sexta-feira, 29 de abril de 2016

DISTOPIA



Distopia é um substantivo. Um lugar imaginário onde pessoas são infelizes e, geralmente, têm medo, porque não são tratadas com dignidade e justiça. Um lugar tenebroso no qual reina a falta de humanidade. Um mundo de pesadelos caracterizado por miséria, sordidez, opressão, aflições. Uma realidade que acabou sendo alvejada impiedosamente pela leviandade, pela falta de escrúpulos, pelos interesses avarentos, pela indiferença.


Numa sociedade distopica a justiça, o bem comum e a liberdade são preteridas. A privação é um modo de existência. Vidas são dispensáveis. É um lugar onde as pessoas são levadas ao limite do que podem suportar. A narrativa distópica mais perturbadora de nosso tempo não é uma ficção. É um lugar real com pessoas reais. Um lugar onde há necessidade de lutar contra a pobreza, a violência, o preconceito, a intimidação. Onde é preciso estar em vigilância constante, pois reina a insegurança e o desrespeito aos direitos humanos.


Os mais de 200 milhões de habitantes deste lugar distópico são empurrados a lutar contra inúmeras adversidades, todos os dias. Diante de uma comunidade global, em geral, indiferente. Mulheres, crianças, bebês, idosos. Os que vivem com deficiências. Os mais fracos. Eles lutam contra as injustiças porque o que vale mesmo é o poder e a lei dos mais fortes. Daqueles e daquelas que manipulam as regras do jogo de uma economia ignóbil. Da mídia e da política sem escrúpulos. Resta-lhes uma vida na sombra da própria história.


Descrever esta realidade com meia dúzia de palavras com a pretensão de fazer jus a tantos sofrimentos é tarefa inglória. Mesmo assim, que tal imaginar um filho ou uma filha precisando de assistência médica para continuar vivendo e os hospitais não podendo oferecer auxílio por que, segundo consta, os recursos teriam se perdido pelo caminho dada a inescrupulosa corrupção. Mesmo assim, de forma teimosa e persistente, dia após dia, você espera um novo tempo, uma nova história.


Agora, imagine ter de criar os filhos sem acesso à água potável, sem um sistema de esgoto, sem uma moradia digna. Pense no significado de depender de alguns míseros trocados para comprar um pouco de comida e manter a sua família. Desejar apenas a oportunidade de uma vida normal, com dignidade e segurança. Construir um futuro em que os filhos possam se desenvolver sem serem engolidos pela criminalidade e as drogas. Será que este direito lhes deveria ser usurpado com base em tantas falácias ideológicas e políticas?


Quanta hipocrisia. É preciso que o alento e a esperança floresçam. Já não é possível que por conta de interesses mesquinhos de uma meia dúzia de imorais a batalha diária pela sobrevivência de milhões esteja sendo esquecida. Quando veremos uma confluência de esforços para que a justiça e a dignidade sejam os valores mais importantes? Quando veremos tantas das nossas lideranças políticas com um mínimo de coerência entre o discurso e a sua prática? Quando, finalmente, veremos as escolas, equipadas. Os hospitais, renovados. As cicatrizes do ódio e da intolerância, sarando?


Em meio a tanto desprezo pelos valores essenciais a uma convivência fraterna é preciso insistir para consolidar caminhos de equidade e retidão. Cada um exercitando o seu dever como cidadão ou cidadã. Despertando consciências. Rejeitando a violência. Não sendo conivente com a maldade e os interesses infames.


Será que vamos nos retrair e ficar como espectadores abobalhados assistindo os alicerces perversos de uma distopia moderna sendo enfiada goela abaixo diante de nossos olhos? Não gostaria de acreditar que nossa humanidade tenha se esvaído a ponto de não nos compelir para agir em favor de nós mesmos!

sexta-feira, 22 de abril de 2016

ABOMINAR A INDIFERENÇA


Confesso que tenho inúmeras divergências com quem defende ou vivencia a indiferença. Concordo com as palavras do dramaturgo e poeta alemão Friederich Hebbel, a quase dois séculos, de que viver significa tomar partido. Não consigo imaginar uma convivência construtiva e harmoniosa em uma sociedade formada por indivíduos estranhos aos dilemas e vicissitudes do cotidiano.

Quem pretende viver verdadeiramente não pode deixar de ser cidadão, partidário e defensor de determinadas prerrogativas inerentes à justiça, à ética, à paz e o amor. Indiferença denota ociosidade, oportunismo, desleixo, inércia, não é vida.

A indiferença é o peso morto da história. Retrata um caminho medíocre para o inovador e plenifica a razão inócua na qual se afogam, com frequência, os entusiasmos mais sublimes e auspiciosos. É o abismo que circunda as supostas certezas de gente que não se importa em estender a mão. Gente que já não é capaz de sensibilizar-se com a dor alheia. Gente que é engolida pelos sorvedouros de lama presentes nesta sociedade narcísica consagrada pelo pragmatismo, pela falsidade, pela frieza e racionalidade desmedida.

A indiferença talvez seja uma das mais poderosas forças a atuar nos percursos da história humana. É através dela que a fatalidade acabou se transformando em algo corriqueiro. É pela indiferença que o inoportuno assumiu ares de banalidade. É pela indiferença que vão sendo destruídos os ideais de reciprocidade. É pela indiferença que iniciativas valiosas para uma sociedade melhor vão sendo jogadas na lata do lixo. É motivado pela indiferença que a inteligência fica combalida e a criatividade é sufocada.

Estamos esquecendo que a essência de nossa jornada aqui neste mundo deveria ser a busca do bem comum. Um dos efeitos mais avassaladores desta sociedade capitaneada pela hipocrisia e alicerçada na indiferença é a deterioração da noção de bem comum ou de bem-estar social. A história ensina que as sociedades foram sendo construídas sobre três colunas elementares: a participação, a cooperação e o respeito aos semelhantes. Uma clara noção destes valores seria capaz de garantir uma sociedade justa, harmoniosa e equilibrada.

É revoltante e embaraçoso perceber que a maior parte dos intelectuais contingenciados em nossas universidades públicas e privadas, líderes religiosos de praticamente todas as denominações, políticos de diversos partidos, não assumem o seu protagonismo crítico diante de uma realidade que tem gerado uma escabrosa noção de rentabilidade, adaptação e competitividade. A liberdade dos cidadãos foi sendo substituída pela liberdade das forças do mercado. O bem comum sucumbiu frente aos interesses particulares. A cooperação foi anulada pela competição sem precedentes.

Se a participação, a cooperação e o respeito visavam assegurar a existência de cada pessoa com dignidade, a sua negação, em contrapartida, pressupõe que a existência de cada um não se encontra mais socialmente garantida e nem os possíveis direitos salvaguardados. É por isso que nos dias atuais cada um se sente constrangido a garantir o seu emprego, o seu salário, o seu carro, a sua ideologia. Impera o individualismo e a indiferença. Poucos são os que se sentem desafiados a construir uma realidade comum capaz de superar esta desgraça. A única coisa em comum que parece perpetuar-se é a guerra de todos contra todos em busca da sobrevivência e autoafirmação individual.

O filósofo e teólogo humanista alemão, Ludwig Feuerbach já alertava para o sentido da indiferença e alienação presentes nas relações sociais da modernidade. Nosso tempo, sem dúvida... Prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser. É preciso ter em mente que sem o censo crítico, a insatisfação e a rebeldia, talvez ainda estivéssemos renegados ao tempo das cavernas. Quem sabe a história teria sucumbido. Muitos não haveriam de ter nascido. A ciência não alcançaria suas maiores descobertas. A liberdade não faria parte de nossas utopias. Ser indiferente é andar na contramão do mundo. É naufragar nas ilusões. Ter visão limitada. Não admitir consequências.

Não basta propagandear receitas prontas. Alardear estratégias descoladas da coerência. Cooperação se reforça com cooperação que todos e todas deveriam exercitar incondicionalmente. Uma sociedade que almeja ser livre e democrática necessita de pessoas responsáveis, críticas, independentes, não manipuláveis, com discernimento moral e espiritual. Pessoas conscientes para saber o seu lugar neste mundo em que vivemos, buscando aproximá-lo com todas as suas forças do mundo em que gostaríamos de viver.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

TEMPOS OBSCUROS



Vivemos um dos momentos mais conturbados da história social e politica brasileira. Um período que, guardadas as devidas proporções, não deixa de ser parecido com aquele que antecedeu uma das nossas dissenções recentes com os governos militares. Um tempo de exacerbação sectária e separatista. Um momento no qual se multiplicam as aberrações constitucionais. Em nome de um suposto combate à corrupção, mascaram-se as verdadeiras razões políticas, ideológicas e econômicas. É neste cenário de pouco diálogo e falta de clareza histórica que o ódio, a intolerância e o maniqueísmo são potencializados.

A violência verbal escancarada nas mídias sociais vai migrando para as ruas sem que haja preocupação pela plausibilidade daquilo que é defendido. Já faz tempo que uma boa parcela do mundo acadêmico, por exemplo, deixou de lado o combate a tantas aberrações extravagantes que vemos e ouvimos diariamente. Aliás, talvez tenhamos até um movimento ao contrário. Prega-se abertamente a balbúrdia e tolhe-se a vontade de diálogo a partir das diferenças. Busca-se uma sinfonia de uma nota apenas.

Tenho visto centenas aplaudindo abertamente a volta de um estado de exceção. Gente sendo atacada por defender determinadas ideias ou valores da cidadania. Pessoas sendo desqualificadas na sua idoneidade moral por questionar determinadas prerrogativas políticas. Opinião diferente sendo interpretada como salvo conduto para justificar ataques e ofensas. O outro como aquele que deveria ser esmagado, e, de preferência, proscrito.

A tal cordialidade brasileira, como a descreveu o grande historiador Sérgio Buarque de Holanda, ao que parece, hoje, anda distante, pois cedeu o seu lugar para o ódio e a intolerância de modo a antecipar caminhos muito difíceis no porvir. Já estamos acostumados. Primeiro a desqualificação, os ataques pessoais, as piadas infames, depois alguma justificativa, ainda que pouco factível.

O que menos importa é a busca de uma suposta verdade. A coerência, o bom senso e a justiça. Quem se atreve a questionar, com facilidade, é enquadrado em alguma posição dicotômica e binária ‘a favor’ ou ‘contra’ de quem defende sua posição política, ideológica, moral ou religiosa. Seria salutar compreender que tanto com o avanço conservador de quem não suporta o debate ou os meandros de um liberalismo que nada mais deseja do que o poder para consolidar restrições sociais, o caminho é sempre o mesmo. Um estado democrático não de direitos, mas de privilégios.

Enquanto no Brasil não soubermos dialogar a partir das diferenças e sem infinitos subterfúgios ideológicos mesquinhos, a democracia continuará sendo um conceito abstrato onde a maior parte da população seguirá à margem das decisões. Não me surpreende que, para alguns, o caminho da belicosidade seja a única alternativa plausível. Mas o que me assusta mesmo é ver esta nação andando por atalhos onde setores do judiciário, da elite política e midiática, tomam suas decisões sem importar-se com as consequências ao alimentar os acirramentos que vem se multiplicando.

Quando o caldo entornar de vez, cada um precisará pagar a sua cota neste país à deriva por conta desta sanha insana pelo poder. Por enquanto, uma grande parcela comemora, porque, aparentemente, manipula as regras do jogo. Em breve, talvez, surgirão aqueles e aquelas que vão perceber que quem apanha sem parar não esquece jamais quem são os algozes. A história vai dar o troco. Disso não tenho dúvidas. Receio, contudo, que possa ser tarde demais.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

CATÁSTROFES - Responsabilidade Humana ou Castigo de Deus?



No mundo do Antigo Testamento, existe uma idéia muito arraigada: a de que Deus castiga o erro e premia o acerto. É difundida e defendida por alguns teólogos oportunistas que a chamam de teologia da retribuição. Por causa desse pensamento, por exemplo, é que os amigos de Jó o acusam de ter feito algo errado para estar doente; seria um castigo de Deus.
 
Como cristãos, não deveríamos entender que Deus, de forma simples e direta, castiga o mal e premia o bem, como acreditavam os antigos na teologia da retribuição. Sabemos que muitas coisas ruins também acontecem a pessoas boas e que coisas boas acontecem a pessoas tidas como ruins. O juízo de Deus é algo misterioso e profundo.

Entretanto, existe uma regra da física que serve para todas as realidades, mesmo as espirituais: toda causa leva a uma consequência. Isto é, tudo o que fazemos terá um resultado, bom ou ruim. As secas, enchentes, terremotos, furacões, assim como outras catástrofes naturais, são difíceis de serem explicadas a partir da lógica humana. Sabemos, contudo, que tais acontecimentos são permitidos para que a exemplo de um imenso tabuleiro, as peças consigam se encaixar.

Se olharmos a caminhada histórica da humanidade, veremos que durante séculos o crescimento do número de habitantes do planeta ocorreu de forma constante e lenta. Na época de Cristo a terra comportava 250 milhões de pessoas. Quando Colombo conheceu o Novo Mundo, somávamos meio bilhão de pessoas. No final da Segunda Guerra Mundial já éramos dois bilhões. Hoje somamos mais de 7 bilhões de pessoas.

Nas últimas décadas a taxa de crescimento populacional vem aumentando em grandes proporções. A cada dez anos, crescemos o equivalente à população da China. Não é difícil perceber as consequências desse processo para a extinção das nossas reservas naturais. Um exemplo é a perda da camada de ozônio e de espécies que existiam a milhões de anos. Se a extinção continuar no ritmo atual, as nossas crianças serão testemunhas do desaparecimento de mais da metade dos animais vivos que Deus criou sobre a face da terra.

O ritmo da devastação das florestas é alucinante. Cerca de 600 hectares por dia. Enquanto isso, as novas descobertas tecnológicas são responsáveis por introduzir mais dióxido de carbono e outros produtos químicos nocivos à atmosfera. O ar que respiramos contém 500% mais cloro que 40 anos atrás.

É necessário reconhecermos que somos parte de um contexto global e que a revolução científica e tecnológica gerou a falsa impressão de que pelo intelecto seríamos capazes de solucionar os nossos maiores problemas. Criamos um mundo artificial no qual a propaganda nos diz o que queremos e os rituais de produção
e de consumo dizem quem somos.

Em tempos onde as fronteiras esticam e o marketing personifica o consumismo inconsequente, ainda não nos damos conta de que apesar de tudo que nos separa, pertencemos a uma civilização global. Por isso, precisamos de uma nova consciência com prioridades e compromissos universais.