A insustentável leveza do ser é umas das
obras mais emblemáticas da literatura mundial. Lançada em 1982, já foi traduzida
para mais de trinta línguas e editada em dezenas de países. Trata-se de um
clássico no qual o desenvolvimento dos enredos é permeado pela descrição de um
tempo difícil acerca da existência humana. Uma espécie de enigma que resiste a
respostas simplórias, mas que, ao mesmo tempo, fomenta um interesse sempre
renovado.
Por força de suas escolhas ou interferência
do acaso, cada um dos personagens do livro experimenta, à sua maneira, o peso
da vida. Cada um, por extensão, também exercita um permanente reconhecimento
das desventuras e a reiterada busca para amenizá-las no decorrer da jornada. A
discussão proposta pelo autor tcheco, Milan Kundera, desperta inquietude, pois
a ambivalência entre a leveza e o peso, talvez seja uma das maiores incógnitas
da vida humana.
Na contemporaneidade, a leveza ou a ideia de
ser livre é permeada por muitas controvérsias. Em grande medida, o ideal
buscado por uma significativa parcela da humanidade é viver sem amarras e agir
de forma desprendida. A liberdade passou a ser alardeada como grande virtude. A
virtude daqueles que sabem voar. Ser livre em relação a pensamentos, desejos e até
sentimentos. Todavia, será que a felicidade está mesmo tão imbricada com a
liberdade? Ser leve implicaria em não criar vínculos? Não carregar lembranças,
memórias ou saudades?
Para o filósofo grego Parmênides, o ser
humano só poderia ser completo quando tivesse a liberdade para ser aquilo que
lhe completaria sem restrições ou imposições de qualquer natureza. Para este
pensador, a leveza poderia ser positiva quando bem compreendida e bem
exercitada. Quando contemplada em sua plenitude de modo a ensejar uma vida
conduzida pelos caminhos que permitissem enxergar o inimaginável e sonhar com o
imponderável.
Pelo fato da vida ser tão curta e, na maioria
das vezes, não admitir emendar os erros, há uma tendência para agir por
impulsos nos atos que determinam o futuro. Nesta perspectiva, a vida deveria
sempre delimitar trajetórias de partilha, diálogo e entendimento. As
dificuldades, por sua vez, podem ser mais incisivas quando não se permite gestos
de solidariedade, empatia e cuidado. O peso também está na voz do outro que ao
ecoar em nós, não retumba naquilo que falamos, fazemos ou sentimos.
As desventuras, em geral, fazem com que os
indivíduos se construam pequenos em suas atitudes. Há impedimentos demasiados
para fazer e dizer. Ainda assim, e mesmo de maneira paradoxal, é justamente o
peso das dificuldades que pode também aproximar. As vicissitudes da vida
sublinham questões para além do que vemos e ouvimos. As agruras, se assim o
desejarmos, podem revelar gestos de compreensão. Permitir olhar nos olhos.
Sentir a dor do outro. Descortinar caminhos de mutua solidariedade.
O peso envolve sentidos e faz parte dos
caminhos nebulosos que todos percorremos. Como peso, traz consequências:
tristeza, impotência, amargura. Pode prender e até sufocar. Milan Kundera
sintetiza que quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está a nossa
vida, e mais real e concreta será a nossa jornada. Por outro lado, a ausência
de fardos faz com que o ser humano se torne distante daquilo que faz parte da
essência desta vida. Faz com que o indivíduo, mesmo sem perceber, se torne
frio, indiferente, pequeno.
A leveza, por si só, torna-se insustentável,
pois, à medida que nos elevamos, novas responsabilidades são colocadas. O peso,
por sua vez, nos faz autênticos, únicos, singulares. Ao amar ou sonhar,
exercitamos a leveza, mas mais importante, contudo, é esforçar-se para dividir
as dores, amenizar os tropeços, subverter as dificuldades. A leveza e o peso
são contraditórios, mas também complementares. A vida acontece a partir dos
dois. A leveza para voar e a virtude para não chorar sem encontrar gestos de afeto
e partilha.