sexta-feira, 25 de março de 2016

PRECEDENTES IGNORADOS



Não sou jurista, mas tenho percebido nos últimos tempos que quando se trata da Operação Lava Jato, é incrível como as pessoas, em geral, aderiram ao senso comum. O discurso oficial e laudatório dos protagonistas da operação é aceito sem maiores divergências. Tudo aquilo que é defendido por promotores, delegados e juízes, é visto como verdade. Tudo o que possa contrariá-los é suspeito ou desqualificado.

Nesta sanha quase insana de engajamento na missão de punir os envolvidos a qualquer custo, ao que parece, já não há tanta preocupação em olhar o outro lado, em avaliar o que dizem juízes ou procuradores. Chega a espantar esta tendência para a fuga ao debate como artifício para desacreditar os antagonistas. O contraditório deveria ser buscado de forma leal, honesta e sem extremismos. 

A desqualificação sem levar em conta o mérito é, para mim, fruto de uma indignação seletiva e hipócrita. Acreditar que todos os agentes públicos no âmbito da justiça sejam cidadãos de bem, precursores da esperança, preocupados apenas em colocar o país nos eixos, é negligenciar o bom senso. Opinião alicerçada no poder, sem contraponto, sem crítica, não condiz com os princípios basilares, ainda que incipientes, de uma democracia como a brasileira.

A presunção de inocência, os direitos de defesa, as garantias de imparcialidade, o vazamento de informações sigilosas, a execração pública, estão se consolidando como a marca da Lava Jato, com consequências ainda imprevisíveis para a sociedade brasileira. É uma espécie de inquisição onde já é possível adivinhar o resultado, servindo as etapas processuais apenas para cumprir algumas formalidades.

Embora,  publicamente, a ampla maioria da população aprove as medidas de  combate à corrupção, o aprofundamento das investigações e os inquéritos policiais, é inegável que biografias de pessoas envolvidas estão sendo maculadas antes mesmo da conclusão dos processos judiciais. As paixões partidárias e as trocas de acusações têm elevado a temperatura, chegando, em alguns casos, a provocar embates pessoais e agressões físicas.

Defender a justiça não significa abraçar uma versão dos fatos e desqualificar a outra. Em um país tão cheio de arbitrariedades, todos e todas são sabedores de que a despeito das garantias constitucionais de tratamento equitativo, a cada dia, os direitos fundamentais são jogados no lixo, independentemente de quem sejam seus signatários.
Olhar com ressalvas para alguns procedimentos não pode ser confundido com a aprovação de meios que impeçam a justiça de cumprir sua missão. A defesa das garantias constitucionais é condição salutar e inerente a qualquer processo. Questionar determinadas condutas quando precedentes são ignorados não significa querer que tudo ‘termine em pizza’.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Protagonismo Desvirtuado



Sou contra toda forma de corrupção e não fui para as ruas mesmo não acreditando na inocência do Lula ou na pureza do seu partido. Eu não fui e jamais irei para estar ao lado de pessoas que se afinam com pautas mesquinhas, conservadoras e oportunistas. Pessoas que com a desculpa de estarem preocupadas com a corrupção querem restringir direitos conquistados.
 
Não fui às ruas porque essa revolta, ainda que com grande adesão, é seletiva. Esse protesto não foi apenas sobre a corrupção. Se fosse, veríamos gritos e protestos contra Aécio, Alckmin, Temer, Cunha, Calheiros, Serra, FHC e mais algumas centenas de políticos. Não fui às ruas por compreender que uma faixa dizendo "queremos que todos os partidos políticos respondam por seus atos" não representa um real desejo de justiça e igualdade. A corrupção não é novidade. Jesus Cristo que o diga.

Certamente ela não é novidade para quem cresceu sem saneamento básico e asfalto porque a verba nunca chegou. Ela não é novidade para quem não teve acesso à educação básica e à saúde. Muito menos para os que vivem sem água no sertão ou para os que morrem todos os anos nas enchentes. Não nos enganemos dizendo que a revolta é com o nível absurdo de corrupção. Ela está aí, perversamente, corroendo o Brasil há séculos.

Eu não fui às ruas, mas iria se aqueles que estivessem ao meu lado não fizessem vista grossa a quem massacra os professores. Eu não fui, mas iria se a situação da saúde e da segurança aqui no Rio Grande do Sul, por exemplo, fosse tratada sem subterfúgios ideológicos. Eu não fui, mas iria se a pauta fosse para limpar o Congresso de Cunhas, Bolsonaros e Felicianos que só sabem culpar homossexuais, negros e mulheres, vítimas de violência, roubando-lhes os poucos direitos conquistados.

Eu não fui, mas iria se muitos dos que hoje gritam para limpar o Brasil, não fossem cegos e surdos para a desfaçatez cometida em mais de duas décadas de ditadura. Eu não fui, mas iria se não precisasse tirar fotos com amigos vestindo a camisa da seleção brasileira que representa uma das instituições mais corruptas do Brasil e do mundo.

Eu não fui às ruas pedir o fim da corrupção ao lado de pessoas que, em muitos casos, não pagam seus impostos. Eu não fui às ruas com quem apoia a redução da maioridade penal e jamais, nem por decreto, iria para a rua com quem acredita que um país com tantas desigualdades como o nosso está assim apenas por culpa de um governo e de um partido.

Eu não fui às ruas celebrar o Moro ou o MPF que se acham "paladinos da justiça" quando estão, com ressalvas, cumprindo o seu dever. Os fins continuam não justificando os meios. Pode se tratar do Lula, de Cunha, de qualquer pessoa, não faz diferença. Eu estarei disposto a ir para a rua quando houver uma mudança de valores e não apenas estardalhaço para alguns conquistarem o poder puxando o tapete dos outros.

Não fui às ruas para defender um juiz que nunca foi e nem será um exemplo ou herói. Não consigo acreditar em alguém que interpreta a constituição de forma insólita, recebe ganhos exorbitantes e prega uma moralidade meio estrábica. Não posso me juntar com quem continua perpetuando o discurso de ódio e culpando os outros pelos problemas sem mover uma vírgula para resolvê-los. Essa discussão sempre foi e continuará sendo inócua. Leva do nada para lugar nenhum.

Chamar o cidadão de "coxinha" não vai mudar a história. Culpar os empresários que pagam impostos e geram empregos, também não. Ajuda muito menos aquele que defende o governo com unhas e dentes sem enxergar incoerências, sem se dar conta de que o próprio governo não soube corrigir as distorções históricas fazendo alianças com gente que não merecia o lugar que ocupa.

Mesmo não indo para a rua, acredito que os protestos são um meio legitimo para manifestar insatisfação. Sei que nem todos que foram acreditam em tudo aquilo que fez parte das reinvindicações. De igual forma, também penso que muitos dos que ficaram em suas casas são pessoas que vivem a ilusão que os faz cegos pela ideologia.

Já fui tantas vezes para as ruas para protestar e não deixarei de ir quando estiver convencido em saber quem estará ao meu lado e quais as causas que estarão sendo reivindicadas. Como podemos acreditar que o impeachment haverá de resolver o problema quando TODOS os partidos estão afogados no lamaçal?

A única coisa que pode iniciar uma mudança é a coerência. Olhar para nós mesmos, depois para os outros, com respeito e empatia. É ler, estudar, conhecer um pouco de nossa própria história, votar com consciência, depois ir para as ruas e cobrar aquilo que é justo e decente. Talvez o maior problema do Brasil nem seja a corrupção. O maior problema do Brasil é o individualismo que redunda na vergonhosa desigualdade social. A corrupção é apenas um sintoma que multiplica uma causa muito mais vulgar, muito mais vergonhosa, muito mais podre.

sexta-feira, 11 de março de 2016

DORES DA ALMA



Após o naufrágio do Titanic, um jornal publicou, lado a lado, dois desenhos que interpretavam a tragédia. O primeiro retratava o pânico dos que não tinham lugar no convés, e iriam perecer. Logo abaixo, a legenda: o poder da natureza e a fragilidade do ser humano.
 
No segundo desenho era reproduzida a mesma situação, mas destacava-se um punhado de mulheres e homens a cantar – mais perto quero estar, meu Deus, de ti ainda que seja a dor que me una a ti. E a legenda trazia um testemunho: o poder do ser humano e a fragilidade da natureza.

O escritor e filósofo espanhol, Miguel de Unamuno, dizia que não bastava curar nossas dores, era preciso saber chorá-las. Eu diria que mais vale encontrar um lugar ou uma pessoa para juntos chorar e compartilhar a esperança, do que mil páginas de filosofia ou fórmulas mágicas para superar os obstáculos.

A condição humana mostra que somos tantas dores e prazeres, sons e silêncios, ventos fortes e brisas leves, raios de sol e trovões. Não somos uma coisa ou outra, somos uma e outra, o tempo todo, sempre. Neste cordão de fios opostos e que ao mesmo tempo, se complementam, o milagre da existência vai sendo construído. Toda vez que negamos alguns fios, a vitalidade em nós vai ficando distante.

A minha fé funciona como se fosse uma proteção contra as fragilidades e as inseguranças. É ela que me ajuda a encobrir o abismo do mistério que me rodeia A fé nos sustenta quando nosso espaço de vida entra em colapso, quando a realidade que nos cerca indica finitude. Recorremos à fé para ter a coragem de suportar os abismos. Um dia, seremos apenas fagulha na imensidão. Restará aquilo que deixamos com quem nos foi presenteado no tempo que tivemos aqui neste mundo.

Neste nosso mundo estranho e paradoxal, parece que já não temos mais o direito de desanimar, sentir dor, angústia, sofrimento. A sociedade regula e indica: sorria, você está sendo filmado; sorria, pois tristeza não pode existir; Sorria porque sorrindo os problemas terminarão. Será?

Um dos males das sociedades modernas é a negação invisível e silenciosa da dor. Negá-la é esquecer que ela está aí, clara e evidente tanto nos desequilíbrios do nosso organismo, (doenças) como nas desarmonias de nossas relações interpessoais (brigas, frieza, indiferença).

Face às transformações nas quais estamos imersos, o futuro não deixa de ser uma incógnita. Parece existir um grande vazio existencial. Ou, o que é muito pior, muita indiferença. É verdade que a esmagadora maioria das pessoas vivencia histórias de dor e desencanto na sua jornada. Dor que não consegue ser diagnosticada e nem tratada por profissionais. Dor que desestabiliza e amedronta. Qual seria o melhor remédio para cuidar dos ditos sofrimentos da alma? Como negar a dor da saudade de alguém que já não está mais perto de nós? Como não permitir a dor advinda de algum propósito que não se cumpriu, de uma esperança que falhou?

Aquele que nega a realidade nega a possibilidade de expressar a sua própria dor. Só será capaz de esperar ou suportar, aquele que reconhece a existência de espaços vazios na sua jornada. Aquele que não pisa suas impossibilidades em nome de seus desejos de onipotência. Valeria muito se jamais esquecêssemos que a compreensão, a atenção e o carinho nem sempre nos curam, mas sempre nos transformam, fazem-nos mais humanos.

Os antigos diziam que era preciso aprender a arte de morrer. Eu diria: aprender a amar é aprender a perder. Aprender a amar é aprender a morrer. Aprender a amar é aprender que há momentos que vão além de nossa capacidade e entendimento.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Intolerância: A estupidez dos “eleitos” de Deus



É oportuno lembrar as sábias palavras do humanista alemão Friedrich Nietzsche que entedia que na origem da demanda por justiça estaria o desejo de vingança. Para ele, o que distinguia a civilização da barbárie era o empenho em produzir dispositivos que permitissem separar um do outro. Receio que esta seja uma das questões que deveria ser aprofundada quando vislumbramos as consequências da intolerância, do conservadorismo e da violência em nosso país.

Somos o resultado daquilo que nos constituiu como nação. O Brasil foi o último país livre no Ocidente a abolir a prática bárbara do trabalho escravo. Durante três séculos, a elite brasileira capturou, traficou, explorou e torturou cidadãos africanos e seus descendentes sem causar maiores escândalos. Ainda vivemos as consequências históricas dessa estupidez que só foi abreviada porque havia se tornado economicamente inviável.

Este é o Brasil que queremos tornar menos violento sem mexer em nada além de reduzir a idade em que os adolescentes devem ser encarcerados junto aos criminosos adultos. Alguém é capaz de acreditar que a medida haverá de amenizar a violência de que somos todos, sem exceção, vítimas? As crianças arregimentadas pelo crime são evidências de nosso fracasso em cuidar, educar, alimentar e oferecer futuro a um grande número de brasileiros. Esconder nossa vergonha atrás das grades não vai resolver o problema.

É evidente que os que conduzem a defesa da mudança na legislação estão pensando em colocar na cadeia, sob a influência e a ameaça de bandidos adultos já muito bem formados na escola do crime, somente os "filhos dos outros". Duvido que a esmagadora maioria das brasileiras e dos brasileiros acredite que o filho de um cidadão “da elite” será julgado e encarcerado aos 16 anos por ter queimado um índio dormindo, espancado prostitutas ou ter ceifado a vida de uma pessoa ao dirigir embriagado e em alta velocidade! É sabido que os filhos dos "outros" são os mesmos há 500 anos. Os cidadãos que ficaram à margem. Aqueles e aquelas que são "incluídos" apenas nas favelas deste nosso país continental.

É revoltante ver que, em nome de sua fé, milhares de pessoas usam as redes sociais para atacar uma transexual "crucificada” e são absolutamente indiferentes ao assassinato ou linchamento de negros, mulheres e travestis. Conseguem, igualmente, ser indiferentes aos milhares de mendigos, idosos e crianças drogadas que encontram todos os dias vivendo pelas ruas. Os mesmos que, desprovidos de qualquer misericórdia, aceitam sem encargos de consciência a imensa desigualdade social brasileira. Não tem problemas como “bons cristãos” em defender a pena de morte ou a intransigência religiosa.

A polêmica em torno de Viviany – a transexual "crucificada” em São Paulo durante a parada gay - nos remete a diversos grupos sociais vítimas da hostilidade e humilhação e que vem buscando a justa dignidade. Ao ver a transexual "crucificada”, deveríamos lembrar uma mensagem que orienta a "amar ao próximo como a si mesmo”. Ela serviria para que entendêssemos este protesto feito e enxergássemos de forma mais tolerante, pacifica e generosa a todos os excluídos que nos pedem socorro. Mesmo que não concordemos, sejamos menos algozes uns dos outros, menos juízes uns dos outros. Preocupemo-nos em exercitar as prerrogativas de nossa caminhada através da partilha, da humildade e da fraternidade.

Sem querer polemizar, mas ressaltando demandas históricas e sociais de nosso tempo, ouso dizer que heréticos em relação ao Evangelho são aqueles que, hoje, atiram pedras nas vítimas da fome, que não estendem a mão aos doentes, aos idosos, portadores de deficiência, que submetem a pesados fardos à vida das mulheres, que viram o rosto para a violência cometida contra os homossexuais, negros e índios.

A religião, seja ela qual for, deve ser antes de qualquer compreensão um lugar de igualdade e justiça. Só haverá um caminho de justiça quando a religião se propuser a vivê-la em suas comunidades. Daí sim, o caminho poderá ser de uma sociedade alicerçada nos valores do Reino de Deus, que, por sua vez, nos comunica a igualdade, a justiça e a fraternidade.

Atitudes fascistas que vão eclodindo hoje no Brasil têm muito mais a ver com o ódio e a frustração sendo disfarçados de uma ideologia politica e religiosa sem um mínimo de coerência. Idealismo que requer linguagem violenta ou belicosa, logo desemboca em fanatismo, que não tarda a virar bestialidade. Em tempos de abundância de ódio, qualquer migalha de bondade deve ser apreciada.