O nosso país é um lugar no qual a vida vai
sendo construída a partir de múltiplos sentidos e ilusões. Houve um tempo onde
se dizia que éramos o país do futebol, do samba, de um povo cordial. Verdades
que nunca foram verdades. Talvez, como resultado de tantos conflitos, de
hegemonias e de esquecimentos. O Brasil dos nossos dias, contudo, é um sujeito que
tem sérias dificuldades em se reconhecer no espelho de sua própria imagem.
Receio que esta seja uma das explicações para
compreender a precariedade das nossas relações. A expressão dos tantos ódios e,
em especial, o atalho buscado pelos oportunistas: o autoritarismo. Vamos
aniquilando as ilusões e as utopias por conta do medo e da indiferença para com
o outro. Em vez do diálogo que supõe a capacidade para ouvir e discernir,
milhões preferem o caminho preguiçoso das conveniências. Do apoio a quem propõe
qualquer coisa, mesmo esdrúxula. De quem nunca está disposto a ouvir e que
adora ofender. Que confunde democracia com força e gritaria com verdade.
Afinal, o que vendem algumas de nossas lideranças?
Estes que, sem autoridade e distantes da coerência, só podem contar com o
autoritarismo? Desconfio que sejam máscaras para encobrir a própria
incapacidade quando não pretendem um projeto coletivo, mas um projeto pessoal
marcado pela sede de poder. Usam e abusam do medo que as pessoas sentem para
vender imbecilidades e cativar indivíduos que não buscam entender os percursos
de nossa história de modo a perceber a insanidade que se esconde nas
entrelinhas dos discursos.
A ideia do brasileiro como um povo cordial
nunca resistiu à realidade histórica de uma nação fundada na eliminação do
outro, principalmente dos indígenas e negros. A suposta “democracia racial” como
descrita pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda em seu livro – Raízes do
Brasil - quase cem anos atrás, é uma destas interpretações para além da
realidade e muito distante de tudo aquilo que sempre fez parte de nossa
caminhada. Nossa maior crise é também de identidade. Já nos acostumamos com realidades
forjadas para explicar interesses. Quanto menos se sabe ou conhece, mais propensão
à manipulação.
A cada dia vão sento criados inimigos para que
a população possa extravasar sua indignação. Fabricar “cidadãos de bem” numa
tábua de discriminações e preconceitos tem se mostrado uma fórmula de sucesso,
principalmente no mercado da fé. A invenção de inimigos dá lucro e mantém tudo
como está, porque, para os profetas do ódio, o Brasil precisa ser virado do
avesso. Para quem estimula o ódio e comercializa o medo, o Brasil nunca rendeu
tanto. No fundo, não ser quer um governante, mas um salvador da pátria a nos
desincumbir da própria responsabilidade.
O Brasil do futuro não chegará a um lugar bom
no presente se não souber fazer um acerto com o seu passado. Entre tantas
realidades, somos um país que não hesita em linchar pessoas; maltratar
imigrantes; matar jovens; mulheres, idosos ou crianças. Que massacra indígenas
para obter suas terras, preferindo mantê-los nos livros de história a conviver
com eles. Um país que vem esquecendo o valor do diálogo nas ruas, nas praças,
nas repartições públicas. Um país em que os discursos de ódio se proliferam nas
redes sociais. Um país no qual as pessoas sentem orgulho em proclamar a própria
ignorância.
Este é também o país no qual aqueles e
aquelas que gritam contra a corrupção nos mais altos cargos não se sentem
constrangidos a cometê-la, cotidianamente, em pequenos atos. Furando a fila,
arrumando desculpas por chegar tarde ao trabalho ou na escola, forjando valores
em alguma nota fiscal, afanando algum objeto que não lhe pertence. Nada mais
fácil do que culpar o outro quando não gostamos do que vemos em nós mesmos. Espelhos
e máscaras, eis o nosso desafio!
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