quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

O PENSAMENTO CRÍTICO

Estamos vivendo tempos obscuros e estranhos. Não sei bem se é um retrocesso porque, afinal, a história não pode ser parada para se fazer um exame isento e científico, mas, entre as múltiplas questões que surgem, uma das mais graves é voltada à educação. O espantalho da “doutrinação” dos alunos por professores é um pretexto para a criminalização do pensamento crítico em sala de aula, frustrando o objetivo pedagógico de produzir cidadãos e cidadãs capazes de refletir de forma autônoma e respeitar às diferenças.

Parte-se de uma enganosa premissa de que o debate não é algo bom. Que possíveis diferenças individuais ou coletivas, não contribuem para uma educação que tenha a ver com a transformação do mundo e da vida. Em seu lugar, voltamos à ultrapassada compreensão de uma educação limitada à transmissão de “conteúdos”, dos quais o professor é um mero repetidor e o aluno, uma espécie de receptáculo passivo. Uma folha em branco. A tentativa de acentuar a ideia de que o ensino seria “acrítico” ou “neutro”, na verdade, tem mais a ver com a naturalização de um mundo aparentemente sem contradições.

São diversos projetos em tramitação nas esferas do Executivo e do Legislativo movidos pela ladainha da doutrinação. Imagina-se que escolas e universidades tenham se tornado centros de difusão de pautas marxistas. Trata-se de uma paranoia de quem, muito provavelmente, pouco ou nada tem a ver com o dia a dia das escolas ou universidades. Gente que prefere acreditar em fantasias e atacar figuras como Paulo Freire ou Rubem Alves. Pessoas que, bem se sabe, contribuíram de forma incondicional para um mundo melhor através da educação.

É preciso compreender que toda vez que alguma escola ou universidade se desloca, um pouco que seja, do seu papel de apenas reproduzir a ordem vigente, logo, se erguem bandeiras acerca de uma suposta “doutrinação”. A manobra é sempre a mesma. Fala-se contra as ideologias, mas, não se reconhece que esta opção também parte de uma “verdade” incapaz de perceber processos históricos, conflitos sociais, ganhadores ou perdedores. A tal “neutralidade” do discurso é um elemento de perpetuação das injustiças e também uma maneira de bloquear qualquer mudança para que todos vivam num mundo melhor.

Na atual ofensiva parecem existir dois alvos evidentes. O ódio ao marxismo e, de modo mais amplo, a qualquer forma de questionamento às desigualdades. Tudo isso sendo sustentado por uma leitura delirante das teorias de Gramsci difundidas por um lunático, auto proclamado filósofo, chamado Olavo de Carvalho. Na sua teoria esdrúxula, sem pé e nem cabeça, existiria uma luta pela produção de sentido no mundo a partir de um plano diabólico de lavagem cerebral das multidões.

Ao lado da ameaça que a emancipação feminina e a conquista dos direitos de minorias representa há, entrementes, também um exacerbado fundamentalismo religioso com claras demonstrações de oportunismo político. Ao deslocar o apelo dos conflito para as questões “morais” um significativo grupo das lideranças políticas e religiosas, se coloca em sintonia com uma parcela da população. Esta defesa da soberania familiar, tradicional, como protagonista de direitos irredutíveis, é o que, grosso modo, fundamenta o senso comum.

Resta, portanto, um questionamento primordial ao debate nestes tempos de insensatez e profunda incapacidade para o diálogo: Se a “neutralidade” não existe, uma vez que toda produção de conhecimento parte de um lugar social específico, o que seria o contrário de doutrinação? Para mim, é justamente o pensamento crítico, aquele que permite que os estudantes não sejam objetos, mas, sujeitos da aprendizagem, refletindo sobre os conteúdos e construindo suas próprias percepções, no diálogo com professores, colegas e o mundo. Lamentavelmente, parece ser o pensamento crítico que assusta.