O filósofo, crítico cultural, poeta e
compositor alemão, Friedrich Nietzsche, viveu entre 1844 e 1900. Mesmo assim,
foi capaz de descortinar algumas questões que marcam a vida e o pensamento em
nossos dias. Para Nietzsche, nós temos um modelo de reflexão que em sua origem
provém da Grécia. Antes desse paradigma, o que caracterizava o pensamento era a
arte. A arte como mediação.
A arte sempre foi utilizada para interpretar
o mundo. Perceber que nele havia vivências, dores e sabores. Com o advento da
ciência, ocorreu um rompimento com a ideia de que a arte era capaz de iluminar vidas.
O racionalismo passou a ser o “verdadeiro” saber. É por conta do racionalismo que
se subverteu a pluralidade.
Em seu livro “O Nascimento da Tragédia”, o
pensador alemão enfatiza que, se a ciência produz cada vez menos alegria por
ela mesma e, por extensão, é capaz de gerar realizações pelos contornos da
metafísica, então a maior fonte de realização, a qual a humanidade deve quase
toda a sua condição humana, fica empobrecida. Uma cultura elevada, portanto,
deveria dar ao indivíduo uma espécie de dupla percepção: uma para experimentar
a ciência e outra a não ciência.
Nietzsche pergunta pela finalidade das artes.
Se a poesia ou a literatura poderiam, por exemplo, revelar alguma utilidade? De
minha parte, acredito que a arte é sempre libertadora. Por meio dela criamos,
assim como os gregos, interpretações do mundo e fugas da realidade. Por isso evocamos
narrativas, histórias, tragédias. Tudo isso faz parte da nossa condição humana
delineada pelos meandros da existência em meio a alegrias e dores.
Por meio da memória é que criamos relações
com o mundo e essas relações são baseadas, sobretudo, no contar e no recontar,
tendo a arte como mediadora. Na modernidade, sem dúvida, perdemos muitas das
nossas referências. O psiquiatra e psicoterapeuta suíço, Carl Gustav Jung, na
obra, “O homem e seus símbolos”, assinala que em nossos dias já quase não
existem símbolos cujo auxilio se possa invocar. As grandes religiões padeceriam
de uma crescente anemia. A suspeita é de que por isso os fundamentalismos seduzem
tanto nos dias atuais.
Convém perguntar como romper este ciclo. A
tese do eterno retorno elaborada por Nietzsche pode auxiliar. Para ele há
sentidos e vivências que se “repetem” a partir de momentos, pessoas e sentidos
peculiares. No fundo, estamos perdendo a conexão com a arte, não a arte
sublimada, mas a arte capaz de mediar vivências profundas em nossa jornada. A
civilização ocidental dá sinais de um declínio inevitável. Cabe a nós a decisão
acerca do caminho a ser seguido.
É evidente que a crise que vivemos é também
um reflexo da complexidade que envolve muitos fatores. Dias atrás, meio por
caso, deparei-me com alguns números que contribuem para explicar o estado de paralisia
e alienação vivida por uma parcela considerável da população brasileira. De
acordo com a pesquisa - Retratos da Leitura - realizada no ano de 2016 e
encomendada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), 44% dos brasileiros não leem
e 30% nunca chegou a comprar um livro.
Ainda no campo das artes, 93 % dos
brasileiros não costumam ir a exposições; 91 % não vão a espetáculos de dança;
89 % não frequentam teatro; 74 % não vão ao cinema. Se for verdade que um país
se faz com pessoas com conhecimento e sensibilidade, talvez consigamos entender
o motivo para que tenhamos tantos indivíduos pouco afeitos à ética, ao diálogo
e a partilha.