sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

OBSTINAÇÃO




Vida. Estranha e paradoxal existência revestida, todos os dias, pelo signo da obstinação. Receios. Medos. Intimidações... Persistir. Teimar. Ser empurrado para o imponderável.

Não sucumbir diante das decepções. Perseverar a despeito daquilo que insiste em ser reprisado pelo inconsciente.

Receio que não valha a pena tentar mover montanhas. Quisera esquecer-me de contar os dias. Não desperdiçar tempo. Não me envolver com frágeis idealismos nem construir castelos improváveis.

Não abraçar projetos numa fuga dantesca das próprias inquietudes. Não quebrar espelhos. Não ter delírios confundindo esperança com messianismos.

Desenraizar-se. Perceber o vazio que embaça os olhos e inunda a mente. Coração que sangra. Vazio tenebroso.

Ser roubado de si mesmo pela desfaçatez de uma vida circunstancial. Imperativo de beleza, justiça e bondade na profusa e distante memória pregressa.

Como desejaria redescobrir a essência humana para encara-la sem subterfúgios. Saber auscultar aquilo que as palavras não podem multiplicar.

Reverenciar as sutilezas do mundo que nos cerca. Fazer retumbar no peito a esperança capaz de dispersar qualquer vaidade. Recobrar a serenidade.
Encarar os silêncios para apaziguar os olhos. Sarar feridas. Distanciar-me da falsidade e do egoísmo. Plenificar os sentidos da mais profunda sensibilidade.

Burilar as pedras da jornada. Cultivar a quietude. Encontrar a paz na vida percebida como dádiva imerecida em meio aos percalços e descaminhos da existência.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

“A Arte Existe para que a Realidade não nos Destrua”



O filósofo, crítico cultural, poeta e compositor alemão, Friedrich Nietzsche, viveu entre 1844 e 1900. Mesmo assim, foi capaz de descortinar algumas questões que marcam a vida e o pensamento em nossos dias. Para Nietzsche, nós temos um modelo de reflexão que em sua origem provém da Grécia. Antes desse paradigma, o que caracterizava o pensamento era a arte. A arte como mediação.

A arte sempre foi utilizada para interpretar o mundo. Perceber que nele havia vivências, dores e sabores. Com o advento da ciência, ocorreu um rompimento com a ideia de que a arte era capaz de iluminar vidas. O racionalismo passou a ser o “verdadeiro” saber. É por conta do racionalismo que se subverteu a pluralidade.

Em seu livro “O Nascimento da Tragédia”, o pensador alemão enfatiza que, se a ciência produz cada vez menos alegria por ela mesma e, por extensão, é capaz de gerar realizações pelos contornos da metafísica, então a maior fonte de realização, a qual a humanidade deve quase toda a sua condição humana, fica empobrecida. Uma cultura elevada, portanto, deveria dar ao indivíduo uma espécie de dupla percepção: uma para experimentar a ciência e outra a não ciência.

Nietzsche pergunta pela finalidade das artes. Se a poesia ou a literatura poderiam, por exemplo, revelar alguma utilidade? De minha parte, acredito que a arte é sempre libertadora. Por meio dela criamos, assim como os gregos, interpretações do mundo e fugas da realidade. Por isso evocamos narrativas, histórias, tragédias. Tudo isso faz parte da nossa condição humana delineada pelos meandros da existência em meio a alegrias e dores.

Por meio da memória é que criamos relações com o mundo e essas relações são baseadas, sobretudo, no contar e no recontar, tendo a arte como mediadora. Na modernidade, sem dúvida, perdemos muitas das nossas referências. O psiquiatra e psicoterapeuta suíço, Carl Gustav Jung, na obra, “O homem e seus símbolos”, assinala que em nossos dias já quase não existem símbolos cujo auxilio se possa invocar. As grandes religiões padeceriam de uma crescente anemia. A suspeita é de que por isso os fundamentalismos seduzem tanto nos dias atuais.

Convém perguntar como romper este ciclo. A tese do eterno retorno elaborada por Nietzsche pode auxiliar. Para ele há sentidos e vivências que se “repetem” a partir de momentos, pessoas e sentidos peculiares. No fundo, estamos perdendo a conexão com a arte, não a arte sublimada, mas a arte capaz de mediar vivências profundas em nossa jornada. A civilização ocidental dá sinais de um declínio inevitável. Cabe a nós a decisão acerca do caminho a ser seguido.

É evidente que a crise que vivemos é também um reflexo da complexidade que envolve muitos fatores. Dias atrás, meio por caso, deparei-me com alguns números que contribuem para explicar o estado de paralisia e alienação vivida por uma parcela considerável da população brasileira. De acordo com a pesquisa - Retratos da Leitura - realizada no ano de 2016 e encomendada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), 44% dos brasileiros não leem e 30% nunca chegou a comprar um livro.

Ainda no campo das artes, 93 % dos brasileiros não costumam ir a exposições; 91 % não vão a espetáculos de dança; 89 % não frequentam teatro; 74 % não vão ao cinema. Se for verdade que um país se faz com pessoas com conhecimento e sensibilidade, talvez consigamos entender o motivo para que tenhamos tantos indivíduos pouco afeitos à ética, ao diálogo e a partilha.