sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

CIDADANIA SEM ATALHOS



Escolher pessoas para determinadas tarefas faz parte da história da humanidade desde os tempos imemoriais. Já nos primórdios do cristianismo, os apóstolos tiveram de escolher presbíteros para darem conta da missão de divulgar a Boa Nova. Geralmente, as pessoas que aceitam esta missão devem fazê-lo com a intenção de se tornarem servidores da comunidade, porque a amam. Sem intenção de privilégios nem favores.

Se olharmos objetivamente para o quesito -campanha política– então logo compreenderemos que esta deveria ser, toda ela, dedicada a explicar intenções, projetos e planos de ação a partir da leitura de um cenário objetivo e peculiar. A campanha política deveria servir para olhar de forma respeitosa para os desfavorecidos e não como “massa de manobra”. Deveria criar condições para que no futuro os governos fossem capazes de atuar com dignidade, justiça e em prol da cidadania. Este princípio não deveria ser compreendido como um favor, mas, sim, uma obrigação em nome do apoio majoritário recebido.

O pensador e filósofo britânico Benjamin Disraeli, primeiro-ministro do Reino Unido, entendia que: “os estadistas pensavam nas próximas gerações; os políticos, nas próximas eleições.” É muito sério o conteúdo desta afirmativa, porque dá a entender que haja empenho em conquistar votos, sem compromisso com a missão de exercer função pública.

É preocupante que se perceba certo desalento com relação à política em si, como se fosse apenas um jogo de interesses. Embora haja inúmeros exemplos pelo país afora que fortalecem esta percepção, nunca deveríamos observá-la e compreendê-la a partir desta perspectiva unicamente.

É importante observar que quando está em jogo o exercício do poder, a cobiça é a vertente da maioria dos males. Muitos renunciam aos princípios da lealdade, do respeito, da decência e de outros predicados para a conquista do poder e se esquecem de que são eleitos para serem servidores, com humildade, respeito e honestidade. Muitos cidadãos honestos e íntegros que entram na disputa política são surpreendidos pelo jogo dos eleitores que trocam o seu voto por um quilo de feijão, por uma rodada de cerveja ou alguma outra vantagem imediata.

Todo cidadão deveria ter o discernimento crítico para saber que não deveria ser assim. Tal procedimento é contra os princípios elementares de uma sociedade decente. Voto é exercício de cidadania. É cheque em branco que precisa ser exercido e administrado com responsabilidade e decência.

Outro aspecto interessante diz respeito às ideologias partidárias. A filiação a um determinado partido político automaticamente gera adversários. Não importa quem sejam os indivíduos. Não importa a biografia. Em muitos casos se procura achar algum detalhe ou situação vulnerável para então poder neutralizar o oponente em vez de cada um se ocupar honestamente com suas propostas.

Por que tem que ser assim? Por que atacar pessoas e manchar-lhes a reputação? Se a gente vê apenas a pessoa como adversário político, aí fica difícil sustentar uma postura ética e um projeto de governo que transcenda uma vontade pessoal. Não há como planejar demandas a médio e longo prazo.

É uma pena que tenhamos resvalado para essa planura em que se perdeu o bom senso e a responsabilidade mútua, em que há tanta agressão gratuita e, para ser bem claro, tanta falcatrua.

Será que não poderíamos inaugurar um novo tempo em que se possam discutir propostas, respeitar diferenças e nos aliarmos fraternalmente para a concretização daquilo que o voto consagrou?

Não creio que isto seja inviável, desde que nos despojemos de prepotência e arrogância. Estas, sim, são o grande mal que arruinou a beleza e integridade da política, na mais pura acepção do termo. Ainda é tempo para não perdermos a dimensão de estadista!

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

A ETERNA FINITUDE HUMANA




Tenho percebido no decorrer de minha jornada que é possível se adaptar a muita coisa nesta vida. Dores cruéis, por exemplo, depois de um tempo, não deveriam mais machucar com tanta intensidade. Sofrimentos atrozes serem incorporados ao nosso cotidiano. Decepções absorvidas, mesmo que estas nunca deixem de nos encontrar.
É possível observar que a vida vai se desenrolando nesta insofismável lei da sobrevivência levando o indivíduo a conviver com inconstâncias e vicissitudes. Afinal de contas, é conhecido o discurso da modernidade que reverbera aos quatro cantos: a vida precisa, inexoravelmente, seguir em frente.

Estudiosos ensinam que a alma humana teria a capacidade de criar defesas para não sucumbir. Eu acrescentaria que os duros embates cotidianos podem nos tornar frios e impetuosos. Ingratidão ou injustiçascorroboramem muito para criar corações e mentes apáticos. É acomplacência absorvendo os percalços e delimitando caminhos.

Existimos em meio a um emaranhado de sentidos onde se descortina a burocratização da vida, a falta de empenho pela verdade, a fragilidade em harmonizar o falar e o agir. A indiferença se incorpora às experiências da raça humana sempre sequiosa pelo sucesso, de preferência, sem muito esforço. Por vezes, caminhamos sem compreender a essência daquilo que nos move em plenitude, mas nunca ousamos dispensaro auxílio da providência divina.

Rir ou chorar dependem da perspectiva do olhar e da disposição do coração. Buscamos encontrar alegria e tranquilidade em alguma vereda longínqua, onde o sofrimento e a esperança estejam de mãos dadas. Com esforço, podemos conseguir inspiração ao vislumbrar atitudes de cuidado, atenção e carinho, por alguém que esteja doente, vulnerável, indefeso ou solitário.

A felicidade cotidiana pode estar oculta a um passo da nossa capacidade em produzi-la e alcançá-la. A satisfação plena é capaz de esconder-senum horizonte imaginário que nos desafia ao risco de sairmos de nossa, nem sempre aprazível,zona de conforto. Querer alcançar novas possibilidades para a realização pessoal requer coragem e perseverança. Imperativos como, por exemplo, fracassar, triunfar, começar e recomeçar, são inerentes à condição humana que, diante de sua transitoriedade, se põe a romper fronteiras, transformando a dor em experiência de sabedoria e crescimento interior.

As pessoas, invariavelmente, seguem por caminhos que as permitam acostumar-se com tantas coisas. Com tanta dor, tanta solidão, verdades e valores que escravizam. Marina Colasanti poetiza: “Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca da baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma”.

Parece que já não temos mais o direito de desanimar, de sentir dor, passar por angústias, sofrer. A sociedade regula e indica: “sorria, você está sendo filmado; sorria por que o mais importante é parecer estar bem; Sorria por que sorrindo os problemas terminarão”.São os chavões, as palavras de efeito, os absurdos que vemos e ouvimos sem perceber o quanto destoam da realidade. Ouso afirmar que omais valioso e insubstituível sempre foi, e continuará sendo, um ombro amigo para partilhar esperanças e trazer alento. Uma mão estendida sempre será mais importantedo que mil páginas de filosofias motivacionais descoladas do cotidiano ou fórmulas encantadas sugeridas pelos gurus da contemporaneidade.

Duas coisas nesta vida não nos pertencem: o nascer e o morrer. O que nos pertence é como vivemos o tempo que fica entre um e outro. É preciso acreditar que em nossos desertos mais inóspitos ainda é possível jogar sementes, que no tempo haverão de florescer. Haverá então brotos de vida e a esperança poderá voltar a ter lugar e fazer sentido.

A compreensão, a atenção e o carinho nem sempre nos curam, mas sempre nos transformam, fazem-nos mais humanos. Só será capaz de suportar os ‘tombos’ desta vida aquele que souber reconhecer espaços vazios em sua existência. Aquele que não pisar suas impossibilidades em nome de seus desejos de onipotência.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

O Programa Mais Médicos

Sou um dos defensores do Programa Mais Médicos do Governo Federal. Justifico a minha posição entendendo que para quem mora nos confins deste Brasil, distante de centros urbanos, o que menos importa é um consultório lindo e maravilhoso ou um hospital com equipamentos de última geração. Quando um cidadão ou cidadã adoece, o que ele deseja e necessita é de um médico, que independente da sua nacionalidade, lhe dê o conforto do atendimento básico e imediato.

Sou sabedor que trazer médicos de outros países não vai resolver os históricos problemas da saúde pública no Brasil. Por outro lado, me parece bastante óbvio, que quem mora distante dos grandes centros não pode mais esperar que sejam criadas novas faculdades de medicina, que sejam construídos mais hospitais, postos de saúde e formados novos contingentes de médicos. As pessoas desta nação tem o direito de serem atendidas por profissionais que se disponham a trazer alento, esperança e cuidado, independente de serem brasileiros, portugueses, espanhóis, cubanos ou argentinos.

A veemência dos protestos contra o projeto revela muito. Especialmente o quanto é abissal a fratura social no Brasil. E o quanto a camada mais rica é cega para a possibilidade de fazer a sua parte no intuito de diminuir uma desigualdade que deveria nos envergonhar todos os dias, e que, no caso da saúde, mata os mais frágeis e os mais pobres.
 
Para resolver os dilemas da atualidade seria preciso assumir, de fato, o compromisso com a saúde pública. Para efeitos de comparação, em 2011, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil gastou US$ 477 dólares per capita em saúde. Menos do que vizinhos como o Uruguai (US$ 817) e a Argentina (US$ 869), por exemplo. E quase seis vezes menos do que o Reino Unido (US$ 2.747), cujo sistema de saúde tem sido apresentado como referência do projeto do governo federal. Portanto, hoje falta dinheiro e falta gestão eficiente. Sem dinheiro e sem eficiência, nunca se construirá um sistema decente.
 
A proposta de trabalhar dois anos no SUS tem sido considerada por alguns setores, como as entidades corporativas, uma violação dos direitos individuais dos estudantes de medicina. Será que não poderia ser vista, além de um aprendizado, também como uma contrapartida, especialmente para quem estudou em universidades públicas ou foi beneficiado com bolsas? O Estado, o que equivale a dizer que toda a população brasileira, financia os estudos desses estudantes. Não seria lógico e mesmo ético que, ao final do curso, os estudantes devolvessem uma mínima parte desse investimento à sociedade? Os estudantes de medicina serão remunerados pelo trabalho e pelo aprendizado. Por que, então, uma resistência tão grande?
 
Historicamente, a elite brasileira nunca se identificou como parte da construção de um país mais igualitário. Sempre esteve mais acostumada a receber, não a dar. Assim, ter seus estudos financiados pelo conjunto da população brasileira é interpretado como parte do seu direito e não como algo que supõe também um dever ou uma contrapartida. Dever e contrapartida, num país que consolidou o “jeitinho brasileiro” sempre haverá de ser para os outros.
 
Na minha modesta opinião ser médico, não requer somente a assimilação de um instrumental técnico apurado, mas a capacidade de escutar o outro não apenas sobre seus sintomas, mas sobre uma visão de mundo e uma vivência peculiar. Entendo que é no embate cotidiano, no reconhecimento das carências e na busca por mudanças que o nosso sistema de saúde será fortalecido.
 
Ouso afirmar que seria salutar que os protagonistas desse debate superassem a polarização entre governo e entidades médicas para fazer uma discussão séria, com a participação da população, que pudesse resultar no acesso da maioria a um sistema de saúde com qualidade.
 
Receio que não faltam ‘doutores’ no Brasil. Faltam mesmo os médicos. São muitos os ‘doutores’ que ainda nem sequer se formaram, mas já assumiram o título e o encarnam num sentido profundo. O sistema de saúde terá melhores possibilidades de encontrar caminhos quando existirem menos ‘doutores’ e mais médicos exercitando a sua vocação no cuidado de milhares de cidadãos e cidadãs neste imenso e controvertido Brasil.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

A Eleição do Papa Francisco e os Dilemas do seu Pontificado para a Igreja Católica

Passada a surpresa da eleição do cardeal argentino Jorge Mário Bergóglio para o mais alto cargo da hierarquia católico romana, começam a aparecer os grandes desafios do seu pontificado. Desde a sua primeira aparição na basílica de São Pedro, o papa Francisco dá a impressão de ser um bom sacerdote: simples, comunicativo, disciplinado, discreto, sensível.

Arrisco dizer que é tempo de esperança. Afinal temos um papa da periferia. Alguém da América Latina que nunca foi decisiva nas demandas geopolíticas do mundo e da Igreja. As expectativas e as responsabilidades que recaem sobre os ombros de Francisco parecem ser incomensuráveis.

Pela sua trajetória, Bergóglio, ao que parece, representa uma Igreja alinhada com os mais pobres. Igreja que tende a ser mais distanciada do luxo, dos títulos, da pompa. Igreja que pretende estar alicerçada na simplicidade. Que consiga comunicar-se com o povo e com o mundo através de uma linguagem capaz de abarcar gestos e palavras inspiradas em Francisco de Assis. Sua pobreza, como a de Jesus de Nazaré, questiona as vestimentas bordadas a ouro e prata da maioria daqueles que ocuparam o papado até os dias atuais.

Mesmo sem a intenção de criticar ou obscurecer as impressões positivas acerca do pontificado, é preciso enfatizar que a tão badalada preservação da evangelização como prioridade da Igreja parece ser muito mais a preservação de uma ordem hierárquica do mundo onde uma pequena elite governa e os povos aplaudem, se emocionam, rezam e cantam para que as bênçãos divinas encontrem o novo governante político e religioso.

Receio que o mesmo catecismo continuará sendo reproduzido. Possivelmente não haverá uma reflexão com caráter global. Um convite ao pensamento, ao despertar de uma consciência crítica e profética. A preocupação com as grandes demandas sociais e humanas, mas a conservação de uma doutrina, em alguns pontos, anacrônica e ortodoxa.

Uma das tarefas primordiais do papa é o de transformar o governo centralizado da Igreja Católica Romana. Os relatórios acerca dos grandes problemas do Vaticano e que, supostamente, teriam apressado a renúncia de Bento XVI, indicam graves omissões e negligências para sacerdotes acusados pela prática da pedofilia, corrupção financeira e luta pelo poder.

Não seria oportuno anunciar previsões sobre o futuro da governança da Igreja Católica Romana. Mas não parece que acontecerão grandes mudanças nas estruturas dogmáticas e políticas que subsistem a centenas de anos. As mudanças significativas virão se as comunidades cristãs católicas assumirem as demandas contemporâneas do cristianismo e forem capazes de dizer, de forma clara, a partir das necessidades de suas vidas como o Evangelho deveria ser propagado e vivenciado na atualidade.

Vivemos e somos invadidos pela sociedade do espetáculo que nos induz a uma desordem em relação aos valores primordiais para uma convivência humana harmônica. Ouso afirmar que sair às ruas para dar de comer aos pobres e rezar com os prisioneiros, embora tenha algo de humanitário, não resolve o problema da exclusão social presente em muitos países pelo mundo afora, e de forma peculiar, também aqui no Brasil.

Acredito que o verdadeiro poder de convencimento das pessoas não acontece nas prédicas ou homilias, mas nas práticas cotidianas. As ideias iluminam, mas os exemplos atraem, edificam e motivam para as ações. As muitas explicações teológicas e dogmáticas mais confundem que esclarecem. As práticas de amor e solidariedade transformam corações e mentes.

O que tem marcado o Papa Francisco não são os espetáculos principescos e palacianos, mas os gestos simples, populares, acolhedores. Verdades intransferíveis para quem é capaz de valorizar o bom senso e a vida enquanto dádiva. Ele está quebrando os protocolos e mostrando que o poder é sempre uma máscara e um teatro, mesmo em se tratando de um poder pretensamente de origem divina.