sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

“A Arte Existe para que a Realidade não nos Destrua”



O filósofo, crítico cultural, poeta e compositor alemão, Friedrich Nietzsche, viveu entre 1844 e 1900. Mesmo assim, foi capaz de descortinar algumas questões que marcam a vida e o pensamento em nossos dias. Para Nietzsche, nós temos um modelo de reflexão que em sua origem provém da Grécia. Antes desse paradigma, o que caracterizava o pensamento era a arte. A arte como mediação.

A arte sempre foi utilizada para interpretar o mundo. Perceber que nele havia vivências, dores e sabores. Com o advento da ciência, ocorreu um rompimento com a ideia de que a arte era capaz de iluminar vidas. O racionalismo passou a ser o “verdadeiro” saber. É por conta do racionalismo que se subverteu a pluralidade.

Em seu livro “O Nascimento da Tragédia”, o pensador alemão enfatiza que, se a ciência produz cada vez menos alegria por ela mesma e, por extensão, é capaz de gerar realizações pelos contornos da metafísica, então a maior fonte de realização, a qual a humanidade deve quase toda a sua condição humana, fica empobrecida. Uma cultura elevada, portanto, deveria dar ao indivíduo uma espécie de dupla percepção: uma para experimentar a ciência e outra a não ciência.

Nietzsche pergunta pela finalidade das artes. Se a poesia ou a literatura poderiam, por exemplo, revelar alguma utilidade? De minha parte, acredito que a arte é sempre libertadora. Por meio dela criamos, assim como os gregos, interpretações do mundo e fugas da realidade. Por isso evocamos narrativas, histórias, tragédias. Tudo isso faz parte da nossa condição humana delineada pelos meandros da existência em meio a alegrias e dores.

Por meio da memória é que criamos relações com o mundo e essas relações são baseadas, sobretudo, no contar e no recontar, tendo a arte como mediadora. Na modernidade, sem dúvida, perdemos muitas das nossas referências. O psiquiatra e psicoterapeuta suíço, Carl Gustav Jung, na obra, “O homem e seus símbolos”, assinala que em nossos dias já quase não existem símbolos cujo auxilio se possa invocar. As grandes religiões padeceriam de uma crescente anemia. A suspeita é de que por isso os fundamentalismos seduzem tanto nos dias atuais.

Convém perguntar como romper este ciclo. A tese do eterno retorno elaborada por Nietzsche pode auxiliar. Para ele há sentidos e vivências que se “repetem” a partir de momentos, pessoas e sentidos peculiares. No fundo, estamos perdendo a conexão com a arte, não a arte sublimada, mas a arte capaz de mediar vivências profundas em nossa jornada. A civilização ocidental dá sinais de um declínio inevitável. Cabe a nós a decisão acerca do caminho a ser seguido.

É evidente que a crise que vivemos é também um reflexo da complexidade que envolve muitos fatores. Dias atrás, meio por caso, deparei-me com alguns números que contribuem para explicar o estado de paralisia e alienação vivida por uma parcela considerável da população brasileira. De acordo com a pesquisa - Retratos da Leitura - realizada no ano de 2016 e encomendada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), 44% dos brasileiros não leem e 30% nunca chegou a comprar um livro.

Ainda no campo das artes, 93 % dos brasileiros não costumam ir a exposições; 91 % não vão a espetáculos de dança; 89 % não frequentam teatro; 74 % não vão ao cinema. Se for verdade que um país se faz com pessoas com conhecimento e sensibilidade, talvez consigamos entender o motivo para que tenhamos tantos indivíduos pouco afeitos à ética, ao diálogo e a partilha.

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