sexta-feira, 26 de março de 2021

Teorias da Conspiração

Especialistas em diferentes áreas do conhecimento explicam que a terra é redonda; que o ser humano realmente chegou à Lua; que as vacinas são seguras e que a pandemia do Covid-19 é uma doença letal. Contudo, para alguns, nada disso parece ser suficiente. Os mitos e as falácias persistem independentes da ciência e de qualquer lógica.

Quem acredita em teorias conspiratórias, no fundo, apenas confirma as “suas próprias verdades”. O fato de cientistas e pesquisadores contestarem muitas destas ideias, acaba suscitando, para essas pessoas, o imaginário de que existiria uma conspiração oculta e maligna para esconder certas verdades. Sobretudo os professores e as universidades seriam parte de uma nova ordem global com objetivos obscuros.

De acordo com o pesquisador estadunidense, Michael Barkun, teorias da conspiração são explicações sobre eventos baseadas na crença de que as organizações sociais, políticas e religiosas, principalmente nos dias atuais, seriam formadas por grupos sempre dispostos a agir de maneira secreta com o intuito de alcançar fins danosos à humanidade. Nada aconteceria acidentalmente; nada é o que parece ser; tudo estaria ligado de forma oculta. O que estaria no bojo desta nova ordem seria o resultado de intenções ou vontades diabólicas.

Em geral, as teorias da conspiração supõe que por trás de cada decisão humana haveria uma ação dissimulada e maligna de indivíduos e grupos que lutam para dominar o mundo. São princípios que se baseiam na ideia religiosa de que a realidade é orientada por uma eterna luta entre o bem e o mal. Trata-se, pois, de entendimentos que se consolidam por meio de discursos de ódio contra determinados segmentos, transformando-os em bodes expiatórios, sob a alegação de que estes buscam dominar o mundo ou conspiram para conquistá-lo.

As teorias da conspiração adquirem maior visibilidade no século passado, especialmente no meio da Segunda Grande Guerra, quando Hitler e seus aliados engendram meios para justificar a perseguição e o extermínio de milhões de pessoas. À época, a justificativa para a retaliação das massas foi uma pretensa conspiração judaica orquestrada também por grupos comunistas, imigrantes e homossexuais. A crise da sociedade alemã se encontrava diretamente ligada a estes setores. Justificava-se, portanto, o extermínio ou “limpeza” para que o progresso pudesse se concretizar.

No Brasil, nos últimos anos, infinitas teorias conspiratórias tem no ideólogo Olavo de Carvalho um de seus principais protagonistas. Entre tantos situações, o que se observa, por exemplo, são defensores de movimentos como “Escola sem Partido” (ESP) e “Ideologia de Gênero” se dedicando a atacar a obra de Paulo Freire, professores e Universidades, a partir de uma base ideológica conhecida como “marxismo cultural”. Até agora, parecem não ter conseguido muito êxito em mudar a legislação, mas, invariavelmente, vem contaminando o ambiente educacional brasileiro, contribuindo para que, cada vez mais, educadores tenham se tornado alvo de discursos de ódio que chegam, não raro, a convergir para agressões verbais e físicas. Professor é o doutrinador, desvirtuador, o inimigo. Se não é possível exterminá-los, devem ser mantidos sob constante pressão e vigilância.

Hoje as notícias falsas veiculadas nas mídias sociais ajudam a divulgar de maneira ampla e quase irrestrita muitas teorias conspiratórias. Algumas, inclusive, sendo socialmente disseminadas como notícias e recebidas como explicações legítimas sobre eventos os mais diversos. A importância crescente das fake news no debate público atual ajuda a criar um ambiente propício à disseminação e à aceitação das teorias conspiratórias como uma explicação legítima. Em tempos de pandemia, há quem afirme, sem titubear, por exemplo, que o vírus tenha sido criado de forma deliberada em laboratório pelos chineses com o propósito de alcançar objetivos escusos.

Vivemos, no século XXI, o aprofundamento da crise nas democracias representativas. Com a popularização da Internet e o crescimento das redes sociais, a precarização do trabalho, a falta de expectativas para a superação dos dilemas políticos, econômicos e sociais, o que se vislumbra é um ambiente de deterioração do diálogo construtivo em prol do bem comum. As teorias conspiratórias se tornaram uma parte importante do senso comum. Vale aquilo que EU acho, quero e acredito! Os outros que se danem!

quarta-feira, 17 de março de 2021

SEM LIMITES E SEM VERGONHA

A falta de limites no Brasil não nasceu da noite para o dia. É preciso um ambiente de muita perversão política para que se tome discurso de ódio por “liberdade de expressão” e promoção da desordem autoritária por exercício da democracia. É preciso compreender que existe um elemento essencial e fundante para que o ódio à democracia ganhe forma institucional: o olhar complacente do sistema judiciário, um Congresso de costas para o povo e a grande mídia papagaiando sobre as tais benesses do “livre mercado”. São esses mesmos setores que se dizem surpresos e até arrependidos quando a perversidade e o discurso do ódio vai tomando conta em episódios como de um certo deputado defendendo sandices em relação a mais alta corte de justiça do país.

Para não ser compreendido de forma equivocada, importa que sejamos capazes de perceber que, para nós, os brasileiros, se a democracia formal não é usual, o que se deveria dizer sobre as circunstâncias de uma pretensa “cultura democrática”? É certo que vamos convivendo, dia após dia, não apenas com a violência e o autoritarismo, mas, sobretudo, com discursos que tratam de normalizar a violência por parte de políticos lacaios e apresentadores de programas pinga-sangue de televisão que pregam o assassinato, a tortura e a eliminação do outro. Uma espécie de violência purificadora por meio de insultos e muita agressividade.

A crise sanitária, econômica, institucional e política na qual nos encontramos mergulhados até o pescoço, faz com que gestos de violência, intolerância e ódio - uma das características históricas da identidade Brasileira - se tornem, ainda mais letais, do que costumam ser. Se o país vai sendo forjado nesta lógica de buscar meios para matar e desorganizar o seu povo é bastante óbvio que também não venha a cogitar certos limites para tal e, por extensão, o imperativo da necessária vergonha diante de situação tão absurda vai pro brejo.

O Brasil das elites e de seus abjetos privilégios não tem qualquer embaraço ou vergonha de odiar o seus próprios irmãos e irmãs de caminhada. Se o sujeito for pobre, negro ou indígena, pior ainda. O país não perece sentir vergonha ou ter melindres em propor o fechamento de um Congresso a partir de quem, efetivamente, deveria ter o necessário discernimento para legislar. Como compreender que alguém que tenha recebido a confiança da população ao ser eleito, depois, venha com um discurso absurdo de banimento da própria instituição para a qual tenha sido escolhido? Os psiquiatras, no Brasil, definitivamente, não parecem ter vida fácil.

Este país não nunca teve vergonha em perseguir quem pensa diferente ou que ousa questionar a lógica perversa que nos constitui a séculos. Se persegue juízes, mas, não raro, há também aqueles juízes que cumprem a tarefa de perseguir. O país pouco aprende com as suas desventuras e nunca teve a vergonha que deveria sentir acerca da famigerada tortura que fez e faz parte da nossa história.

O Brasil não tem vergonha de ter um presidente que vem entregando o seu povo a própria sorte durante uma pandemia sem precedentes. O mesmo que enquanto parlamentar, por quase três décadas, inúmeras vezes, louvou torturadores dentro da Casa do Povo. O Brasil já perdeu o seu rumo, seus limites e a vergonha, faz tempo!

segunda-feira, 8 de março de 2021

O Paradoxo da Tolerância

A democracia deve tolerar os intolerantes? A 'liberdade de expressão' a eles conferida, permitindo-lhes disseminar ideias antidemocráticas, pode levar ao desaparecimento da democracia? Estas e outras perguntas tem a ver com o chamado 'paradoxo da tolerância'. Um conceito criado pelo filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994). As ideias de Popper acabaram sendo bastante lembradas após a polêmica em torno da prisão do deputado Daniel Silveira, depois do mesmo publicar um vídeo em que ofende e ameaça ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), além de fazer apologia ao AI-5 (Ato Institucional nº 5).

Não deixa de ser irônico que, em sua defesa, o deputado tenha defendido, por meio de seu advogado, que estaria sendo vítima de um "violento ataque à liberdade de expressão". Agora, a sua liberdade dependia, justamente, da decisão da mesma instituição que ele, outrora, havia imaginado que melhor seria se pudesse ser fechada.

O paradoxo da tolerância foi descrito por Popper em seu livro - A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos. Nele, é apresentada a ideia de que, em um grupo ou confederação de pessoas, a tolerância ilimitada leva, paradoxalmente, ao desaparecimento da tolerância. Para o filósofo, não se trata de proibir que ideias intolerantes tomem forma, mas, que elas possam ser combatidas por argumentos racionais e que impactam no bem da coletividade. Manifestações preconceituosas ou violentas, por exemplo, precisam ser toleradas até um certo limite. Se assim não for, a própria liberdade de manifestação poderia estar ameaçada e até sofrer a restrição de algum grupo dominante.

Popper postula que a tolerância ilimitada levaria ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes podem, em última análise, serem destruídos. Nada mais correto, portanto, que, em nome da tolerância, reivindicar o direito de não tolerar aqueles que são intolerantes por meio dos rigores da lei e da ordem.

A questão que parece se colocar no horizonte diante de fatos tão complexos é se a sociedade brasileira seria capaz de aceitar que a liberdade de expressão e a democracia sejam utilizadas para o cometimento de crimes que, de uma certa maneira, são crimes que colocam fim à liberdade de expressão e a própria democracia. O direito individual como no caso da liberdade de expressão jamais deveria servir de salvaguarda para a prática de atos ilícitos. Uma sociedade que deseja ser plural, informada e livre, deve facultar o conhecimento necessário para que o respeito mútuo e a tolerância sejam vivenciados, não apenas no plano formal, mas, sobretudo, nas interlocuções do dia a dia.

Ao longo da história da humanidade, grupos dominantes tentaram silenciar, ridicularizar, desqualificar e até aniquilar indivíduos pelos mais diversos motivos. Qual seria, pois, o pressuposto aceitável para convencer outras pessoas acerca das nossas próprias convicções? Um dos caminhos continua sendo o diálogo. A possibilidade de que o outro exercite o seu discernimento para compor a sua própria visão de mundo com base naquilo que lhe é transmitido levando em conta o bem comum. A outra maneira, como observado por Popper, é a defesa incondicional de apenas um ponto de vista por meio da força ou do medo. O resultado é que o outro não seja convencido por meio de argumentos racionais ou lógicos, mas, que este se submeta a alguém mais forte ou violento.

A prisão do deputado Daniel Silveira mostra de maneira clara que a democracia no Brasil vive o paradoxo da tolerância. Assim, se a sociedade for tolerante em demasia com aqueles que pregam a intolerância, por óbvio, haverá de prevalecer a própria intolerância. Fica, pois, a pergunta de como se deve lidar com pessoas que, a exemplo do deputado, reiteradamente, desafiam a ordem democrática, ofendendo, incitando e pregando a violência contra pessoas e instituições?