sexta-feira, 7 de julho de 2017

EM CIMA DO MURO



O poeta e escritor italiano Dante Alighieri soube sintetizar com rara perspicácia o significado de quem sempre detesta tomar partido. De quem gosta ou prefere ficar em cima do muro. Alighieri dizia que “as regiões mais sombrias do inferno estão reservadas para aqueles que permanecem neutros em tempos de crise moral”. Os que gostam de ficar em cima do muro desconhecem a existência de sombras, do mal e do inferno. Com suas explicações convenientes ignoram as crises morais que abalam a essência das pessoas e das instituições.

Seguir a neutralidade é condenar-se a viver sozinho, pois o neutro não é bom para o amigo e nem para o inimigo.  Poucos percebem que os inimigos abominam a covardia e a imoralidade dos que adoram não tomar partido. Não se sentem seguros de sua honestidade, inexistente. Até os inimigos do bem e da ética preferem o confronto com quem declara de que lado está do que com quem, pretensamente, gosta de se colocar acima do bem e do mal.

O conhecido e respeitado arcebispo sul africano, Desmond Tutu, prêmio da paz pela sua luta contra o apartheid em seu país natal, dizia que não havia neutralidade, pois quando a pessoa diz ser neutra em relação a uma injustiça ou opressão, ela já decidiu apoiar quem comete injustiças. O maior educador brasileiro, Paulo Freire, por sua vez, apontou para a desonestidade moral de quem nega com sua posição de cima de muros a desumanidade do conflito entre opressores que sabotam os oprimidos. “Que é mesmo a minha neutralidade senão a maneira cômoda, talvez, mas hipócrita, de esconder minha opção ou meu medo de acusar a injustiça? Lavar as mãos em face da opressão é reforçar o poder do opressor, é optar por ele.”
Fora da ilusão dos inocentes e da desonestidade dos hipócritas, não existem muros sobre os quais possamos sentar ou passear de alma leve. Não tomar partido sempre trouxe consequências desastrosas para a humanidade. São os “neutros”, mas sempre obedientes às hierarquias, que multiplicam as conveniências do jogo do poder. É por conta de gente que fica em cima do muro que ideais fascistas tendem a se alastrar. É por ter tanta gente legitimando arbitrariedades que os mais fracos sempre são os que mais sofrem.

Em geral, o indivíduo que gosta de ficar em cima do muro é aquele que tem certa dificuldade com os sentidos da solidariedade e da força do pensamento coletivo. O personalismo, a vaidade e o egoísmo são suas marcas. Ele não suporta quando sua posição é questionada e estranha quando há pessoas que vivem as consequências de seus ideais para além do próprio umbigo. É nos conflitos e nas crises que os autênticos se colocam às claras, mas, por outro lado, é nestas horas que as larguras dos muros que suportam os alienados e covardes também acabam sendo ampliados.

Receio que, nos últimos tempos, um dos lugares privilegiados para a imposição desta esdrúxula artimanha seja o âmbito da educação. Há educadores assumindo sua “neutralidade” reforçando muros que se tornam proteção para interesses mesquinhos, preconceituosos e fundamentalistas. Deve-se aos muros destes supostos educadores uma educação formal que vai sendo aplicada, em grande medida, para multiplicar a competição na qual poucos logram êxito. Em meio a um conhecimento que deveria ser crítico, construtivo e plural, é comum vermos centenas matraquearem acerca de verdades e valores que não buscam subjugar as injustiças ou as arbitrariedades vividas por milhões de pessoas. Eu pergunto: de que vale o conhecimento se não soubermos colocá-lo a serviço do bem, do entendimento, da partilha e de uma convivência mais harmoniosa neste mundo?

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