sexta-feira, 17 de abril de 2020

A CURA PARA O CORONAVÍRUS

      No mês passado, no meio da pandemia de Coronavírus, uma senhora de 90 anos faleceu na Bélgica após ter recusado o respirador mecânico para cedê-lo em favor de alguém mais jovem - “Guarde para alguém mais jovem. Eu vivi uma boa vida” - foram as suas últimas palavras para o médico horas antes de falecer.

       O inimigo invisível e implacável fez os líderes das grandes nações parecerem crianças assustadas, fez o Papa sozinho e cabisbaixo perdoar os nossos pecados, fez judeus e muçulmanos rezarem juntos. As nossas tradicionais armaduras falharam. De nada adiantou o poderio militar. Nossos planos de saúde não foram suficientes para abafar o receio da falta de equipamentos em nossas cabeças e, tampouco, nossos celulares, computadores e televisões sofisticados foram capazes de entreter no meio desta solidão sentida e vivenciada por todos/as.

     A pandemia parece ser mais uma parte de um filme bastante conhecido nesta sucessão de novas doenças que irromperam nas últimas décadas. Ao mudar de forma drástica e abrupta a vida do planeta, também oferece uma grande oportunidade para repensar escolhas. Sentimo-nos amedrontados e sozinhos. Diante de algo que não sabemos como e nem quando vai acabar, vislumbramos a pequenez e a fragilidade.

      Fomos obrigados a aprender que é necessário sair dos nossos tronos, das nossas bolhas, das nossas realidades. Começamos a perceber que a doença que mata alguém de perto, também é capaz de matar quem mora do outro lado do mundo. Passamos a enxergar a importância de profissões que muitas vezes eram vistas pela lógica capitalista como dispensáveis. Constatamos que o medicamento que me falta também faltará para quem mora na favela. Sentimos que a mesma solidão que se abate sobre mim, angustia o meu semelhante. Alguém que tem um nome, cor, origem e religião diferentes dos meus.

      Infelizmente, uma parcela da população continua vivendo em um mundo onde todo este estado de coisas lhes soa como mentira e onde, por extensão, quem diz a verdade, não raro, é visto como mentiroso. É gente que sofre, faz sofrer e não consegue dialogar. Uma escolha política não significa unicamente se declarar a favor de determinado partido, ideologia ou candidato. Quer dizer, principalmente, que é preciso escolher como tratar o vizinho, não jogar o lixo pela janela do carro, sonegar impostos, burlar licitações ou prejudicar um colega de trabalho para obter algum benefício.

      Estamos, pois, sendo obrigados a admitir aquilo que já sabíamos, mas que não queríamos aceitar: somos todos parte desta aldeia global e fazemos parte de uma mesma jornada. No final das contas, pouco importa o dinheiro, o status ou os privilégios. Encolhemo-nos de medo das mesmas coisas e sentimos compaixão diante dos números que crescem, seja na Itália, na Espanha, nos Estados Unidos ou no Brasil.

      Se antes bastava se esconder no próprio cantinho imaginando que a situação não nos afetaria, agora, para que eu seja protegido, preciso proteger também aos outros. A conta do nosso egoísmo chegou, cara e sem nenhum desconto. Não será a cloroquina que haverá de amenizar estes tempos sombrios.

      A cura já existe: ela se chama solidariedade. Pode parecer estranho, não é mesmo? Mas a verdade é que chegamos a um ponto decisivo, uma curva de inflexão na qual, ou mudamos a maneira de conviver como sociedade, ou estaremos sempre à mercê de nosso próprio egoísmo disfarçado de vírus, de guerras, de crises econômicas ou governantes inescrupulosos.

     É a hora de abaixarmos nossas bandeiras ideológicas e substituí-las por um pouco mais de empatia, bom-senso e álcool gel. Construamos, unidos, nesse momento difícil, uma nação melhor e mais solidária, para que possamos deixar, após a crise, um país melhor para as gerações futuras.

     Tempos difíceis servem para algumas coisas. Entre elas, grandes aprendizados e reflexões incômodas. O exemplo daquela senhora na Bélgica que cedeu o seu equipamento, de alguma maneira, também deveria nos impactar. No fundo, não se trata do equipamento, mas, sobre o legado e os valores que estamos construindo nesse momento decisivo em nossa caminhada.