sexta-feira, 3 de novembro de 2017

ESPELHOS E MÁSCARAS?



O nosso país é um lugar no qual a vida vai sendo construída a partir de múltiplos sentidos e ilusões. Houve um tempo onde se dizia que éramos o país do futebol, do samba, de um povo cordial. Verdades que nunca foram verdades. Talvez, como resultado de tantos conflitos, de hegemonias e de esquecimentos. O Brasil dos nossos dias, contudo, é um sujeito que tem sérias dificuldades em se reconhecer no espelho de sua própria imagem.


Receio que esta seja uma das explicações para compreender a precariedade das nossas relações. A expressão dos tantos ódios e, em especial, o atalho buscado pelos oportunistas: o autoritarismo. Vamos aniquilando as ilusões e as utopias por conta do medo e da indiferença para com o outro. Em vez do diálogo que supõe a capacidade para ouvir e discernir, milhões preferem o caminho preguiçoso das conveniências. Do apoio a quem propõe qualquer coisa, mesmo esdrúxula. De quem nunca está disposto a ouvir e que adora ofender. Que confunde democracia com força e gritaria com verdade.


Afinal, o que vendem algumas de nossas lideranças? Estes que, sem autoridade e distantes da coerência, só podem contar com o autoritarismo? Desconfio que sejam máscaras para encobrir a própria incapacidade quando não pretendem um projeto coletivo, mas um projeto pessoal marcado pela sede de poder. Usam e abusam do medo que as pessoas sentem para vender imbecilidades e cativar indivíduos que não buscam entender os percursos de nossa história de modo a perceber a insanidade que se esconde nas entrelinhas dos discursos.


A ideia do brasileiro como um povo cordial nunca resistiu à realidade histórica de uma nação fundada na eliminação do outro, principalmente dos indígenas e negros. A suposta “democracia racial” como descrita pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda em seu livro – Raízes do Brasil - quase cem anos atrás, é uma destas interpretações para além da realidade e muito distante de tudo aquilo que sempre fez parte de nossa caminhada. Nossa maior crise é também de identidade. Já nos acostumamos com realidades forjadas para explicar interesses. Quanto menos se sabe ou conhece, mais propensão à manipulação.


A cada dia vão sento criados inimigos para que a população possa extravasar sua indignação. Fabricar “cidadãos de bem” numa tábua de discriminações e preconceitos tem se mostrado uma fórmula de sucesso, principalmente no mercado da fé. A invenção de inimigos dá lucro e mantém tudo como está, porque, para os profetas do ódio, o Brasil precisa ser virado do avesso. Para quem estimula o ódio e comercializa o medo, o Brasil nunca rendeu tanto. No fundo, não ser quer um governante, mas um salvador da pátria a nos desincumbir da própria responsabilidade.


O Brasil do futuro não chegará a um lugar bom no presente se não souber fazer um acerto com o seu passado. Entre tantas realidades, somos um país que não hesita em linchar pessoas; maltratar imigrantes; matar jovens; mulheres, idosos ou crianças. Que massacra indígenas para obter suas terras, preferindo mantê-los nos livros de história a conviver com eles. Um país que vem esquecendo o valor do diálogo nas ruas, nas praças, nas repartições públicas. Um país em que os discursos de ódio se proliferam nas redes sociais. Um país no qual as pessoas sentem orgulho em proclamar a própria ignorância.


Este é também o país no qual aqueles e aquelas que gritam contra a corrupção nos mais altos cargos não se sentem constrangidos a cometê-la, cotidianamente, em pequenos atos. Furando a fila, arrumando desculpas por chegar tarde ao trabalho ou na escola, forjando valores em alguma nota fiscal, afanando algum objeto que não lhe pertence. Nada mais fácil do que culpar o outro quando não gostamos do que vemos em nós mesmos. Espelhos e máscaras, eis o nosso desafio!

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