Mal começou o ano e já prospera, com vigor e
desenvoltura, o autoritarismo por meio de palavras e atitudes. Baseado em um
entendimento limitado do que é certo e errado, moral, imoral ou amoral,
aceitável ou inaceitável, há gente que apoia a imbecilidade de que índios sejam
covardemente mortos por desmiolados no meio da rua e famílias sejam dizimadas
por cangaceiros de farda. A continuarmos neste ritmo, passaremos em breve, a
viver períodos obscuros que pensávamos ter deixado para trás.
Tenho percebido que, no fundo, poucos se
importam em compreender e interpretar alguma notícia de jornal ou revista. A
maioria “anda na carona” de quem adora “soltar o verbo”, principalmente nas
redes sociais. Vivemos tempos nos quais algumas lideranças não hesitam em
conectar-se a ódios ancestrais e tabus da idade da pedra. Na maioria das vezes,
a lógica é a do linchamento. Não importa o que aconteceu de verdade. Se o indivíduo
está sendo insultado é porque, segundo o senso comum, deve ser culpado de
alguma coisa.
Durante a Contra Reforma era habitual lançar
ao fogo quem ousasse questionar a interpretação de certos dogmas. Na verdade,
não era a fé e a doutrina que estavam sendo defendidos, mas a manutenção de uma
hegemonia. É sabido que quem detém a interpretação sobre como deve ser a morte,
a vida e, mais importante, a vida após a morte, em geral, é capaz de controlar
o mundo.
É um processo se repete ainda hoje com
pessoas e movimentos que usam a justificativa da ''moralidade'' para atacar
manifestações em desacordo com sua visão de mundo. Os mais inocentes acham que
estão atuando em nome da vontade de Deus ou em defesa das famílias. Os mais
espertos, querem promover sua imagem como ''guardiões dos valores'' para uma
determinada fatia da população. Almejam serem vistos como ''críticos'' para
aumentar a sua capacidade de construir significados e sentidos coletivos.
Com o advento da democracia, o direito ao
pleno exercício do pensamento passou a ser garantido. Todavia, a liberdade de
expressão não é um direito fundamental absoluto, porque não há direitos
absolutos. Não se pode usar a liberdade de expressão, por exemplo, para forçar
outra pessoa a calar. Ou seja, uma interpretação equivocada acerca das
liberdades individuais, como se elas não tivessem limites e nem demandassem
responsabilidades, tem feito com que alguns grupos ou lideranças se valham da
livre expressão para subverter a própria democracia.
O que a maior parte das pessoas que adotam a
censura ou o controle como modelo de atuação não sabem é que não se mata uma
ideia calando quem a carrega. Uma ideia não pertence a uma única pessoa ou
instituição. Ela é a somatória das experiências de vidas que se alargam pela
razão. Há infinitos exemplos que respaldam esta afirmação. Martin Luther King,
Mahatma Gandhi, Madre Tereza de Calcutá, Nelson Mandela, entre outros. Uma
ideia se multiplica e, com isso, transforma a vida de todos os envolvidos,
mesmo que não seja reconhecida num primeiro momento.
O exercício das liberdades pressupõe
responsabilidade e limites. Quem não consegue conviver de acordo com estes
parâmetros, deveria recolher-se em sua incapacidade de viver em sociedade, e,
de preferência, permanecer no seu cantinho. Quem vive ameaçando e impondo um
discurso movido a ódio e intolerância contra os seus semelhantes, distorce o mundo
e torna o ato de atacar, banal. Pior, alimenta uma legião de
seguidores malucos que acham que tudo só pode ser resolvido na força.
Esquecem que a grande virtude humana nunca foi e nunca será a força, mas o diálogo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário