sexta-feira, 28 de julho de 2017

Sobre a Indiferença, Democracia e Tirania.



Estamos vivendo tempos que mal nos permitem imaginar o dia de amanhã. As dificuldades e os percalços ampliam as experiências do cotidiano. As pessoas vão se perguntando acerca de qual caminho seguir e, sobretudo, como persistir em meio aos dilemas e vicissitudes que permeiam a jornada. Receio que o controle seja, desde sempre, uma ilusão. No entanto, há uma diferença entre reagir de forma reflexiva, consciente, lógica, e reagir por impulso ou covardia. A reação intempestiva não se orienta pelo discernimento e também não leva em conta aquilo que pode estar no horizonte de quem cruza os nossos caminhos.

Quando tudo parece caótico é preciso exercitar a compaixão. Olhar com atenção, estender a mão, abraçar. São os gestos, as atitudes e a coerência que podem mostrar onde estão as verdades e os valores que valem a pena serem buscados. O afeto, o carinho e a capacidade de compreender o outro para além de nossas prerrogativas são a melhor forma de resistência diante das desventuras que permeiam nossa frágil caminhada. É nos momentos de dificuldade que mais necessitamos de uma ética que seja exercitada nas palavras e nas ações.

Nenhuma barbárie teria sido consumada sem que houvesse apatia, silêncio e indiferença. É aquele silêncio que é ampliado na inveja e insegurança de quem enxerga o outro sendo bem sucedido nos estudos, nos negócios, na vida pessoal. Na vantagem que o comerciante leva ao eliminar a concorrência. No pedido de ajuda negligenciado ou na tarefa escolar que deixou de ser feita por preguiça, mas que é justificada por alguma desculpa esfarrapada. Silenciar, ser indiferente ou mentir, sempre implica em desumanizar o outro.

Se olharmos a situação de nosso país, por exemplo, não deixa de ser esquisito que tenhamos milhares de manifestantes sendo vistos como “vândalos ou baderneiros”. A indiferença com a dificuldade alheia é subjugada pela estratégia de quem busca tirar a legitimidade de manifestações que contrariem os interesses dominantes. Vale a pena cada um se perguntar quem vandaliza o quê neste país antes de começar a chamar o outro de “baderneiro”. Será que uma vidraça despedaçada vale mais do que a dignidade humana? A quem serve este discurso? A expressão evidente do autoritarismo que a maioria aceita e até apoia em alguns casos, são os abusos que sofremos por quem, em última análise, deveria ser porta voz de nossa vontade. O cidadão que não consegue mais exercitar a compaixão, por óbvio, já naturalizou a tirania.

Em tempos onde muitos de nossos líderes políticos encontram-se marcados de forma indelével pelos seus exemplos negativos, o compromisso com a honestidade e a compaixão torna-se ainda mais importante. Honestidade é mais do que não roubar ou embolsar propina. A história ensina que os governos autoritários sempre precisaram de gente obediente e submissa. Por isso, há perguntas que precisam ser feitas na busca por respostas que não são fáceis de encontrar. Convém não sair repetindo tudo o que os outros dizem. Há que se respeitar a própria capacidade de reflexão e discernimento. Perceber a diferença entre o que se quer ouvir e o que, de fato, é verdadeiro. Afinal, ao seguirmos pelos caminhos da indiferença sem perceber os preceitos da democracia, corremos o risco de submissão à tirania.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Paulo Freire e a Educação Libertadora





Para falar de Paulo Freire é preciso amar a vida, querer uma sociedade mais justa, divisar utopias. Só é possível compreendê-lo a partir dos signos da esperança, da ousadia, da coragem para enfrentar as adversidades. Acreditar na integridade, na beleza e no poder de transformação presente em cada ser humano, sobretudo, naqueles e naquelas para quem a vida foi fechando as portas. Ele, como ninguém outro, soube descortinar com maestria a noção de grandeza humana e a nobreza dos sentimentos. Foi um educador ímpar, capaz de amar sem pedir nada em troca. Soube entender que as pessoas, apesar de tanta mesquinhez e maldade, um dia, poderiam ser melhores.

Freire foi um apaixonado pela natureza, pelas paisagens, pela beleza presente em cada pessoa. Acreditava que, às vezes, para entender o “belo” era preciso compreender o “feio”. Durante a sua vida, tentou interpretar as vaidades humanas, na sua manifestação cotidiana, sem desconsiderar as tantas hipocrisias do nosso tempo. Para ele, cada indivíduo era um sujeito inacabado, e, por isso, em constante transformação em cada etapa da vida. Esforçou-se em combater o sectarismo que dividia o mundo em apenas dois lados e abafava a criatividade.

Com a mesma intensidade que combatia o sectarismo, soube tecer a sua crítica aos que defendiam os radicalismos. Aqueles que não se deixavam mudar, que não se deixavam convencer. Aqueles que mesmo errados, insistiam em manter verdades e valores alheios e muito distantes do bem comum. Freire foi um homem comprometido com ideais e com a luta que buscava transformar as pessoas através da aprendizagem. Acreditava que o papel da educação era a transformação social e a construção de um modelo de sociedade no qual houvesse justiça, dignidade e paz.

A obra de Freire sublinha a emancipação dos indivíduos diante das opressões. Um ambiente escolar capaz de considerar as experiências de cada educando de modo a estimular uma nova práxis educacional. Isso, em última análise, sempre lhe rendeu muitas críticas, pois contrariava o modelo de educação vigente. Uma educação sem arestas, que não levava em conta diferenças, desigualdades ou características de cada pessoa. Freire construiu a sua teoria na interação com os sujeitos que não tinham vez e nem voz. Sua ação soube renovar a esperança e espalhar o conhecimento, gerando protagonismo. Como tantos outros, Freire nunca obteve o merecido reconhecimento em seu próprio país.

A proposta de Paulo Freire sempre foi marca pela preocupação com os seres humanos em sua integralidade. Os indivíduos em suas nuances históricas, políticas, econômicas e sociais. Uma educação para além dos muros das escolas ou das salas de aula. Freire, mesmo percorrendo o mundo, detestava as fronteiras, as cercas e a opressão. A sua obra sintetiza o comprometimento com a construção de uma educação que se paute pela realidade sofrida de nosso povo. Um pensamento capaz de enxergar a educação observando o horizonte. Uma educação que colocava o sujeito em primeiro lugar e sempre a serviço do bem, do amor e da paz.