segunda-feira, 8 de março de 2021

O Paradoxo da Tolerância

A democracia deve tolerar os intolerantes? A 'liberdade de expressão' a eles conferida, permitindo-lhes disseminar ideias antidemocráticas, pode levar ao desaparecimento da democracia? Estas e outras perguntas tem a ver com o chamado 'paradoxo da tolerância'. Um conceito criado pelo filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994). As ideias de Popper acabaram sendo bastante lembradas após a polêmica em torno da prisão do deputado Daniel Silveira, depois do mesmo publicar um vídeo em que ofende e ameaça ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), além de fazer apologia ao AI-5 (Ato Institucional nº 5).

Não deixa de ser irônico que, em sua defesa, o deputado tenha defendido, por meio de seu advogado, que estaria sendo vítima de um "violento ataque à liberdade de expressão". Agora, a sua liberdade dependia, justamente, da decisão da mesma instituição que ele, outrora, havia imaginado que melhor seria se pudesse ser fechada.

O paradoxo da tolerância foi descrito por Popper em seu livro - A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos. Nele, é apresentada a ideia de que, em um grupo ou confederação de pessoas, a tolerância ilimitada leva, paradoxalmente, ao desaparecimento da tolerância. Para o filósofo, não se trata de proibir que ideias intolerantes tomem forma, mas, que elas possam ser combatidas por argumentos racionais e que impactam no bem da coletividade. Manifestações preconceituosas ou violentas, por exemplo, precisam ser toleradas até um certo limite. Se assim não for, a própria liberdade de manifestação poderia estar ameaçada e até sofrer a restrição de algum grupo dominante.

Popper postula que a tolerância ilimitada levaria ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes podem, em última análise, serem destruídos. Nada mais correto, portanto, que, em nome da tolerância, reivindicar o direito de não tolerar aqueles que são intolerantes por meio dos rigores da lei e da ordem.

A questão que parece se colocar no horizonte diante de fatos tão complexos é se a sociedade brasileira seria capaz de aceitar que a liberdade de expressão e a democracia sejam utilizadas para o cometimento de crimes que, de uma certa maneira, são crimes que colocam fim à liberdade de expressão e a própria democracia. O direito individual como no caso da liberdade de expressão jamais deveria servir de salvaguarda para a prática de atos ilícitos. Uma sociedade que deseja ser plural, informada e livre, deve facultar o conhecimento necessário para que o respeito mútuo e a tolerância sejam vivenciados, não apenas no plano formal, mas, sobretudo, nas interlocuções do dia a dia.

Ao longo da história da humanidade, grupos dominantes tentaram silenciar, ridicularizar, desqualificar e até aniquilar indivíduos pelos mais diversos motivos. Qual seria, pois, o pressuposto aceitável para convencer outras pessoas acerca das nossas próprias convicções? Um dos caminhos continua sendo o diálogo. A possibilidade de que o outro exercite o seu discernimento para compor a sua própria visão de mundo com base naquilo que lhe é transmitido levando em conta o bem comum. A outra maneira, como observado por Popper, é a defesa incondicional de apenas um ponto de vista por meio da força ou do medo. O resultado é que o outro não seja convencido por meio de argumentos racionais ou lógicos, mas, que este se submeta a alguém mais forte ou violento.

A prisão do deputado Daniel Silveira mostra de maneira clara que a democracia no Brasil vive o paradoxo da tolerância. Assim, se a sociedade for tolerante em demasia com aqueles que pregam a intolerância, por óbvio, haverá de prevalecer a própria intolerância. Fica, pois, a pergunta de como se deve lidar com pessoas que, a exemplo do deputado, reiteradamente, desafiam a ordem democrática, ofendendo, incitando e pregando a violência contra pessoas e instituições?

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