sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

IMANÊNCIA

Vivo nas tramas inconstantes do tempo.
Minha existência é permeada pelo momento fugaz.
Comovido pela singeleza, persisto, apesar das desventuras.
Percebo, altruísmo requer sabedoria e uma inesgotável criatividade.

Na minha simplicidade, sou confundido pelo temperamento dos gênios e seduzido pela sutileza dos poetas.
A busca da justiça me instiga e perturba; os solidários me estimulam e provocam; os santos me embaraçam e cativam.

A maturidade mostrou-me que a bondade e o carinho são virtudes essenciais à nossa caminhada,
Que o extraordinário e o encantador podem durar apenas segundos, mas permanecer para sempre em nosso coração.

Dei-me conta de que não é possível atalhar os caminhos do sofrimento de forma antecipada, mesmo na resignação.
Nas minhas angústias, desejo apenas a companhia de quem não se ausentou quando mais necessitei.

Quero estar perto de quem nunca me negou a sua estima, carinho, mão estendida, compreensão, abraço sincero.
Na minha utopia reverente, sonho com a vocação divina na qual a bondade e a compaixão se deem as mãos para enxugar lágrimas, sem julgar e nem desmerecer.

As contradições da vida me surpreendem e inquietam de forma estranha e paradoxal.
Têm dias em que me sinto delimitando trilhas com desenvoltura.
Noutros, pareço compelido a enfurnar-me em algum lugar inacessível.

Quando me permito poetizar, extravaso lástimas em demasia.
Ao sublimar as incertezas, sou tentado a sucumbir em meio às desilusões.
Nesta vida, tão estranha, parece que existem mistérios em demasia.

Resta-me o encargo de seguir adiante sem atinar os percalços do porvir.
Eu sei, devo escapar às ciladas da monotonia e às artimanhas da empáfia,
Driblar as infinitas vibrações de dor, os desgostos, os lamentos, as tristezas;

Suprimir os desencantos, as dificuldades, sem negligenciar a compaixão e a candura;
Nunca negociar o dever de consciência para alcançar um determinado fim.

Quero apenas acalmar o coração, mesmo que seja pelos caminhos da saudade, da dor e do amor em desalento.
Gostaria tanto de entender as veredas desta estranha e efêmera jornada.

Peço a Deus apenas uma coisa: nunca ser negligente ou insensível com a dor do outro;
Que eu não tenha pressa em encontrar respostas diante de perguntas insondáveis;

Que não haja imprudência nos descaminhos que nos empurram para os recônditos inauditos e indecentes da onipotência.
Não quero a perfeição, mas a companhia, a voz, o sorriso, o abraço de quem tanto amo nos poucos anos que me restam aqui nesta vida.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

QUE TEMPOS SÃO ESTES?



Vivemos em um dos períodos mais conturbados de nossa história. A massa reacionária que andava meio escondida, de repente, resolveu adotar a censura, ameaça e agressão como instrumentos de intimidação. O nosso congresso é uma vergonha. A grande mídia se transformou em ultraje à dignidade humana e as instituições jurídicas, faz um bom tempo, resolveram escamotear qualquer resquício de sensatez ou equidade. Muitos, em completa ignorância, tagarelam mundos e fundos sobre coisas que não conhecem e, sem qualquer controle, multiplicam bobagens sem eira e nem beira, principalmente nas redes sociais.

Tenho visto, com tristeza, certos grupos religiosos reafirmando posicionamentos recheados de preconceito e intolerância. Isso me faz pensar que se Jesus ousasse voltar, correria o risco de ser mais esculachado do que na sua época. Uma boa parcela da sociedade não consegue exercitar uma das premissas elementares da convivência humana - o diálogo. Se Cristo quisesse defender as mesmas ideias das escrituras sagradas ou decidisse andar ao lado das mesmas pessoas com os quais andou, não tenho dúvidas que acabaria humilhado, atacado, surrado, morto outra vez em nome de uma pretensa moralidade.

O inacreditável nesta história é que, considerando que Jesus foi um idealista em sua época, se voltasse, seria tudo aquilo que é considerado inferior, marginal e blasfemo. É muito provável que seria chamado de preguiçoso, vagabundo, subversivo, destruidor das famílias e dos bons costumes. Não tenho dúvidas de que levaria muita porrada de quem acredita ser ungido de Deus. É possível que fosse condenado em nome da fé e das tradições para aplausos de quem vive alardeando que podemos resolver nossas mazelas na base da paulada.

Se Jesus aqui estivesse, sofreria muito na mão dos que hoje se autoproclamam sacerdotes e pretensos representantes dos interesses de Deus na terra. Que afirmam lutar pelo direito de expressarem suas crenças, quando advogam, na verdade, o privilégio de vomitar seu ódio diante daquilo que supõe ameaçar o controle sobre o povo.

O discurso de ódio e de intolerância está na boca de muita gente, mesmo que seja de forma indireta ou “inocente”. É nas redes sociais onde se alardeia abobrinhas ao falar que a solução para tudo é mais bala, mais armas, mais sangue, mais matanças. Aceitam-se com naturalidade programas sensacionalistas marcados por respostas simplórias e que apelam para aquilo que mesmo não tendo funcionado em lugar algum do planeta, aparenta ser o melhor caminho. Quem hoje se dispõe a levantar a bandeira do diálogo, da paz, da tolerância, tem muitas chances de ser visto como defensor daquilo que não edifica.

Não dá para dizer para uma pessoa que defende a matança de meio mundo que ela não entendeu nada do que Jesus ensinou. Poderia parecer arrogante ou ofensivo. Mas é fato incontestável que palavras de tolerância, compreensão e amor, orientam os princípios bíblicos contidos, por exemplo, no Novo Testamento. Se por muito tempo pessoas foram levadas à fogueira, hoje se insiste em coisas absurdas com a falsa premissa de que a Palavra de Deus poderia justificá-las. Parece que não aprendemos nada com a história.

Liberdade de expressão, de fato, não é algo absoluto. Seu abuso deve ser questionado ou punido quando suscita a violência contra as pessoas. Conviria refletir melhor sobre quem está fomentando a violência no Brasil hoje? Por acaso são os arautos de uma pseudomoralidade que dizem que apenas alguns são filhos de Deus ou alguma representação artística que pede o fim dessas barreiras?

Não estou dizendo que devemos seguir a lógica franciscana ou, então, sermos indiferentes em relação aos que sofrem. No entanto, é preciso entender o que acontece na nossa sociedade para encontrar caminhos que possam modificar a lógica que anda impregnada no cotidiano de nossas relações. É preciso perceber que ninguém é melhor do que ninguém apenas porque se sente moralmente superior em uma sociedade marcada de forma cruel por infinitas injustiças. Uma sociedade de profundas desigualdades geradoras de todo tipo de violência.

Enquanto o Brasil vai sendo aniquilado pela mais abjeta canalhice nas altas esferas do poder, exércitos de pessoas que não têm o que fazer e, talvez por isso, gastam tanto tempo para ofender, criando factoides e fofocas, que em nada contribuem para um mundo melhor. É preciso pensar e compreender o Brasil no qual vivemos porque esse é o nosso dever histórico. Acreditar que o diálogo respeitoso, franco e sem subterfúgios, sempre haverá de ser o melhor caminho para a nossa jornada.

Uma coisa é certa. Se pudéssemos interpretar de uma forma mais profunda o que significa amar os semelhantes como a nós mesmos, dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, entenderíamos que muito do que se vive nos dias atuais poderia ser bem diferente. Afinal de contas, o que significa mesmo seguir o exemplo do peregrino de Nazaré? O autor do Evangelho de Lucas, capítulo 23, versículo 34, atesta: ''Pai, perdoa. Eles não sabem o que fazem''. Eu, humildemente, acrescentaria: “há muitos que também não sabem o que falam”.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

FALTA DE VERGONHA NA CARA



A revolta contra as benesses autoconcedidas por algumas carreiras da magistratura está começando a tomar corpo na sociedade. Com direitos históricos correndo o risco de serem extintos para a maior parte dos trabalhadores, causa inconformidade que alguns grupos se sirvam dos recursos públicos para aumentar as suas receitas pessoais. Mais de 17 mil magistrados e quase 13 mil procuradores do Ministério Público Federal recebem auxílio-moradia desde setembro de 2014. Segundo a ONG Contas Abertas, neste período, já foram gastos mais de R$ 5,4 bilhões com o benefício. Como comparação, daria para construir mais de 150 mil moradias populares ou, então, adquirir 40 mil ambulâncias, 30 mil ônibus escolares ou edificar, pelo menos, uma creche na metade dos municípios brasileiros para atender mais de 400 mil crianças.

Ganhar muito acima da média do funcionalismo e com polpudos penduricalhos adicionais como férias de 60 dias, auxílios alimentação, transporte, creche, educação, saúde, capacitação, produtividade, gratificações, entre outros, é, de fato, para poucos. O que impressiona mesmo é a ginástica para justificar as regalias. Os fundamentos subestimam a capacidade crítica de qualquer indivíduo. Esquece-se, de forma conveniente, que não existe no ordenamento brasileiro alguma carreira que possa ser, minimamente, comparável. Ou alguma outra categoria como a dos professores, policiais, motoristas, por exemplo, tem alguma similaridade com as deste grupo?

Os dados impressionam: só no estado de São Paulo, quase a metade dos que recebem o auxílio possuem imóveis próprios. Muitos, com mais de um registrado em seu nome. O desembargador José de Paula Neto, por exemplo, é proprietário de 60 imóveis. Isso mesmo, 60. Alguns em áreas nobres da capital paulista. Quem deveria ser um exemplo de conduta ética, não parece estar preocupado. Amparados por uma liminar de um colega, o ministro Luiz Fux, do STF, simplesmente se atropela qualquer resquício de bom senso em troca de um bônus salarial. Mesmo que a letra da lei sublinhe que NINGUÉM deveria ganhar acima do teto (hoje equivalente a R$ 33.700), a maioria excede este valor, furando o teto. Faz-se chacota do cidadão brasileiro ao ilustrar um moralismo sem olhar a própria realidade.

Dois argumentos nesta desfaçatez predominam. Um é que se trata de algo “legal”. O outro é que a remuneração da categoria está defasada e, portanto, o benefício seria uma forma de cobrir o buraco nos ganhos. Argumento utilizado, por exemplo, por Sérgio Moro, em reportagem publicada pela Folha de São Paulo poucos dias atrás. Para ele, o benefício "mesmo sendo questionável, compensa a falta de reajuste nos vencimentos" dos magistrados. Conforme dados de 2015, Moro recebe, entre salários e penduricalhos, quase 60 mil reais. Portanto, quase duas vezes o que é enunciado pela lei. Sua versão para justificar o auxilio moradia não deixa de ser um salvo conduto para que os brasileiros com salários, supostamente defasados, deem uma de espertos, driblando o bom sendo e a moralidade para engordar o seu contracheque no fim do mês.

O auxílio-moradia poderia estar sendo aplicado em políticas habitacionais pelo país afora, pois temos um déficit habitacional gigantesco. Por outro lado, se olharmos para a realidade brasileira, veremos que hoje, 92% da população ganha menos do que aquilo que é pago a título de auxílio para juízes e procuradores. A desigualdade é nociva porque dificulta que as pessoas vejam a si mesmas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Ao mesmo tempo, implica numa percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres.

Magistrados e membros do ministério público adotaram ao longo dos últimos anos um discurso moralista contra tudo que lhes pareceu torto no trato com a coisa pública. Quem exige tanta moral dos outros deveria, em tese, mostrar que não faz concessões quando se trata da própria prática. Qualquer trabalhador ou funcionário público que fizesse uso da mesma artimanha, certamente estaria sujeito a ser enquadrado por apropriação indébita, mas juízes podem, numa boa, sem volteios. Uma parcela da população, inclusive, acha normal tal conduta. Para se portar como guardião da moralidade, o esperado seria que não houvesse distorção acerca dos padrões éticos que norteiam a sociedade.

Em tempos onde o país agoniza em sua conduta ética e moral, o debate sobre os ganhos indevidos é importante. Um dos poucos casos na contramão desta realidade é a do juiz Celso Fernando Karsburg, de Santa Cruz do Sul (RS) que renunciou publicamente ao recebimento do auxílio-moradia por considerar a gratificação “imoral, indecente e antiética”. Seu exemplo faz acender uma pequena fagulha na escuridão. Afinal, o corporativismo em causa própria parece ser um resquício de nossa herança patrimonialista. Importa nunca esquecer que nem sempre o que é legal pode ser considerado moral. Simples assim.