O poeta e escritor italiano Dante Alighieri
soube sintetizar com rara perspicácia o significado de quem sempre detesta
tomar partido. De quem gosta ou prefere ficar em cima do muro. Alighieri dizia
que “as regiões mais sombrias do inferno
estão reservadas para aqueles que permanecem neutros em tempos de crise moral”.
Os que gostam de ficar em cima do muro desconhecem a existência de sombras, do
mal e do inferno. Com suas explicações convenientes ignoram as crises morais
que abalam a essência das pessoas e das instituições.
Seguir a neutralidade é condenar-se a
viver sozinho, pois o neutro não é bom para o amigo e nem para o inimigo.
Poucos percebem que os inimigos abominam a covardia e a imoralidade dos que
adoram não tomar partido. Não se sentem seguros de sua honestidade,
inexistente. Até os inimigos do bem e da ética preferem o confronto com quem
declara de que lado está do que com quem, pretensamente, gosta de se colocar
acima do bem e do mal.
O conhecido e respeitado arcebispo sul
africano, Desmond Tutu, prêmio da paz pela sua luta contra o apartheid em seu
país natal, dizia que não havia neutralidade, pois quando a pessoa diz ser
neutra em relação a uma injustiça ou opressão, ela já decidiu apoiar quem
comete injustiças. O maior educador brasileiro, Paulo Freire, por sua vez,
apontou para a desonestidade moral de quem nega com sua posição de cima de
muros a desumanidade do conflito entre opressores que sabotam os oprimidos. “Que é mesmo a
minha neutralidade senão a maneira cômoda, talvez, mas hipócrita, de
esconder minha opção ou meu medo de acusar a injustiça? Lavar as mãos em face
da opressão é reforçar o poder do opressor, é optar por ele.”
Fora da ilusão dos inocentes e da
desonestidade dos hipócritas, não existem muros sobre os quais possamos sentar
ou passear de alma leve. Não tomar partido sempre trouxe consequências
desastrosas para a humanidade. São os “neutros”, mas sempre obedientes às
hierarquias, que multiplicam as conveniências do jogo do poder. É por conta de
gente que fica em cima do muro que ideais fascistas tendem a se alastrar. É por
ter tanta gente legitimando arbitrariedades que os mais fracos sempre são os
que mais sofrem.
Em geral, o indivíduo que gosta de ficar em
cima do muro é aquele que tem certa dificuldade com os sentidos da
solidariedade e da força do pensamento coletivo. O personalismo, a vaidade e o
egoísmo são suas marcas. Ele não suporta quando sua posição é questionada e
estranha quando há pessoas que vivem as consequências de seus ideais para além
do próprio umbigo. É nos conflitos e nas crises que os autênticos se colocam às
claras, mas, por outro lado, é nestas horas que as larguras dos muros que
suportam os alienados e covardes também acabam sendo ampliados.
Receio que, nos últimos tempos, um dos
lugares privilegiados para a imposição desta esdrúxula artimanha seja o âmbito
da educação. Há educadores assumindo sua “neutralidade” reforçando muros que se
tornam proteção para interesses mesquinhos, preconceituosos e fundamentalistas.
Deve-se aos muros destes supostos educadores uma educação formal que vai sendo
aplicada, em grande medida, para multiplicar a competição na qual poucos logram
êxito. Em meio a um conhecimento que deveria ser crítico, construtivo e plural,
é comum vermos centenas matraquearem acerca de verdades e valores que não
buscam subjugar as injustiças ou as arbitrariedades vividas por milhões de
pessoas. Eu pergunto: de que vale o conhecimento se não soubermos colocá-lo a
serviço do bem, do entendimento, da partilha e de uma convivência mais
harmoniosa neste mundo?
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