Distopia
é um substantivo. Um lugar imaginário onde pessoas são infelizes e, geralmente,
têm medo, porque não são tratadas com dignidade e justiça. Um lugar tenebroso no
qual reina a falta de humanidade. Um mundo de pesadelos caracterizado por miséria,
sordidez, opressão, aflições. Uma realidade que acabou sendo alvejada
impiedosamente pela leviandade, pela falta de escrúpulos, pelos interesses
avarentos, pela indiferença.
Numa
sociedade distopica a justiça, o bem comum e a liberdade são preteridas. A
privação é um modo de existência. Vidas são dispensáveis. É um lugar onde as
pessoas são levadas ao limite do que podem suportar. A narrativa distópica mais
perturbadora de nosso tempo não é uma ficção. É um lugar real com pessoas
reais. Um lugar onde há necessidade de lutar contra a pobreza, a violência, o
preconceito, a intimidação. Onde é preciso estar em vigilância constante, pois
reina a insegurança e o desrespeito aos direitos humanos.
Os
mais de 200 milhões de habitantes deste lugar distópico são empurrados a lutar
contra inúmeras adversidades, todos os dias. Diante de uma comunidade global,
em geral, indiferente. Mulheres, crianças, bebês, idosos. Os que vivem com
deficiências. Os mais fracos. Eles lutam contra as injustiças porque o que vale
mesmo é o poder e a lei dos mais fortes. Daqueles e daquelas que manipulam as
regras do jogo de uma economia ignóbil. Da mídia e da política sem escrúpulos.
Resta-lhes uma vida na sombra da própria história.
Descrever
esta realidade com meia dúzia de palavras com a pretensão de fazer jus a tantos
sofrimentos é tarefa inglória. Mesmo assim, que tal imaginar um filho ou uma
filha precisando de assistência médica para continuar vivendo e os hospitais
não podendo oferecer auxílio por que, segundo consta, os recursos teriam se
perdido pelo caminho dada a inescrupulosa corrupção. Mesmo assim, de forma
teimosa e persistente, dia após dia, você espera um novo tempo, uma nova
história.
Agora,
imagine ter de criar os filhos sem acesso à água potável, sem um sistema de
esgoto, sem uma moradia digna. Pense no significado de depender de alguns
míseros trocados para comprar um pouco de comida e manter a sua família.
Desejar apenas a oportunidade de uma vida normal, com dignidade e segurança.
Construir um futuro em que os filhos possam se desenvolver sem serem engolidos
pela criminalidade e as drogas. Será que este direito lhes deveria ser usurpado
com base em tantas falácias ideológicas e políticas?
Quanta
hipocrisia. É preciso que o alento e a esperança floresçam. Já não é possível
que por conta de interesses mesquinhos de uma meia dúzia de imorais a batalha
diária pela sobrevivência de milhões esteja sendo esquecida. Quando veremos uma
confluência de esforços para que a justiça e a dignidade sejam os valores mais
importantes? Quando veremos tantas das nossas lideranças políticas com um
mínimo de coerência entre o discurso e a sua prática? Quando, finalmente,
veremos as escolas, equipadas. Os hospitais, renovados. As cicatrizes do ódio e
da intolerância, sarando?
Em
meio a tanto desprezo pelos valores essenciais a uma convivência fraterna é
preciso insistir para consolidar caminhos de equidade e retidão. Cada um
exercitando o seu dever como cidadão ou cidadã. Despertando consciências.
Rejeitando a violência. Não sendo conivente com a maldade e os interesses
infames.
Será
que vamos nos retrair e ficar como espectadores abobalhados assistindo os
alicerces perversos de uma distopia moderna sendo enfiada goela abaixo diante
de nossos olhos? Não gostaria de acreditar que nossa humanidade tenha se
esvaído a ponto de não nos compelir para agir em favor de nós mesmos!