito do seu próprio caráter do que acerca do perfil de quem é desrespeitado. Para ele ninguém se envergonha do que faz em conjunto.

Talvez esta percepção descortinada, quase três séculos atrás, ainda hoje, seja capaz de explicar a insanidade dos linchamentos virtuais e a violência gerada pelo preconceito. Acredito que muitos não teriam esta capacidade para ofender pessoalmente o seu interlocutor por meio de tantas injúrias. Mas, no mundo virtual, parece que tudo acaba sendo possível. Tanto faz se é verdade ou mentira. Pouco importa se fere a honra ou a dignidade. Não se hesita em replicar ofensas sem o trabalho de apurar a procedência das informações.

Ao ser humano é dada a capacidade de discernimento. Por meio desta faculdade lhe é permitido o livre exercício das escolhas. Há, contudo, quem prefere abrir mão desta possibilidade. São indivíduos que optam para que as decisões sejam tomadas por algum mentor ou guru de um grupo com a qual a pessoa se identifica. Opta-se por uma espécie de “servidão voluntária”, como bem descreveu o humanista francês, Etienne de La Boétie, por volta do ano de 1563. Aqueles que não partilham de uma mesma concepção, passam a ser vistos como inimigos ou hipócritas e, portanto, devem ser dizimados.

Essa submissão à vontade do outro acontece, sobretudo, nos partidos políticos, nas empresas, em associações e, também, em muitos espaços religiosos. No caso das Igrejas, a dominação vai sendo legitimada pela suposta vontade de Deus retratada pela ação dos pastores ou dos padres. Desta maneira, se amplia uma estranha e perigosa noção de justiça divina por meio da qual tudo se explica pela “vontade de Deus” mesmo que esta implique na miséria humana.

Por esta lógica, as catástrofes, o desemprego, alguma doença incurável, não deveriam ser motivos para lamentar. Afinal, Deus teria algo em mente para permitir que estas desgraças pudessem acontecer. Em última análise, seria Deus o responsável pelo caos que o individuo necessita viver. Desta maneira um absurdo teológico passa a ser difundido e ampliado sem que as pessoas se deem conta da loucura que propagam.

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Barbárie ou Civilização?

Vivemos atualmente um paradoxo histórico. As novas tecnologias produziram um retorno, sem precedentes, ao passado. As mutações das relações políticas, dos processos econômicos e das trocas entre as pessoas se direcionam para uma única direção: o abandono das conquistas civilizatórias. As novas tecnologias são usadas para este fim. Enquanto prometem apenas facilitar a vida das pessoas, seguem a infinitos estímulos do poder.

A pergunta que precisa ser feita é de quais pessoas as tecnologias realmente facilitam a vida diante do número crescente de desempregados que vão sendo substituídos por robôs e máquinas? Caixas eletrônicos em bancos, supermercados ou farmácias, são apenas exemplos conhecidos desta realidade que não hesita em descartar seres humanos em favor de um sistema que visa o lucro e não o bem estar ou a realização e a felicidade de uma boa parcela da humanidade.

O Estado, em geral, comprometido com o poder econômico, serve não ao povo, mas ao capital. Desaparecem certos limites e laços que em outros tempos permitiam uma convivência mais harmoniosa. O Estado que poderia ser o alicerce da sociedade humana de acordo com as premissas democráticas, parece ter lavado as mãos. Valores como a verdade, a fraternidade e a esperança passaram a ser tratados como mercadorias sem valor. Enquanto isso, a mentira, o egoísmo e o discurso recheado de abobrinhas passa ser visto como virtude.

Práticas do passado voltaram à moda com governantes que seguem, se revelando, a cada dia, menos propensos ao diálogo franco, propositivo e leal. Parece que perdemos a memória e ficamos reféns do atraso. Tempos históricos que mais se parecem com uma ficção. As crises financeiras, a destruição das nossas indústrias, a demonização da política e as vitórias de projetos totalitários em várias partes do mundo são apenas sintomas de uma nova perspectiva que se consolida a partir da desgraça.

Nada que possa servir de limites aos que buscam exercer poder ilimitado é permitido. Direitos sociais e econômicos dos cidadãos são atacados pelas oligarquias, enquanto palavras como “segurança” e “corrupção” são violentadas para servir de justificativa à retirada de direitos civis e políticos. A “liberdade” se limita àquela que se dirige aos lucros ilimitados de poucos e à divulgação da lógica da concorrência que aniquila a consciência de classe e coloca cidadão contra cidadão. Não há respostas fáceis para esta realidade, mas, quem quiser um mundo melhor necessita responder a uma questão primordial: há algo comum pelo qual valha a pena lutar quando tudo leva a crer que não há saída para a barbárie?

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Brasil: Um País Sem Discernimento

É sabido que viajar educa o indivíduo, fazendo com que alguém contemple perspectivas diferentes das habituais. Quem teve a possibilidade de visitar outros lugares, provavelmente haverá de se deparar com muitos questionamentos acerca dos rumos que o Brasil está seguindo. Para quem olha de fora, a realidade se reveste de outros sentidos e significados.

O escritor e biólogo norte americano, Jared Diamond, em seu livro, Colapso, descreve como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Os motivos que contribuem para o fracasso seriam, entre outros, a destruição do meio ambiente, a negação de fatos e o fanatismo religioso. Assim como nos tempos da inquisição, o conhecimento, por si só, já é mais do que suficiente para tornar alguém suspeito.

No Brasil, as pessoas parecem não se escandalizar com certas “heresias”, mas com o famigerado "comunismo!". É esta a acusação com a qual se demoniza a ciência e o progresso. A emancipação de minorias e grupos menos favorecidos: comunismo! A liberdade artística: comunismo! Direitos humanos: comunismo! Justiça social: comunismo! Educação sexual: comunismo! O pensamento crítico: comunismo! Vive-se um anacronismo sem precedentes.

Dia destes ouvi de um amigo a anedota de um pai que havia trocado o seu filho de escola porque não queria que ele aprendesse sobre o cubismo. O pai alegava que o filho não precisava saber nada sobre Cuba, pois isso era doutrinação marxista. Não sei se a historia é real, mas que nela tem muito de verdade, não resta dúvidas. A essência da ciência é o discernimento, mas os sabichões do nosso tempo gostam mesmo é da “lacração”, de acabar, detonar, desmoralizar em nome de um pretenso esclarecimento.

Os entendidos de hoje mal ouviram falar em Nietsche ou Kant, preferem Malafaia e Edir Macedo. Não querem mais Paulo Freire, querem Alexandre Frota. Não querem mais Rousseau ou Montesquieu, mas, sim, Olavo de Carvalho. Não é difícil imaginar para onde vai uma sociedade que tem esse tipo de pensamento: para o precipício.

Fica claro que a restrição ao pensamento começa nas escolas e universidades. Por isso, os novos entendidos do pedaço concentram seus esforços nestes ambientes. Exemplos não faltam. Quem já não foi a apresentando a tal “Ideologia de Gênero” ou "Escola Sem Partido"? Em geral, trata-se de um pensamento idealizado por gente que pouco ou nada entende de educação. O interesse é reprimir o conhecimento e as divergências. Busca-se um samba de uma nota apenas.

Karl Marx é ensinado em qualquer universidade do mundo por ter sido um dos primeiros a descrever o funcionamento do capitalismo. E o fez de uma forma profunda e detalhada. Mas aqui se passou a acreditar que o contato com as suas ideias poderia transformar qualquer estudante em “comunista” em um piscar de olhos. Pouco importa se o indivíduo tenha buscado aprofundar o seu saber. Para alguns, a pessoa ter uma boa formação, é visto com desdém e indiferença. Pouco importa se a pessoa investiu a maior parte de sua vida na busca de um maior conhecimento por meio de alguma graduação, depois mestrado ou doutorado. Há uma tentativa de reescrever a história independente dos fatos. Valem as próprias convicções, não as evidências.