sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

O Programa Mais Médicos

Sou um dos defensores do Programa Mais Médicos do Governo Federal. Justifico a minha posição entendendo que para quem mora nos confins deste Brasil, distante de centros urbanos, o que menos importa é um consultório lindo e maravilhoso ou um hospital com equipamentos de última geração. Quando um cidadão ou cidadã adoece, o que ele deseja e necessita é de um médico, que independente da sua nacionalidade, lhe dê o conforto do atendimento básico e imediato.

Sou sabedor que trazer médicos de outros países não vai resolver os históricos problemas da saúde pública no Brasil. Por outro lado, me parece bastante óbvio, que quem mora distante dos grandes centros não pode mais esperar que sejam criadas novas faculdades de medicina, que sejam construídos mais hospitais, postos de saúde e formados novos contingentes de médicos. As pessoas desta nação tem o direito de serem atendidas por profissionais que se disponham a trazer alento, esperança e cuidado, independente de serem brasileiros, portugueses, espanhóis, cubanos ou argentinos.

A veemência dos protestos contra o projeto revela muito. Especialmente o quanto é abissal a fratura social no Brasil. E o quanto a camada mais rica é cega para a possibilidade de fazer a sua parte no intuito de diminuir uma desigualdade que deveria nos envergonhar todos os dias, e que, no caso da saúde, mata os mais frágeis e os mais pobres.
 
Para resolver os dilemas da atualidade seria preciso assumir, de fato, o compromisso com a saúde pública. Para efeitos de comparação, em 2011, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil gastou US$ 477 dólares per capita em saúde. Menos do que vizinhos como o Uruguai (US$ 817) e a Argentina (US$ 869), por exemplo. E quase seis vezes menos do que o Reino Unido (US$ 2.747), cujo sistema de saúde tem sido apresentado como referência do projeto do governo federal. Portanto, hoje falta dinheiro e falta gestão eficiente. Sem dinheiro e sem eficiência, nunca se construirá um sistema decente.
 
A proposta de trabalhar dois anos no SUS tem sido considerada por alguns setores, como as entidades corporativas, uma violação dos direitos individuais dos estudantes de medicina. Será que não poderia ser vista, além de um aprendizado, também como uma contrapartida, especialmente para quem estudou em universidades públicas ou foi beneficiado com bolsas? O Estado, o que equivale a dizer que toda a população brasileira, financia os estudos desses estudantes. Não seria lógico e mesmo ético que, ao final do curso, os estudantes devolvessem uma mínima parte desse investimento à sociedade? Os estudantes de medicina serão remunerados pelo trabalho e pelo aprendizado. Por que, então, uma resistência tão grande?
 
Historicamente, a elite brasileira nunca se identificou como parte da construção de um país mais igualitário. Sempre esteve mais acostumada a receber, não a dar. Assim, ter seus estudos financiados pelo conjunto da população brasileira é interpretado como parte do seu direito e não como algo que supõe também um dever ou uma contrapartida. Dever e contrapartida, num país que consolidou o “jeitinho brasileiro” sempre haverá de ser para os outros.
 
Na minha modesta opinião ser médico, não requer somente a assimilação de um instrumental técnico apurado, mas a capacidade de escutar o outro não apenas sobre seus sintomas, mas sobre uma visão de mundo e uma vivência peculiar. Entendo que é no embate cotidiano, no reconhecimento das carências e na busca por mudanças que o nosso sistema de saúde será fortalecido.
 
Ouso afirmar que seria salutar que os protagonistas desse debate superassem a polarização entre governo e entidades médicas para fazer uma discussão séria, com a participação da população, que pudesse resultar no acesso da maioria a um sistema de saúde com qualidade.
 
Receio que não faltam ‘doutores’ no Brasil. Faltam mesmo os médicos. São muitos os ‘doutores’ que ainda nem sequer se formaram, mas já assumiram o título e o encarnam num sentido profundo. O sistema de saúde terá melhores possibilidades de encontrar caminhos quando existirem menos ‘doutores’ e mais médicos exercitando a sua vocação no cuidado de milhares de cidadãos e cidadãs neste imenso e controvertido Brasil.

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