Como
e por que a sociedade brasileira foi seguindo em direção a um dos momentos mais
infames de sua história? Este é o meu questionamento e, a partir dele, a minha
singela tentativa de “alargar horizontes” e pautar um caminho que possa servir
para a sua elucidação. Para além do binarismo (a favor ou contra), arrisco
dizer que como o mundo na maioria das vezes acaba sendo exposto em fragmentos, é
preciso partir do principio de que existe uma compreensão que tende a ser personalista,
localizada, confusa, e, neste caso, dependendo do olhar de cada indivíduo,
alinhada com um drama, pesadelo ou novela. Há uma tendência em enxergar as
pessoas, separadas em boas e más, e pouco perceber os "interesses"
que estão por trás de suas escolhas. Contrapor-se a essa leitura superficial
reproduzida na maior parte dos nossos jornais, canais de televisão e internet,
é o propósito desta minha reflexão.
Uma
das questões que não pode, de forma alguma, ser negligenciada na realidade
conjuntural contemporânea tem a ver com o desvelamento dos mecanismos que
permitem à elite ser a "mandante" para articular mudanças nos rumos
políticos do país. É justamente esta pequena elite não mencionada na trama dos
novos conflitos de classe que serve a um pano de fundo para viabilizar a
divisão do país. Esse aspecto me parece fundamental à compreensão das razões da
crise institucional e política vigente. Não se trata de “limpar” aquilo que
está “sujo”, mas a perspectiva de negociar privilégios.
Para
mim, o esclarecimento de qualquer situação dos dias atuais depende da
reconstrução de sua perspectiva histórica. O presente não se explica por ele
mesmo sem que o passado nos desvende a sua origem. É por não compreendemos com
profundidade aquilo que aconteceu no Brasil no passado que agora presenciamos o
cinismo e as extravagâncias jurídicas garantindo os interesses mesquinhos. Sem uma
autocrítica embasada, racional, destituída de falsos moralismos, seremos
incapazes de perceber os mecanismos que nos controlam e manipulam. Pior, sequer
conseguiremos dispor de meios adequados para nos defendermos diante das tantas artimanhas
que invadem nossos lares todos os dias através da cultura midiática.
Esta
realidade na qual uma meia dúzia vislumbra apenas regalias tem feito com que as
pessoas se sintam tolas. Com um discurso de combate a corrupção, no fundo, o
que vale mesmo é a seletividade. Mal se consegue definir com clareza o que vem
a ser a corrupção? Na maioria das cabeças é apenas o agente do Estado que deve ser
punido por esse tipo de crime. Este, por sua vez, serve a uma construção
arbitrária daquilo que o inimigo político faz. Dentre tantos absurdos, um dos
maiores talvez seja o de identificar a corrupção apenas como um sinônimo da
vida pública. A corrupção, bem sabemos, está entranhada e, talvez até com maior
desenvoltura na iniciativa privada.
Uma
das questões que também precisa ser observada é que em todas as mudanças
governamentais abruptas em nosso país, sempre a corrupção foi uma espécie de
referência incondicional. Talvez por ser um tema conhecido e que se presta, sem
grande esforço, a apontar contra “inimigos” políticos de ocasião. A percepção
de um jogo de cena numa descarada farsa que aliada a pouca coerência dos
personagens da vida política são, portanto, imprescindíveis para mostrar como
até a história do Brasil pode ser distorcida quando se pretende “um lugar ao
sol”.
A
elite do dinheiro é a elite financeira. Aquela que comanda os grandes bancos e os
fundos de investimento. É aquela que se associa com a fração das grandes
corporações da indústria e do comércio. Aquela que busca “vender” uma
conjuntura catastrófica para depois poder assaltar o nosso bolso e abocanhar os
recursos pouco importando o destino do país. São eles que ganham com as taxas
de juros exorbitantes, mas é a imensa maioria do povo que arca com as
consequências. Isso, obviamente, não aparece na maioria dos telejornais, pois
são estes personagens da elite econômica que pagam, direta ou indiretamente, a
apropriação descarada e indevida ao bolso de toda uma coletividade.
Um
aspecto muito importante neste emaranhado é considerar que a exploração
material de todo um povo só é possível com a colonização de seu espírito e de
sua capacidade para refletir criticamente. É estratégico e serve para quem dita
as regras do jogo esta falta de discernimento. Senão, como explicar e entender que
o próprio povo legitime desvirtuações, oportunismos, conchavos e, pior, ações contrárias
aos seus interesses e, sob o pretexto de combater a corrupção, se acorde num
determinado dia com um sindicato de ladrões mandando no país? Esta mistura de questões
tem muito a ver com as contradições que o Brasil sempre viveu. São elas que
possibilitam compreender, em grande medida, as razões do(s) oportunismos(s), do
ódio e das tantas mentiras.
Diante
do quadro que vivemos, há que ser observada a ambiguidade de todo o complexo
jurídico brasileiro. Ouso afirmar que "os de toga" também assaltam o
país com seus salários nababescos e vantagens absurdas. A relação entre o gasto
da máquina judiciária e o PIB nacional no Brasil é singular se comparado a
outros países. No Brasil gasta-se, comparativamente, cerca de seis vezes a mais
que os EUA com o poder judiciário. No entanto, isso não implica em seis vezes
mais eficiência na administração da justiça. Muito pelo contrário.
Não
é preciso muita perspicácia para perceber o gasto com construções faraônicas,
garantias adicionais e indenizações desmedidas, (auxílio moradia, alimentação,
educação, creche, etc,) pouca transparência, privilégios corporativos e
chantagem política. O recente aumento de 41% em salários já muito acima do
padrão revela o tamanho do descolamento deste grupo em relação ao restante da
sociedade. Por isso seus interesses se ligam à reprodução, e não a critica dos
privilégios injustos. Vantagens corporativas e estratégias políticas são
encobertas sob a farsa de "guardião da moralidade pública", montada
para os tolos.
Ouso
dizer que é fácil juntar pessoas em torno de algo mediado pelo senso comum.
Difícil mesmo é dividir as responsabilidades. Esse talvez seja o momento que
vivemos agora. O que fazer com aquilo que se consolida a revelia da soberania
popular? A luta entre protagonistas políticos e operadores do direito diante do
legado da mudança? Como sempre, não se fala em reforma
política, mas em reforma da previdência, pois esta, inevitavelmente, atinge a
quem foi e continuará sendo o mais onerado neste país – o povo mais simples e
vulnerável. Enquanto isso, continuamos a ver e a ouvir a grande mídia
divulgando a corrupção e dando a entender que ela é de apenas alguns políticos
confinados a um determinado partido. Talvez seja justamente esta mídia a maior
inimiga de qualquer ordem democrática.
É
preciso desvelar a grande hipocrisia no que tange a "refundação moral do
Brasil" e perceber os interesses mesquinhos inseridos nesta realidade.
Qualquer cidadão ou cidadã preocupado com um país melhor deveria primeiro
dar-se conta desta complexa articulação de interesses sempre encobertos e nunca
admitidos. Buscar um maior embasamento diante daquilo que vivemos, vimos e
ouvimos, pode nos tornar mais sábios no presente e também no futuro. Afinal,
como almejamos saber o nosso caminho diante dos desafios vindouros se mal
compreendemos a nossa essência naquilo que o passado nos legou?