sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Lucrum Unibus Est Alterius Damnum



 (A desgraça de uns é o bem de outros)
Como brasileiro que aspira viver em um país mais digno, igualitário, humano e amparado em valores e verdades que transcendam ao cinismo exacerbado por pessoas e instituições, tenho me perguntado como haveremos de explicar, no futuro, que a roubalheira de empresários imorais e políticos inescrupulosos acabou sendo sintetizada de maneira conveniente e oportunista pela grande mídia por semanas, meses, anos, como se estivesse limitada, quase que por completo, a UM partido e a UMA figura em particular? A despeito de culpas ou culpados, parece ser mais fácil omitir como fomos constituindo a nossa identidade como nação ao longo dos séculos.


A corrupção no Brasil é endêmica. Gostamos de cobrar dos outros, mas entre a esperteza e a trapaça é o jeitinho e a malandragem que vai acontecendo ao furar a fila, ao não respeitar o sinal vermelho, a faixa de pedestres, a vaga para idosos ou deficientes, ao sonegar o imposto de renda, inventar desculpas para faltar ao trabalho, encontrar dinheiro pela rua e não devolver. A coerência é muito cobrada, mas pouco exercitada. Atitudes assim explicam muito bem a realidade de um país no qual, na maioria das vezes, "os outros são os corruptos". Menos, obviamente, quem aponta o dedo e solta o verbo para cobrar uma pretensa “moralização”. Arrisco dizer que caráter vem de berço ou quando se tem vergonha na cara e um pouquinho de discernimento.


O sistema político e partidário brasileiro é um escárnio. O congresso, salvo exceções, é uma quadrilha comandada por pilantras da pior espécie que não cumprem e não têm a menor intenção de balizar suas atitudes a partir das normas que regem uma sociedade comprometida com a ética, verdade e a justiça. A maioria foi eleita por gente que se diz “de bem”, mas que agora anda buscando “salvadores da pátria”, notadamente, marcados de forma retumbante pela mediocridade em suas propostas. O mandatário desta republiqueta é um inepto apoiado por uma meia dúzia. Em meio a tantas extravagâncias, esqueceu, a muito, do bom senso quando enaltece uma suposta coragem ao esquadrinhar medidas alheias ao clamor popular. Pior, nem se constrange por estar metido em tramas esdrúxulas que vão pipocando todos os dias. Formou seu ministério por alguns dos mais notáveis picaretas e plutocratas que esta nação já conheceu.


É esta turminha que comanda o espetáculo neste nosso Brasil. Indivíduos que, na sua maioria, não tem qualquer estatura ética ou moral para liderar uma nação. São estes que parecem ter anestesiado qualquer senso crítico mesmo com tantos despropósitos e um discursinho infame sendo vomitado todos os dias. É esta gente que espera garantir e resguardar seus próprios privilégios e condenar gerações a uma saúde cada vez mais precária e uma educação, a muito, em frangalhos. São estes que dizem que a tal crise haverá de ser superada com “medidas impopulares”. É lógico, para quem ganha bem, fica no ar condicionado, com privilégios assegurados, é fácil falar em sacrifícios, sempre dos outros, claro!


É esta gente que tem a cara de pau de exigir que os brasileiros, sobretudo os mais vulneráveis, trabalhem até o infinito para receber alguma esmola sabe Deus quando? São estes que tem a audácia de falar em esforço de TODOS para um futuro melhor à custa de fanfarrices, banquetes e jantares? E tudo isso para entregar mais dinheiro aos bancos, seguir comprando seus anéis, relógios, iates e usufruindo as infindáveis e abjetas benesses a partir de uma ordem jurídica, a muito, uma vergonha neste país! Ah, sinceramente, haja paciência! Até quando teremos que suportar tantos absurdos? O que revolta e tira do sério é a desfaçatez, o cinismo e a hipocrisia sem limites.


Quando a equidade deixa de ser o caminho, a lógica que orienta uma sociedade é sempre a louvação a um punhado de gente que se aproveita das desgraças para alardear receitas fáceis alinhadas com o senso comum. De que adianta este palavrório evasivo e as tais promessas de redução de juros, retomada do crédito, estímulos econômicos, projeções de crescimento do PIB ou controle da inflação se o Brasil está dominado por máfias e foi entregue à bandidagem na política, na economia, no judiciário e nos presídios? Somente um governo legitimado pelo sufrágio popular teria condições de retirar o país desta catástrofe econômica, social e humanitária.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

PRECEITOS DE VIDA


São as pequenas coisas que fazem a diferença. Momentos nos quais só precisamos contar com alguém que possa enxugar nossas lágrimas, dividir as alegrias, brindar as conquistas. Sem interesses, sem precisar pedir nada em troca. Doação mútua. O prazer de contemplar o mundo, caminhando sem pressa, dividindo a vida, os sonhos, transformando as dificuldades em lições.



É angustiante perceber que em muitos momentos a vida não passa de competição, de batalha, de constante disputa. Para cada sucesso, inúmeros podem provar a dor do fracasso. Esquizofrenia diabólica alimentando a desenfreada corrida pela sobrevivência dos mais fortes. Tudo o que consideramos vitória se resume a continuar, perseverar, superar-se, cotidianamente. Perseguir as sombras. Procurar a luz. Correr atrás do vento.



A história ensina que os fracos desistem, os pessimistas contribuem para o desespero e os “donos da razão” almejam concretizar um mundo a partir de suas ambições mesquinhas. A verdade reside na partilha, na sensibilidade, na aceitação das imperfeições. O filósofo grego Epicuro, por volta do século terceiro antes de Cristo, sublinhou: “nem posse das riquezas, nem abundância das coisas, nem obtenção de cargos ou o poder produzem a felicidade e a bem-aventurança; produzem-na a ausência de dores, a não moderação nos afetos e a disposição de espírito que se mantenha nos limites impostos pela natureza”.



É lamentável que a vontade de agradar ou de convencer os outros pelo imperativo do sorriso fácil e caricato acabe sendo, hoje, muito maior do que a vontade de ser verdadeiro. Não aceitamos imperfeições. Vamos mascarando eventuais defeitos e imprecisões. Vive-se o mundo da mentira e do faz de conta. Quantas e quantas vezes a fuga vira estratégia que alimenta a incapacidade para confrontar-se com as próprias dificuldades. Acabamos temendo o que é importante. Temos dúvidas naquilo que é essencial. Sofremos por enxergar a dimensão de nossas escolhas.



Trocamos a espontaneidade pelo orgulho. A franqueza pela persuasão. Subestimamos quem nos ouve e enxerga. Evitamos a autenticidade a qualquer custo. Não vemos dilemas éticos ou morais para que a mentira sirva de atalho para o reconhecimento. Premeditamos nossas ações e condutas para que sejam dignos de elogios. Desviamos algum caminho. Distorcemos alguma frase. Remodelamos algum episódio do passado. Condenamos com facilidade. Invertemos a regras do jogo.



Esbarramos nos limites do tempo. É ele, soberano, que vai definindo os acontecimentos e condicionando nossas inquietudes. É ele que permite direcionar os olhos para os recônditos mais obscuros de nossa existência. É ele que nos faz sobreviver nesta ânsia incontida das esperas. Aonde a vida vai sendo tecida a partir de movimentos alheios ao nosso desejo de não sofrer, não chorar, não ser asfixiado pelas palavras que engasgam na garganta.



Viver supõe uma incomensurável necessidade de aprender mesmo que por caminhos sinuosos. O grande desafio é o de guardar as lembranças advindas de momentos bonitos ou de cicatrizes que suscitaram lições. A beleza da vida não está em saber estas coisas, mas em não esmorecer quando nos sentimos frágeis e pequenos. A vida não é o que sabemos, mas o que fazemos com aquilo que encontramos na nossa jornada.



O saber de todas as bibliotecas jamais poderá alcançar as maiores verdades do universo. A beleza dos museus e as grandes exposições de arte, sempre serão apenas fragmentos da criatividade humana se não forem sentidas com o coração. O importante é saber, mas o mais importante é nunca perder a capacidade de sentir e vivenciar as experiências da jornada. A prisão verdadeira é não saber quem sou de onde venho e para onde vou. Ou como dizem os navegadores, nenhum vento é favorável para aquele que não sabe onde pretende chegar.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

“Ideologia de Gênero”



É de autoria do filósofo e crítico literário inglês, Terry Eagleton, a frase: "ideologia é como mau hálito, só os outros tem". Buscar caminhos de diálogo acerca das questões de gênero, sexualidade, cotas, escola sem partido e temas afins, significa enfrentar acusações e incompreensões. Ideologia virou sinônimo de ilusão, fantasia, mentira. Nessa onda a tal "ideologia de gênero" parece ser uma tese sem necessidade de muitos argumentos. É vista por uma boa parcela da sociedade brasileira como algo pernicioso para as crianças, capaz de violar a liberdade das famílias e a integridade das igrejas.
É fácil perceber a confusão e a histeria coletiva em torno do assunto. “Querem destruir a família!” é a palavra de ordem. O resultado é uma avalanche de revolta infundada que arrasta pessoas por conta de um entendimento distorcido. Ao dialogar com amigos, vizinhos ou até desconhecidos na rua, não são raras opiniões do tipo: “o governo quer impor o absurdo nas escolas; será preciso ensinar cartilhas com conteúdo pornográfico; mostrar que não existe mais homem ou mulher; incentivar a homossexualidade, estimular a masturbação, aceitar a pedofilia, o incesto, etc.”.
De acordo com os oponentes, a “ideologia de gênero” seria uma imposição totalitária, ditatorial, com o objetivo de criar uma sociedade marxista, ateia, perversa, iníqua, com conceitos falaciosos, antinaturais e esdrúxulos que levariam ao adoecimento da vida humana, tornando-a uma aberração imoral. Partindo do princípio de que a ideologia é uma forma de pensamento que oprime, distorce e falseia a realidade, entendo que as perguntas a serem feitas com base neste tipo de posicionamento poderiam ser: Como é possível afirmar que existe um caminho “do bem” e outro “do mal”? Quais prerrogativas justificam uma pretensa “razão” ou “verdade”? O que afinal configura e identifica o(s) sentido(s) de uma realidade?
Já faz um tempo que as mulheres andam dividindo as tarefas com os maridos e os filhos. Com certa ironia é possível afirmar que o detergente, a escova e a esponja não fazem mal à saúde masculina e a pia também não é capaz de provocar disfunção erétil. De igual modo parece não existir livro sagrado que diga como devem viver os homens e as mulheres na intimidade de suas escolhas. Gênero fala de situações vividas, experiências divididas, momentos partilhados.
Para mim, a democracia e os direitos individuais estão sendo ameaçados por ofensivas orquestradas por algumas lideranças religiosas com forte ingerência política. Embora estas digam ser contra uma “ideologia”, na verdade, atuam para frear e interromper a consolidação de valores elementares à democracia, como o tratamento igual aos indivíduos, independentemente do que os singulariza e a promoção do respeito à pluralidade e diversidade que caracteriza as sociedades contemporâneas.
A diversidade de corpos, valores, estilos de vida é própria de nosso tempo. Por ser algo constitutivo de uma época, requer o desafio de olhar ao redor sem anular vidas ou experiências de tantas pessoas, mesmo que com elas não concordemos. Respeito e alteridade é prerrogativa elementar para quem aspira construir uma sociedade mais justa e fraterna. Não é pela intolerância que a diversidade será apagada, pois a animosidade gera mais sofrimentos, mais opressão e mais violência para com o outro.
É no senso comum que as pessoas vão alardeando verdades difusas e sem muita preocupação com os fatos. O que está em questão e que deveria ser o argumento mais importante é se teremos diretrizes orientadas para a igualdade, a tolerância e a diversidade ou se teremos noções alicerçadas na superioridade, exclusivismo e exclusão. A nossa combalida educação deveria apontar apenas numa direção: menos violência, mais tolerância e mais respeito, inclusive à diversidade humana, tanto étnica, quanto sexual.
Estudar questões de gênero nas escolas significa refletir sobre as desigualdades entre homens e mulheres e as implicações negativas dessas desigualdades. É compreender o alto índice de discriminação e violência contra as mulheres e contra as minorias raciais, religiosas e sexuais. Significa levar a sério os infinitos casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes. É educar para superar o machismo e o sexismo (é coisa de homem... é coisa de mulher). É educar para o respeito à diversidade, de modo a não fomentar o preconceito e a discriminação, seja racial, sexual ou religiosa.
O problema não é se o menino deve gostar da cor azul e jogar futebol ou se as meninas precisam ter afinidade com a cor rosa e brincar de boneca. Trabalhar a educação para a igualdade nas relações de gênero e diversidade é dizer NÂO à violência, pois a destruição da sociedade acontece com a destruição da subjetividade das pessoas. Não há futuro para uma sociedade cujo pensamento nasce do ódio, da intolerância e da falta de capacidade em dialogar.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

OBSTINAÇÃO

Vida. Estranha e paradoxal existência revestida, todos os dias, pelo signo da obstinação. Receios. Medos. Intimidações... Persistir. Teimar. Ser empurrado para o imponderável.

Não sucumbir diante das decepções. Perseverar a despeito daquilo que insiste em ser reprisado pelo inconsciente.

Receio que não valha a pena tentar mover montanhas. Quisera esquecer-me de contar os dias. Não desperdiçar tempo. Não me envolver com frágeis idealismos nem construir castelos improváveis.

Não abraçar projetos numa fuga dantesca das próprias inquietudes. Não quebrar espelhos. Não ter delírios confundindo esperança com messianismos.

Desenraizar-se. Perceber o vazio que embaça os olhos e inunda a mente. Coração que sangra. Vazio tenebroso.

Ser roubado de si mesmo pela desfaçatez de uma vida circunstancial. Imperativo de beleza, justiça e bondade na profusa e distante memória pregressa.

Como desejaria redescobrir a essência humana para encara-la sem subterfúgios. Saber auscultar aquilo que as palavras não podem multiplicar.

Reverenciar as sutilezas do mundo que nos cerca. Fazer retumbar no peito a esperança capaz de dispersar qualquer vaidade. Recobrar a serenidade.

Encarar os silêncios para apaziguar os olhos. Sarar feridas. Distanciar-me da falsidade e do egoísmo. Plenificar os sentidos da mais profunda sensibilidade.

Burilar as pedras da jornada. Cultivar a quietude. Encontrar a paz na vida percebida como dádiva imerecida em meio aos percalços e descaminhos da existência.