Em um dos seus poemas
sobre as escolhas e decepções da raça humana, o escritor tcheco Milan Kundera,
na sua obra mais conhecida – A Insustentável Leveza do Ser - escreve: “Todo mundo tem dificuldade de aceitar o
fato de que desaparecerá, desconhecido e despercebido, num universo
indiferente”. Com certeza, uma dolorosa e terrível constatação. Mas muito
adequada para esta nossa sociedade maniqueísta e recheada de ambiguidades. Com
valores e verdades que tem gerado dor, sofrimento, tristeza e solidão. Parece
bastante óbvia a prerrogativa de que quando a humanidade torna-se indiferente e
a existência humana carece de uma razão para acreditar no porvir, a fúria da
morte deixa de ameaçar.
A luta pode ser inglória.
Por vezes, cansa ter que remar para lugares que nem imaginamos onde poderão
estar levando. Descobrimo-nos estafados, obrigados a
encarnar sentidos que mais parecem um fardo. Rotina e inferno se confundem. Não
conseguimos romper com os padrões da monotonia que escraviza e faz o coração
sangrar.
Neste paradoxo da
existência, humanidade e abismo são faces de uma mesma realidade. É como se
construíssemos nossos sonhos na beira de algum penhasco. Nutre-se a
insubordinação que empurra para além da linha que almejava conter nossas inquietações.
Hesitantes, preferimos o altruísmo e reverenciamos os sentidos que não mostrem
as próprias incapacidades.
Sobram desculpas quando
poderíamos passar longe dos ditames do sucesso, do reconhecimento, do status.
Pequenos, almejamos a grandiosidade e as palmas. É como se atentássemos para
alguma voz interior impulsionando para uma existência que acaba sendo mais
fácil e tranquila. Aparentemente, sem grandes conflitos quando desprovida de
imperativos éticos, de valores e verdades que geram justiça, compreensão, paz e
amor. Afinal de contas, assumir determinados princípios pode redundar em
consequências, algumas, desagradáveis.
É constitutivo de todo ser
humano a busca por refúgio em veredas longínquas. Como se o drama de uma vida
pudesse ser explicado pela representação do peso. Dizemos que temos um fardo
sobre os ombros. Carregamos esse fardo e o suportamos. Lutamos com ele,
perdemos ou ganhamos. Não poderemos jamais verificar qual seria a boa ou a má
decisão, porque, em todas as situações, só podemos decidir uma vez. Não nos são
dadas uma primeira, segunda, terceira ou quarta chance para que possamos
comparar decisões diferentes.
Somos seres limitados.
Intuímos, mas ainda estamos longe de abraçar o significado do equilíbrio, da
coragem, da perseverança, da solidariedade e do amor. Na vastidão do mistério
que não somos capazes de decifrar, oscilamos entre a passividade e a angústia.
Tantas são as situações que geram medo e aflição. Preferimos descrever o futuro
como se fosse um oceano desconhecido.
Quase não relutamos quando
a vida reduz as opções no decorrer da jornada. A vida vai passando. Muito mais
rápido do que desejaríamos. Muito mais vazia do que outrora sonhamos. Nossos
olhos vão perdendo a vitalidade. Os cabelos ficando brancos. A saúde deteriorando.
Tentamos driblar o câncer, a pressão alta, o diabetes. Por mais doloroso que
seja, lamentamos a percepção de que talvez quando não mais existirmos, quem
sabe seremos lembrados apenas como fagulha na neblina.
Contemplar a vida em sua
brevidade é olhar para trás e dar-se conta de que somos o resultado daquilo que
pudemos construir de mais belo, mais marcante, mas precioso, ainda que também possa
estar marcado por decepções, dores e tristezas. É ter a certeza de que algumas
lembranças jamais poderão ser apagadas, pois para sempre estarão registradas na
memória e bem guardadas no coração.
Mesmo nas nossas
incompletudes, desejamos não passar nesta vida sem deixar alguma marca.
Sentimo-nos amparados quando percebemos que outros são especiais na nossa jornada.
Quando despertamos amor, afeição, carinho e cuidado. Quando existe o abraço, a
mão estendida, o colo.
É a precariedade da vida
que escancara nossos limites, imperfeições e carências. Rubem Alves ensina que “é preciso escolher porque não teremos tempo
para tudo. Não poderemos escutar todas as músicas, não poderemos ler todos os
livros, não poderemos abraçar todas as pessoas que desejamos. É necessário
aprender a arte de ‘abrir mão’ a fim de dedicar-se àquilo que é essencial”.
Carregamos conosco contornos
e nuances. Paz e tragédia. Razão e
devaneio. Em nosso caminhar, cada qual é desafiado a seguir pelas veredas
sinuosas da existência entre aspirações, conspirações, desalentos, frustrações,
tristezas e inquietudes. Neste mundo cheio de paradoxos, excentricidades e
diferenças, é alentador acreditar que ainda seja possível espalhar sementes que
no tempo certo poderão frutificar, mesmo sem a nossa presença. Teimo em
acreditar que as nossas digitais não se apagam das vidas que tivemos a
oportunidade de tocar.