quarta-feira, 31 de outubro de 2018

VOCAÇÃO

Espero esvair-me diminuto na correnteza suave de algum rio.
Não desejo voltar ao pó, mas transubstanciar-me em águas serenas.
Ouso imaginar que minhas cinzas sejam espalhadas ao vento.

Depois de tanto procurar, espero apenas seguir o curso da corrente,
Eternizar-me despretensioso e calmo para fluir na constância.
Diluído, anseio perpetuar-me nos caminhos altaneiros do porvir.

Em minha ambição derradeira, gostaria de perpetuar a calmaria,
Perenizar a paz no murmúrio das águas solitárias, mas tranquilas,
Falar ao coração para nele fazer morada em sonhos sublimes.

Gostaria tanto de revelar mistérios inefáveis que inquietam meu ser;
Transpor as estranhas angústias de um coração machucado;
Sem receios, recitar anseios que locupletam meu ser.

Como gostaria de não precisar explicar-me a mais ninguém,
Que pessoas soubessem compreender minha alma inquieta,
Calar para sobreviver em meio a tantas tempestades!

Gostaria de ser o rio alegre para aqueles que almejam as alegrias,
O brado triunfante para aqueles que sonham com as vitórias;
Em meu destino, retratar a essência de dias serenos;

Ter a capacidade para decompor lágrimas em esperanças,
Demarcar vivências entre murmúrios e silêncios,
Abraçar no cansaço e nas aflições;

Transformar-me em águas distantes daquilo que rouba a paz;
Nesta ventura inquieta, jamais concordar com a indiferença,
Ressuscitar aquilo que me fez sonhar.

Em minha sina definitiva, quero cumprir a vocação do riacho;
Voltar de onde vim no insinuante encanto original,
Desfazer-me em regato perene e imortal.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

MINHA CONFISSÃO DE FÉ

Sou a favor da liberdade democrática. Creio que entre diferentes modelos, nenhum consegue superar a democracia. Defendo, pois, o Estado de direito. Nunca serei a favor de qualquer movimento que subverta a soberania popular. Coloco-me ao lado daqueles e daquelas que defendem a causa dos mais humildes, das minorias e dos refugiados com base na nossa lei maior - a constituição.
Sempre fui e continuarei sendo a favor da vida. Creio na dignidade de homens e mulheres, independente da cor de sua pele, da sua origem étnica, do seu status social, da sua religião ou de sua escolaridade. Com base nos valores que norteiam minha caminhada e no meu testemunho de fé, seguirei defendendo o diálogo e o bom senso como virtudes humanas inalienáveis.
Jamais seria contrário ao que é justo ou verdadeiro. Sigo acreditando que Deus não concorda com as mazelas sociais e nem com as desventuras da mesquinhez e do fanatismo. Sonho com um tempo onde as leis sejam orientadas para assegurar os direitos de quem mais precisa e não para proteger privilegiados.
Seguirei acreditando na equidade como a melhor maneira de promover a paz. Percebo que é por conta da má gestão dos recursos que meninos e meninas são jogados no colo do traficante, tendo a esperança aniquilada e os sonhos, desmantelados. Sinto-me ultrajado quando vejo que neste país se gasta muito para sustentar burocratas e se vira as costas para tantas creches, tantas escolas e tantos hospitais.
Creio, verdadeiramente, em um Estado laico capaz de rejeitar a tutela de qualquer religião acima de sua Constituição. Recuso-me a aceitar que alguma instituição religiosa me imponha certos preceitos, pois a liberdade de escolha ou adesão é dos princípios, o mais belo. Acredito no poder da gentileza e na partilha do abraço e da ternura como pedras fundamentais de uma vivência profunda.
Seguirei o imperativo de homens e mulheres cuja história foi marcada pela cordialidade e o bem nas palavras e ações: Martin Luther King, Mahatma Ghandi, Nelson Mandela, Desmond Tutu, Malala Yousafzai. Confio na afirmação bíblica de que “os mansos herdarão a terra” e na promessa de que “os pacificadores serão chamados filhos de Deus”. Por isso, alimento o meu espírito com a promessa de que “serão fartos todos os que têm fome e sede de justiça”.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

SAL DA TERRA E LUZ DO MUNDO

No século VI, o papa Gregório afirmou que existiam dois tipos de idolatria: a mais banal supunha a adoração a falsos deuses. A outra, mais sofisticada e conhecida, era adorar a Deus, porém de uma maneira falsa. Na Bíblia, os profetas denunciaram essa religião dos sacerdotes. Protestavam afirmando que Deus chamava o povo a viver a fé baseada na justiça e no cuidado da vida dos mais necessitados. Jesus, conforme os evangelhos, quando ia ao templo era para ensinar e não para oferecer sacrifícios. Por isso, foi perseguido pelos religiosos da sua religião e foi entregue aos romanos pelos sacerdotes que pediam: Crucifica-o!

Na sua história, muitas vezes, as Igrejas substituíram a religião do templo, mas, por outro lado, também aprimoraram os rituais baseados no poder sagrado e sem uma relação mais estreita com a justiça. Durante séculos a Igreja aceitou a escravidão, concordou com as guerras, fortaleceu a colonização para expandir e ter ao seu lado o poder político, sempre acreditando que desta maneira estaria agradando a Deus. Embora muitos líderes religiosos ainda pensem e se comportem assim, essa não é uma postura oficial.

Infelizmente, o que tenho visto nos dias atuais, são grupos que herdaram da velha Cristandade o que ela tinha de pior. Agora têm como projeto criar um Brasil que possa se declarar “Por Deus”. Foi esse tipo de religião que entregou Jesus à morte. Foram estes que queimaram na fogueira Joana d’Arc. Foi assim que aconteceram a inquisição e as cruzadas com milhares de pessoas sendo massacradas em nome de Deus. É preciso retomar o espírito do Evangelho e ter coragem de rejeitar a imagem de um Deus que jamais seria a favor da força, mas do amor. De um mundo justo e fraterno, da paz e da comunhão.

Quem somos nós para encorajar o que contraria frontalmente a sua vontade? Sei que muitos alegarão que tudo não passa de manipulação da mídia, mas basta ter um pouco de discernimento para perceber que o sangue de toda uma geração poderá cair em nossas mãos! Um dia, teremos que prestar contas. Não compete a um pastor dizer a quem o seu rebanho deve apoiar, mas compete instruir para que saiba reconhecer os riscos por trás de todo discurso de ódio e intolerância.

Eu não quero um país governado por apenas um grupo, por apenas uma cultura ou por apenas uma crença. Eu não quero que me seja imposta uma agenda que desconsidere as diferenças sociais, culturais, políticas e religiosas, pois isso nunca foi e nunca será uma sociedade livre e democrática. Eu não quero ser comandado por gente interessada em suspender a ordem em nome da segurança e de meter o Brasil num perigoso caminho sem volta.

domingo, 7 de outubro de 2018

OS EXTREMISMOS E AS INTOLERÂNCIAS NOSSAS DE CADA DIA!

O consagrado historiador britânico Eric Hobsbawn denominou como a Era dos Extremos o período compreendido entre o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, e o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1991. Foi nesse espaço de tempo que o planeta viu uma guerra explodir na Europa, o comunismo surgir como sistema de governo, o fascismo ganhar corpo e, unido ao seu irmão mais cruel, o nazismo, arrastar o mundo ao seu maior conflito armado de todos os tempos, com o ódio político, religioso e racial em um nível inimaginável.

A civilização conheceu os campos de concentração e as câmaras de gás. Assistiu ao que a genialidade da mente humana, somada ao insano desejo de poder, é capaz de fazer quando as bombas atômicas devastaram Hiroshima e Nagasaki. Ditadores sanguinários, genocídios, perseguições. Stalin, Mussolini, Hitler, Franco, Pinochet, Videla, Sadam, Bin Laden, Bush. Todos eles governaram nessa era dos extremos onde o diferente sempre foi visto como um inimigo a ser aniquilado.

O terrorismo de cunho religioso, com cabeças sendo decepadas em frente às câmeras, trouxe um novo elemento para este cenário. Com as redes de comunicação e, mais recentemente, das redes sociais, as demonstrações de ódio, intolerância, desrespeito e extremismo tiveram seu alcance ampliado. Ataques, insinuações, difamações, mentiras. Xenofobia, homofobia, machismo, racismo, divergências políticas e ideológicas. Esses são apenas alguns dos ingredientes neste caldo de gosto amargo e muito perigoso no qual estamos mergulhados.

Se a coisa já era, por si só, perigosa, a eleição de Trump nos Estados Unidos foi um passo a mais em direção ao recrudescimento da intolerância. De certo modo, Trump é o retrato de um cenário no qual não há nenhuma disposição para a conciliação, mas, para o confronto e o desrespeito ao diferente. As consequências desse processo de desumanização das relações ainda são vistas em seu estado embrionário. E, mesmo neste estágio, percebe-se a criação de um terreno fértil no qual brotam conflitos locais, nacionais e até internacionais.

O extremismo não é filho do século passado. Os grandes impérios da história se ergueram sob o fio da espada. Babilônicos, macedônios, persas, romanos, entre outros. Todas as grandes civilizações antigas expandiram a sua influência e se sustentaram à base de muito sangue derramado. No caso dos impérios modernos, a violência cedeu espaço para a exploração econômica. O capitalismo falou mais alto. Não é nenhuma novidade que hoje os Estados Unidos se consolidaram como a maior potência econômica e militar do planeta. Intimidações militares sempre fizeram parte do repertório norte-americano.

O Brasil, o ultimo país do continente a dar fim à escravidão, colhe nos dias atuais os frutos plantados em séculos de exclusão. Historicamente alijados das instâncias de poder, pobres, negros, índios, sofrem com as mais diversas formas de preconceito. A polarização política e cultural vivida de forma tão intensa pelas pessoas hoje, tem como marco a desigualdade social que permeia toda a história brasileira. No fundo, a polarização que ocorre é, em grande medida, entre a defesa de um projeto integração social e um projeto de capital.

Afogados em um cenário de corrupção quase generalizada, o Brasil parece ter atalhado pelos caminhos do caos nas instâncias do poder. Assim, sem enxergar nas instituições políticas uma representatividade, os cidadãos perderam a capacidade de olhar para a política como o caminho para a resolução das dificuldades. Ser político passou a ser visto como um atestado de desonestidade. Vive-se um sentimento de descrédito generalizado.

Não há sigla política que escape, independentemente de sua linha ideológica. A esquerda não presta para quem é de direita, e a direita não presta para quem é de esquerda. Quando a ordem social fica caótica, o resultado é a polarização e a busca por culpados e “salvadores da pátria”. As pessoas começam a omitir-se em suas próprias responsabilidades e escolhem bodes expiatórios. O resultado é uma onda gigantesca de ódio e intolerância.

A história já mostra que este estado de coisas sempre redundou em consequências desastrosas. O caso mais conhecido é o da Alemanha. Um país que se sentia injustiçado pelos acordos de paz e que, por isso, suscitou a sanha em nominar os responsáveis - os judeus, os imigrantes, os comunistas, as minorias e todos que, de algum modo, poderiam representar uma resistência ao regime nazista. Tratava-se de um "outro inconveniente" a ser culpado por aquilo que dificultava uma realização plena.

O relativo pacifismo da sociedade brasileira se origina na submissão e no impedimento de que aqueles que não são beneficiados se organizem e expressem suas demandas. A cordialidade aparente do sujeito desaparece quando o meio que lhe faz colocar a máscara da polidez, a sociedade, não lhe proporciona a proteção e a estabilidade que ele espera. Assim, a bestialidade humana aflora, e a cordialidade dá lugar à sede por vingança. De preferência, no âmbito público.

A fragilidade de nossas instituições e a descrença na capacidade do Estado em cumprir o seu papel como regulador das práticas sociais, gera o sentimento de que algo precisa ser feito e com urgência; se as instâncias que deveriam zelar pela ordem não o fazem, alguém precisa tomar as rédeas. Onde não há justiça, reina a vingança. Ampliam-se os caminhos para a intolerância, o medo e a insensatez.

Este ambiente de incertezas que o Brasil vive acaba sendo uma fotografia daquilo que faz parte do cotidiano. É gente que bate-boca nas redes sociais, que difunde mentiras e que ao ofender o outro ainda é aplaudida. É o policial que quebra o cassetete na cabeça de algum estudante e passa a ser visto como herói. É, também, por óbvio, o político que tudo promete, mas que ao longo de sua história nada fez pela população. Quando não há mais espaço para o diálogo ou o respeito para com o diferente, quando o impulso se sobrepõe à racionalidade e as leis, já não basta estar alerta, é preciso que algo mais seja feito.