Estamos
vivendo tempos que mal nos permitem imaginar o dia de amanhã. As dificuldades e
os percalços ampliam as experiências do cotidiano. As pessoas vão se
perguntando acerca de qual caminho seguir e, sobretudo, como persistir em meio
aos dilemas e vicissitudes que permeiam a jornada. Receio que o controle seja,
desde sempre, uma ilusão. No entanto, há uma diferença entre reagir de forma
reflexiva, consciente, lógica, e reagir por impulso ou covardia. A reação
intempestiva não se orienta pelo discernimento e também não leva em conta
aquilo que pode estar no horizonte de quem cruza os nossos caminhos.
Quando
tudo parece caótico é preciso exercitar a compaixão. Olhar com atenção,
estender a mão, abraçar. São os gestos, as atitudes e a coerência que podem mostrar
onde estão as verdades e os valores que valem a pena serem buscados. O afeto, o
carinho e a capacidade de compreender o outro para além de nossas prerrogativas
são a melhor forma de resistência diante das desventuras que permeiam nossa
frágil caminhada. É nos momentos de dificuldade que mais necessitamos de uma
ética que seja exercitada nas palavras e nas ações.
Nenhuma
barbárie teria sido consumada sem que houvesse apatia, silêncio e indiferença.
É aquele silêncio que é ampliado na inveja e insegurança de quem enxerga o
outro sendo bem sucedido nos estudos, nos negócios, na vida pessoal. Na
vantagem que o comerciante leva ao eliminar a concorrência. No pedido de ajuda negligenciado
ou na tarefa escolar que deixou de ser feita por preguiça, mas que é justificada
por alguma desculpa esfarrapada. Silenciar, ser indiferente ou mentir, sempre implica
em desumanizar o outro.
Se
olharmos a situação de nosso país, por exemplo, não deixa de ser esquisito que tenhamos
milhares de manifestantes sendo vistos como “vândalos ou baderneiros”. A
indiferença com a dificuldade alheia é subjugada pela estratégia de quem busca
tirar a legitimidade de manifestações que contrariem os interesses dominantes.
Vale a pena cada um se perguntar quem vandaliza o quê neste país antes de
começar a chamar o outro de “baderneiro”. Será que uma vidraça despedaçada vale
mais do que a dignidade humana? A quem serve este discurso? A expressão
evidente do autoritarismo que a maioria aceita e até apoia em alguns casos, são
os abusos que sofremos por quem, em última análise, deveria ser porta voz de
nossa vontade. O cidadão que não consegue mais exercitar a compaixão, por
óbvio, já naturalizou a tirania.
Em
tempos onde muitos de nossos líderes políticos encontram-se marcados de forma
indelével pelos seus exemplos negativos, o compromisso com a honestidade e a
compaixão torna-se ainda mais importante. Honestidade é mais do que não roubar
ou embolsar propina. A história ensina que os governos autoritários sempre precisaram
de gente obediente e submissa. Por isso, há perguntas que precisam ser feitas
na busca por respostas que não são fáceis de encontrar. Convém não sair
repetindo tudo o que os outros dizem. Há que se respeitar a própria capacidade
de reflexão e discernimento. Perceber a diferença entre o que se quer ouvir e o
que, de fato, é verdadeiro. Afinal, ao seguirmos pelos caminhos da indiferença sem
perceber os preceitos da democracia, corremos o risco de submissão à tirania.