sexta-feira, 30 de novembro de 2018

PINTOR SEM PINCEL

As escolas e universidades deveriam ser espaços de convivência sempre abertos ao debate de ideias e em diálogo com as mais diversas correntes do pensamento. Temo que nossa educação esteja caminhando para um lugar no qual não possa mais ser exercitada de forma inclusiva, plural, laica, respeitosa e democrática.

A LDB, para quem não conhece - a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - é o que garante a autonomia administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino, nos estados, municípios, e também, no âmbito universitário. Tenho visto com muita preocupação que se pretenda impor certos conteúdos e também recursos didáticos a serem utilizados pelas instituições de ensino. Tal atitude desconsidera, por completo, a estrutura da Educação consolidada no decorrer de muitas décadas de debates e construção coletiva.

O problema da educação brasileira não se resolve impondo ideologias ou “verdades” aos professores e estudantes, mas, fortalecendo a democracia nas escolas, valorizando os docentes e incentivando a formação continuada. É inacreditável ver e ouvir gente que, por ignorância, “cegueira” ou indiferença, alardeia bobagens sem eira e nem beira.

A liberdade acadêmica tem o objetivo de resguardar o avanço tecnológico, cultural e científico, protegendo a liberdade de pesquisa, de discussão, de ensino, de publicação e de propagação de conteúdos dentro e fora da sala de aula. É a liberdade acadêmica que vai alavancar a liberdade de expressão do aluno na condição de sujeito crítico, pensante e participante do processo educacional e social.

Ao longo de minha jornada tive o privilégio de conhecer dezenas de escolas, conviver com muitos professores e dialogar com centenas de discentes. O que encontrei, não raras vezes, foi desolador. Turmas gigantescas, infraestrutura precária, material didático pago do próprio bolso por quem ensina. Professores que perambulam por duas, três, quatro ou mais escolas. Num vai e vem infinito sem intervalos e nem tempo para uma refeição decente.

Não importa a matéria em questão, o roteiro é sempre o mesmo. Montanhas de provas, atividades e trabalhos. Há momentos onde os professores mais se parecem com zumbis. Não têm noites de sono tranquilo e nem finais de semana sem tarefas para cumprir. A rotina de preparar aulas, elaborar trabalhos, exercícios, provas e planejamentos parece nunca terminar. É claro, para quem não vive esta realidade e nem conhece as angústias e dificuldades enfrentadas, nada disso faz sentido.

Professor é pau de dar em doido. É maltratado e agredido, mas, mesmo assim, continua. Talvez por teimosia ou, quem sabe, por idealismo. Por isso, pela enorme injustiça com esta gente tão sofrida e injustamente desqualificada, cada qual deveria, pelo menos uma vez na vida, se colocar no chinelo de quem faz da sala de aula uma extensão da sua própria casa. Passar o que eles passam. Ter a mesma garra, a mesma paixão, o mesmo amor pelo que poucos conseguem amar. Perder a voz, a juventude, a energia, mas não desistir do sonho de um mundo melhor.

Gostaria que as pessoas que ficam repetindo essa ladainha de "doutrinação" pudessem colocar os seus pés em alguma sala de aula, participar das reuniões com seus filhos e filhas, conhecer a trágica realidade de nossas escolas públicas, dialogar com quem exercita a sua vocação sem um mínimo de estrutura e condições de trabalho, mas, que, mesmo assim, se esforça em cumprir a sua tarefa da melhor maneira possível. Um professor que busca ser calado é como um pintor que não pode mais usar o seu pincel.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

SER VOZ PROFÉTICA

Alguém já parou para se perguntar sobre o que estaria por trás deste discurso que vem inundando as redes sociais? Há uma onda que parece estar se multiplicando e que suscita velhos rancores. No meio desta avalanche de intolerância, eis que uma voz destoante se faz ouvir pelos quatro cantos do planeta. Não de um pastor como nos dias de Martin Luther King nos Estados Unidos ou Dietrich Bonhoeffer na Alemanha, mas, de um Papa.

Por ironia, justamente o primeiro Papa latino-americano. É ele que, de forma ousada e profética, se levanta contra os que insistem em ressuscitar um discurso que parecia ter sido abandonado. Enquanto isso, uma parcela da igreja que em outros tempos soube estar na vanguarda da luta pelos direitos dos mais fracos, agora, não hesita em se aliar com o que há de mais distante do mandamento de Cristo. Pior, em muitos casos, em nome de um falso moralismo.

Conseguiram a façanha de diluir o Evangelho da graça em um discurso de ódio e intolerância em cada canto. Esqueceram os líderes religiosos que outrora foram perseguidos, torturados, e, alguns até mortos por defender o testemunho bíblico. Será que ser a favor de uma arma na mão de cada indivíduo condiz com o que foi ensinado por Jesus? Os bem-aventurados, como indicado pelo homem da Galileia não seriam mais os pacificadores? Ser pela família abona a conduta de quem é contrário aos direitos coletivos?

Para termos um país que possa se considerar legitimamente democrático e republicano, temos que fortalecer tanto as nossas instituições como a participação popular. Temos que aplicar a lei com vigor a todo ato criminoso de qualquer natureza e praticado por quem quer que seja. Acho crucial que exista também um estado de alerta contra todo e qualquer grupo que pretenda um controle hegemônico ou que queira impor a sua agenda a qualquer custo.

Pessoas com quem pude conviver no decorrer da vida e no cotidiano da igreja, que defendiam a vida, a graça e o amor de Cristo, de uma hora pra outra, passaram a proferir discursos odiosos, agressivos, violentos, fazendo apologia a muitos absurdos. Quando me volto para a Bíblia e vejo o modo como Cristo andou entre nós, como Ele se relacionava com as pessoas, a maneira como exercitava os seus ensinamentos, fico angustiado em ver tanta gente usando o nome de Deus para justificar barbaridades.

É preciso retomar o espírito do Evangelho e ter coragem de rejeitar a imagem de um Deus que jamais seria a favor da força, mas do amor, sem distinções. Jesus era o mestre do amor, o mestre da vida, o mestre da sensibilidade, o mestre inesquecível. Nasceu em uma manjedoura em vez de nascer em um berço de ouro; andou em um jumento, em vez de andar em uma ostensiva carruagem real; foi aquele que conviveu com os pecadores, e não com os que se consideravam “puros” ou “sábios” da época.

O Mestre da Paz soube estender a mão aos mais humildes e nunca se corrompeu com alguma manobra que lhe garantisse o poder. Nunca aprovou a violência. Ao invés de armas, ensinou o amor. Nunca ofendeu, foi preconceituoso ou impôs o seu projeto de vida para a humanidade. Atraía multidões, não pelo temor que suscitava, mas, pela amorosidade, generosidade, compaixão e solidariedade.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

A ESTRADA ESTREITA

Em terra pisada, a vida não germina. No caminho por onde segue a maioria, o chão se enrijece pavimentado pela contenda. Rivalidades empurram as pessoas a desejarem os primeiros lugares e quando todos optam pelo caminho da notoriedade, a disputa amesquinha. Torna-se tão importante ganhar que os Narcisos se odeiam e os Neros desconfiam da própria sombra.

Quem escolhe o caminho menos trilhado, abre mão dos aplausos e dos confetes. Na verdade, as pessoas não invejam as conquistas dos grandes heróis, sequer o preço que pagaram, mas cobiçam os aplausos e a bajulação dos triunfantes. E tudo isso não passa de vaidade, de um nada.

Plutarco escreveu a biografia ufanista de Júlio César. Júlio César talvez tenha sido um dos maiores imperadores de todos os tempos. Seu reinado marcou a história de tal maneira que os sucessores ao trono romano adotaram seu nome. Augusto, Marco Aurélio e todos os demais também queriam ser César. Até imperadores da Rússia passaram a se chamar de Tsar – César em russo – e os germânicos, de Keiser – César em alemão.

Acontece que o próprio Júlio César era insatisfeito consigo mesmo. Ele invejava Alexandre, o Grande. Plutarco narra que certa vez flagrou Júlio César em lágrimas enquanto lia a vida do imperador da Macedônia. Plutarco perguntou o motivo das lágrimas: “Choro não por Alexandre, que morreu tão cedo, mas por mim. Com a minha idade Alexandre já havia conquistado o mundo e eu nada fiz”.

A questão que acaba aparecendo aqui é a seguinte: todos queriam ser iguais a Júlio César, mas ele queria ser como Alexandre. Todavia, o cenário foi ainda pior. O grande Alexandre não era alguém que estava satisfeito consigo mesmo. Também ele queria ser parecido com a imagem ideal de Hércules. Hércules, por sua vez, não existia de verdade, pois era um personagem mitológico.

É preciso entender que o caminho mais usado pode não levar a lugar nenhum. Em geral, é capaz, inclusive, de redundar no inferno da perfeição. Perfeição que cobra das pessoas um padrão que só os personagens mitológicos conseguem alcançar. É, pois, preciso desvencilhar-se desta armadilha que não só fatiga, mas destrói o propósito de qualquer indivíduo por meio das frustrações e da ansiedade.

Tenho para mim que não deveríamos nos sentir diminuídos por não sermos compreendidos naquilo que fazemos ou sonhamos. Jamais imaginar que jogamos nossa vida fora por não termos alcançado as luzes da ribalta. Não vale a pena invejar os que gravaram o nome deles na calçada da fama. Tudo vira pó. A glória humana se dispersa em nada. Convém dedicar-se a construir relacionamentos significativos. Priorizar os encontros despretensiosos. Doar-se sem esperar recompensa.

Importante é poder abrir a sua própria picada. Evitar bitolas, cabrestos, vendas ou algemas. Escrever a sua história sem se preocupar se alguém vai considerá-la digna de ser publicada. Só você conhece o valor de seus momentos. Um dia, como num suspiro, você também verá que havia muitas estradas e que valeu ter viajado pela menos preferida, mesmo que alguns não tenham compreendido tuas escolhas.