Vivemos em um dos períodos mais conturbados
de nossa história. A massa reacionária que andava meio escondida, de repente,
resolveu adotar a censura, ameaça e agressão como instrumentos de intimidação.
O nosso congresso é uma vergonha. A grande mídia se transformou em ultraje à
dignidade humana e as instituições jurídicas, faz um bom tempo, resolveram
escamotear qualquer resquício de sensatez ou equidade. Muitos, em completa
ignorância, tagarelam mundos e fundos sobre coisas que não conhecem e, sem
qualquer controle, multiplicam bobagens sem eira e nem beira, principalmente
nas redes sociais.
Tenho visto, com tristeza, certos grupos
religiosos reafirmando posicionamentos recheados de preconceito e intolerância.
Isso me faz pensar que se Jesus ousasse voltar, correria o risco de ser mais
esculachado do que na sua época. Uma boa parcela da sociedade não consegue
exercitar uma das premissas elementares da convivência humana - o diálogo. Se
Cristo quisesse defender as mesmas ideias das escrituras sagradas ou decidisse
andar ao lado das mesmas pessoas com os quais andou, não tenho dúvidas que
acabaria humilhado, atacado, surrado, morto outra vez em nome de uma pretensa
moralidade.
O inacreditável nesta história é que,
considerando que Jesus foi um idealista em sua época, se voltasse, seria tudo
aquilo que é considerado inferior, marginal e blasfemo. É muito provável que
seria chamado de preguiçoso, vagabundo, subversivo, destruidor das
famílias e dos bons costumes. Não tenho dúvidas de que levaria muita porrada de
quem acredita ser ungido de Deus. É possível que fosse condenado em nome da fé
e das tradições para aplausos de quem vive alardeando que podemos resolver nossas
mazelas na base da paulada.
Se Jesus aqui estivesse, sofreria muito na
mão dos que hoje se autoproclamam sacerdotes e pretensos representantes dos
interesses de Deus na terra. Que afirmam lutar pelo direito de expressarem suas
crenças, quando advogam, na verdade, o privilégio de vomitar seu ódio diante
daquilo que supõe ameaçar o controle sobre o povo.
O discurso de ódio e de intolerância está na
boca de muita gente, mesmo que seja de forma indireta ou “inocente”. É nas
redes sociais onde se alardeia abobrinhas ao falar que a solução para tudo é
mais bala, mais armas, mais sangue, mais matanças. Aceitam-se com naturalidade
programas sensacionalistas marcados por respostas simplórias e que apelam para
aquilo que mesmo não tendo funcionado em lugar algum do planeta, aparenta ser o
melhor caminho. Quem hoje se dispõe a levantar a bandeira do diálogo, da paz, da
tolerância, tem muitas chances de ser visto como defensor daquilo que não
edifica.
Não dá para dizer para uma pessoa que
defende a matança de meio mundo que ela não entendeu nada do que Jesus ensinou.
Poderia parecer arrogante ou ofensivo. Mas é fato incontestável que palavras de
tolerância, compreensão e amor, orientam os princípios bíblicos contidos,
por exemplo, no Novo Testamento. Se por muito tempo pessoas foram levadas à
fogueira, hoje se insiste em coisas absurdas com a falsa premissa de que a Palavra
de Deus poderia justificá-las. Parece que não aprendemos nada com a história.
Liberdade de expressão, de fato, não é algo
absoluto. Seu abuso deve ser questionado ou punido quando suscita a
violência contra as pessoas. Conviria refletir melhor sobre quem está
fomentando a violência no Brasil hoje? Por acaso são os arautos de uma
pseudomoralidade que dizem que apenas alguns são filhos de Deus ou alguma
representação artística que pede o fim dessas barreiras?
Não estou dizendo que devemos seguir a lógica
franciscana ou, então, sermos indiferentes em relação aos que sofrem. No
entanto, é preciso entender o que acontece na nossa sociedade para encontrar
caminhos que possam modificar a lógica que anda impregnada no cotidiano de
nossas relações. É preciso perceber que ninguém é melhor do que ninguém apenas
porque se sente moralmente superior em uma sociedade marcada de forma cruel por
infinitas injustiças. Uma sociedade de profundas desigualdades geradoras de
todo tipo de violência.
Enquanto o Brasil vai sendo aniquilado pela
mais abjeta canalhice nas altas esferas do poder, exércitos de pessoas que não
têm o que fazer e, talvez por isso, gastam tanto tempo para ofender, criando
factoides e fofocas, que em nada contribuem para um mundo melhor. É preciso
pensar e compreender o Brasil no qual vivemos porque esse é o nosso dever
histórico. Acreditar que o diálogo respeitoso, franco e sem subterfúgios,
sempre haverá de ser o melhor caminho para a nossa jornada.
Uma coisa é certa. Se pudéssemos interpretar
de uma forma mais profunda o que significa amar os semelhantes como a nós
mesmos, dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, entenderíamos
que muito do que se vive nos dias atuais poderia ser bem diferente. Afinal de
contas, o que significa mesmo seguir o exemplo do peregrino de Nazaré? O autor
do Evangelho de Lucas, capítulo 23, versículo 34, atesta: ''Pai, perdoa. Eles
não sabem o que fazem''. Eu, humildemente, acrescentaria: “há muitos que também
não sabem o que falam”.
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