sexta-feira, 24 de novembro de 2017

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER




A insustentável leveza do ser é umas das obras mais emblemáticas da literatura mundial. Lançada em 1982, já foi traduzida para mais de trinta línguas e editada em dezenas de países. Trata-se de um clássico no qual o desenvolvimento dos enredos é permeado pela descrição de um tempo difícil acerca da existência humana. Uma espécie de enigma que resiste a respostas simplórias, mas que, ao mesmo tempo, fomenta um interesse sempre renovado.

Por força de suas escolhas ou interferência do acaso, cada um dos personagens do livro experimenta, à sua maneira, o peso da vida. Cada um, por extensão, também exercita um permanente reconhecimento das desventuras e a reiterada busca para amenizá-las no decorrer da jornada. A discussão proposta pelo autor tcheco, Milan Kundera, desperta inquietude, pois a ambivalência entre a leveza e o peso, talvez seja uma das maiores incógnitas da vida humana.

Na contemporaneidade, a leveza ou a ideia de ser livre é permeada por muitas controvérsias. Em grande medida, o ideal buscado por uma significativa parcela da humanidade é viver sem amarras e agir de forma desprendida. A liberdade passou a ser alardeada como grande virtude. A virtude daqueles que sabem voar. Ser livre em relação a pensamentos, desejos e até sentimentos. Todavia, será que a felicidade está mesmo tão imbricada com a liberdade? Ser leve implicaria em não criar vínculos? Não carregar lembranças, memórias ou saudades?

Para o filósofo grego Parmênides, o ser humano só poderia ser completo quando tivesse a liberdade para ser aquilo que lhe completaria sem restrições ou imposições de qualquer natureza. Para este pensador, a leveza poderia ser positiva quando bem compreendida e bem exercitada. Quando contemplada em sua plenitude de modo a ensejar uma vida conduzida pelos caminhos que permitissem enxergar o inimaginável e sonhar com o imponderável.

Pelo fato da vida ser tão curta e, na maioria das vezes, não admitir emendar os erros, há uma tendência para agir por impulsos nos atos que determinam o futuro. Nesta perspectiva, a vida deveria sempre delimitar trajetórias de partilha, diálogo e entendimento. As dificuldades, por sua vez, podem ser mais incisivas quando não se permite gestos de solidariedade, empatia e cuidado. O peso também está na voz do outro que ao ecoar em nós, não retumba naquilo que falamos, fazemos ou sentimos.

As desventuras, em geral, fazem com que os indivíduos se construam pequenos em suas atitudes. Há impedimentos demasiados para fazer e dizer. Ainda assim, e mesmo de maneira paradoxal, é justamente o peso das dificuldades que pode também aproximar. As vicissitudes da vida sublinham questões para além do que vemos e ouvimos. As agruras, se assim o desejarmos, podem revelar gestos de compreensão. Permitir olhar nos olhos. Sentir a dor do outro. Descortinar caminhos de mutua solidariedade.

O peso envolve sentidos e faz parte dos caminhos nebulosos que todos percorremos. Como peso, traz consequências: tristeza, impotência, amargura. Pode prender e até sufocar. Milan Kundera sintetiza que quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está a nossa vida, e mais real e concreta será a nossa jornada. Por outro lado, a ausência de fardos faz com que o ser humano se torne distante daquilo que faz parte da essência desta vida. Faz com que o indivíduo, mesmo sem perceber, se torne frio, indiferente, pequeno.

A leveza, por si só, torna-se insustentável, pois, à medida que nos elevamos, novas responsabilidades são colocadas. O peso, por sua vez, nos faz autênticos, únicos, singulares. Ao amar ou sonhar, exercitamos a leveza, mas mais importante, contudo, é esforçar-se para dividir as dores, amenizar os tropeços, subverter as dificuldades. A leveza e o peso são contraditórios, mas também complementares. A vida acontece a partir dos dois. A leveza para voar e a virtude para não chorar sem encontrar gestos de afeto e partilha.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

PABLO NERUDA – O POETA DO POVO



A poesia é a arte que destrincha palavras. Desvenda sentimentos e fala ao coração. É essência em forma de linguagem. Para quem aprecia as palavras, é provável que já tenha se deparado com a obra de Neftali Ricardo Reyes Barsoalto, ou, seu pseudônimo, Pablo Neruda. Nascido no povoado de Parral, no sul do Chile, em 12 de julho de 1904, era filho de um ferroviário e uma professora primária. Órfão de mãe logo ao nascer, foi auxiliado por grandes mestres. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1971.

A vida de Neruda passou por profundas transformações. Seu maior objetivo era estar a serviço da construção e organização de uma realidade na qual as pessoas tivessem oportunidades iguais. Para ele, um novo ser humano deveria ser forjado na liberdade, bondade, fraternidade e solidariedade. Por isso, jamais abriu mão do engajamento para modificar as ambiguidades sociais em seu país.

A poesia, para Neruda, era um lugar privilegiado. Acreditava que com ela conseguia alcançar os seus interlocutores nas mais diversas situações “entre guerras, revoluções e grandes movimentos”. Sonhava que seus versos pudessem fazer parte da vida de quem nunca tinha convivido com as oportunidades para aprender a ler ou escrever. Algo que, entrementes, à época, era comum para a grande maioria dos trabalhadores chilenos.

Neruda preocupava-se com as questões desafiantes de sua época. Mostrava que não cabia mais apenas escrever por escrever. A arte pela arte. Diante dos desafios presentes na sociedade de seu tempo, era preciso voltar-se às ruas. Uma poesia que fosse engajada na transformação do mundo. O nome de Neruda, portanto, exprime a solidariedade e a busca incansável na construção de uma sociedade mais justa.

A produção poética, para ele, era um instrumento de trabalho. Um meio precioso e necessário para retratar as lutas e os desafios do seu povo. "Quero viver em um mundo em que os seres sejam somente humanos, sem outros títulos, sem serem golpeados na cabeça com uma régua, com uma palavra, com um rótulo. Queria que a grande maioria pudesse falar, ler, escutar, florescer."

A originalidade da Neruda advém não apenas de seu estilo, mas, sobretudo, de suas escolhas. Ele soube rejeitar as trivialidades para falar da vida em suas misérias. Suas palavras ampliavam as vicissitudes do amor, das agonias, das insanidades em um mundo cada vez mais frio e indiferente para com a dor do outro.

Sua poesia combativa não se ampliava em algumas palavras gritadas à multidão. Havia nelas, rara sensibilidade. Foi um ser humano que soube refletir aquilo que se passava em seu mundo de maneira profunda e verdadeira. Sabia falar da beleza com a mesma capacidade com que falava das dificuldades. Sabia exercitar o simples e o perene. O contemplativo e as vivências.

Pablo Neruda foi o poeta do povo. Por onde passou, mostrou as alegrias e as dores. Soube conciliar, com rara maestria, a vocação para as palavras, a carreira diplomática e de senador da república. Faleceu na capital chilena em 23 de setembro de 1973. Suspeita-se que tenha sido assassinado. Durante o seu velório, a sua casa foi saqueada e seus livros incendiados a mando de Augusto Pinochet. Que ele continue a inspirar, através de seus versos e de sua postura, quem ousa acreditar em um mundo melhor.