sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

“Ideologia de Gênero”



É de autoria do filósofo e crítico literário inglês, Terry Eagleton, a frase: "ideologia é como mau hálito, só os outros tem". Buscar caminhos de diálogo acerca das questões de gênero, sexualidade, cotas, escola sem partido e temas afins, significa enfrentar acusações e incompreensões. Ideologia virou sinônimo de ilusão, fantasia, mentira. Nessa onda a tal "ideologia de gênero" parece ser uma tese sem necessidade de muitos argumentos. É vista por uma boa parcela da sociedade brasileira como algo pernicioso para as crianças, capaz de violar a liberdade das famílias e a integridade das igrejas.
É fácil perceber a confusão e a histeria coletiva em torno do assunto. “Querem destruir a família!” é a palavra de ordem. O resultado é uma avalanche de revolta infundada que arrasta pessoas por conta de um entendimento distorcido. Ao dialogar com amigos, vizinhos ou até desconhecidos na rua, não são raras opiniões do tipo: “o governo quer impor o absurdo nas escolas; será preciso ensinar cartilhas com conteúdo pornográfico; mostrar que não existe mais homem ou mulher; incentivar a homossexualidade, estimular a masturbação, aceitar a pedofilia, o incesto, etc.”.
De acordo com os oponentes, a “ideologia de gênero” seria uma imposição totalitária, ditatorial, com o objetivo de criar uma sociedade marxista, ateia, perversa, iníqua, com conceitos falaciosos, antinaturais e esdrúxulos que levariam ao adoecimento da vida humana, tornando-a uma aberração imoral. Partindo do princípio de que a ideologia é uma forma de pensamento que oprime, distorce e falseia a realidade, entendo que as perguntas a serem feitas com base neste tipo de posicionamento poderiam ser: Como é possível afirmar que existe um caminho “do bem” e outro “do mal”? Quais prerrogativas justificam uma pretensa “razão” ou “verdade”? O que afinal configura e identifica o(s) sentido(s) de uma realidade?
Já faz um tempo que as mulheres andam dividindo as tarefas com os maridos e os filhos. Com certa ironia é possível afirmar que o detergente, a escova e a esponja não fazem mal à saúde masculina e a pia também não é capaz de provocar disfunção erétil. De igual modo parece não existir livro sagrado que diga como devem viver os homens e as mulheres na intimidade de suas escolhas. Gênero fala de situações vividas, experiências divididas, momentos partilhados.
Para mim, a democracia e os direitos individuais estão sendo ameaçados por ofensivas orquestradas por algumas lideranças religiosas com forte ingerência política. Embora estas digam ser contra uma “ideologia”, na verdade, atuam para frear e interromper a consolidação de valores elementares à democracia, como o tratamento igual aos indivíduos, independentemente do que os singulariza e a promoção do respeito à pluralidade e diversidade que caracteriza as sociedades contemporâneas.
A diversidade de corpos, valores, estilos de vida é própria de nosso tempo. Por ser algo constitutivo de uma época, requer o desafio de olhar ao redor sem anular vidas ou experiências de tantas pessoas, mesmo que com elas não concordemos. Respeito e alteridade é prerrogativa elementar para quem aspira construir uma sociedade mais justa e fraterna. Não é pela intolerância que a diversidade será apagada, pois a animosidade gera mais sofrimentos, mais opressão e mais violência para com o outro.
É no senso comum que as pessoas vão alardeando verdades difusas e sem muita preocupação com os fatos. O que está em questão e que deveria ser o argumento mais importante é se teremos diretrizes orientadas para a igualdade, a tolerância e a diversidade ou se teremos noções alicerçadas na superioridade, exclusivismo e exclusão. A nossa combalida educação deveria apontar apenas numa direção: menos violência, mais tolerância e mais respeito, inclusive à diversidade humana, tanto étnica, quanto sexual.
Estudar questões de gênero nas escolas significa refletir sobre as desigualdades entre homens e mulheres e as implicações negativas dessas desigualdades. É compreender o alto índice de discriminação e violência contra as mulheres e contra as minorias raciais, religiosas e sexuais. Significa levar a sério os infinitos casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes. É educar para superar o machismo e o sexismo (é coisa de homem... é coisa de mulher). É educar para o respeito à diversidade, de modo a não fomentar o preconceito e a discriminação, seja racial, sexual ou religiosa.
O problema não é se o menino deve gostar da cor azul e jogar futebol ou se as meninas precisam ter afinidade com a cor rosa e brincar de boneca. Trabalhar a educação para a igualdade nas relações de gênero e diversidade é dizer NÂO à violência, pois a destruição da sociedade acontece com a destruição da subjetividade das pessoas. Não há futuro para uma sociedade cujo pensamento nasce do ódio, da intolerância e da falta de capacidade em dialogar.

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