terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

IGNORÂNCIA IDEOLÓGICA

Eis um dos fenômenos mais inconseqüentes de nossos dias. Uma estranha e estúpida forma de ver e entender a realidade. Capaz de atingir pessoas de diferentes lugares, com distintas vivências e histórias. Pode ser o aluno ou o professor, o pedreiro ou o agricultor, motorista ou aposentado, deputado ou empresário, jornalista ou magistrado.

Em tempos onde não é difícil perceber o analfabetismo funcional de uma significativa parcela da população brasileira, por vezes, incapaz de entender e interpretar algumas linhas, a ignorância ideológica parece estar ampliando os seus domínios. Ela não tem a ver com burrice, como alguns apregoam, mas, com a incapacidade de, por exemplo, ler qualquer coisa sem que isto não seja espelho das próprias convicções. É o caso, por exemplo, de quem amplia a mediocridade com asneiras e convicções destituídas de um mínimo de razoabilidade.

No fundo, o que o indivíduo consegue ver, sobretudo nas redes sociais, serve apenas para reiterar a sua própria convicção. Ninguém tem mais certezas do que o ignorante ideológico. Quanto menor a profundidade do conhecimento em relação a aquilo que se passa à sua volta, quanto menos ele buscar as diferentes visões ou variáveis que envolvem determinado assunto, maiores as certezas e menores as dúvidas. Funciona como aquele bom e velho esquema: não importa o que outros escreveram, estudaram ou disseram, “eu é que sei das coisas”.

Em geral, não há interesse em olhar de forma mais profunda para algumas convicções. Não importa aperfeiçoar um ponto de vista. Se o sujeito sempre viveu para suas “verdades” e, talvez, em nome delas até tenha “comprado brigas”, sem elas, por sua vez, a existência perde um tanto do sentido. Na medida em que se precisa, justamente, de um sentido para a vida, pode se tornar pesado demais ver algumas “certezas” serem questionadas.

Conheço gente que tem dificuldades extremas em conviver com quem pensa diferente. Para estes, existe nesta vida apenas um caminho, uma referência, um percurso ideológico a ser seguido. Quem não se encaixa, deveria ser eliminado. Esta perspectiva repercute outro traço marcante neste tipo de mentalidade: o perfil autoritário. Todavia, raramente, o sujeito se define como autoritário, mas, sim, uma espécie de “salvador” daquilo que, na sua visão, foi se perdendo no decorrer dos tempos. O autoritário diz querer o bem, mas, essa é também a justificativa para destruir o outro.

O ignorante ideológico é um obstinado pela vida de quem pensa ou age diferente dele. Sua vida gira, muito mais, em torno daquilo que ele pode fazer para contestar do que para propor. Ele sempre é um especialista em apontar o dedo. É triste perceber que, por ser incompetente para mostrar qualquer solução, ele se satisfaça com aquilo que não edifica. Embora pareça muito corajoso ou convicto de suas “verdades”, trata-se de alguém que carrega a marca da bajulação e da submissão.

O ignorante ideológico jamais pensa por ele mesmo. Ele terceiriza o pensamento porque é incapaz de colher a opinião de quem admira e, a partir dela, construir suas próprias conclusões. Em resumo, abdica de pensar por conta própria. Prefere andar na carona de padrões estabelecidos e reproduzir idéias ou convicções prontas. Trata-se de alguém que não consegue perceber os muitos dilemas e interesses à sua volta. Talvez por isso, a estratégia nunca seja debater um assunto, mas, enquadrar, limitar e, por vezes, insultar aquele que busca ampliar o horizonte.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Corruptos

O Padre Jesuíta Antônio Vieira, em um sermão dedicado à festa de Santo Antônio, no longínquo ano de 1654, indagava: "O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?" No seu entendimento, havia duas causas principais para a corrupção: a contradição de quem deveria salgar e a incredulidade do povo diante de tantos atos que não correspondiam às palavras.

Tenho para mim que o corrupto nunca se admite como tal. Sempre metido a esperto, vai sendo movido pela ambição desenfreada. Não é propriamente um ladrão. Antes, trata-se de um requintado chantagista. Destes que fica por aí com uma conversinha mole, sorrisinho amável, trejeitos gentis.

O corrupto, em geral, não gosta de se expor. Considera a comissão ou o lucro fácil um direito que ele fez por merecer. Acha que uma gorda porcentagem oferecida para alguém que já esteja com a corda no pescoço é apenas um pagamento por seus supostos serviços.

É capaz de falar poucas e boas sobre os desvios da esfera pública, mas quando tem a oportunidade de tirar uma casquinha em algum negócio escuso, não hesita em considerar a sua atitude como adequada e até legal. Bobos são aqueles que não aproveitam as oportunidades para obter vantagens.

Há muitos tipos de corruptos. O corrupto de carteirinha é aquele que se vale de uma função pública para tirar proveito para ele, sua família e os amigos. Pega o carro do serviço para ir ao supermercado ou cinema, leva a esposa para alguma viagem de avião paga pelo erário público e não pensa duas vezes ao falsificar notas de almoço ou jantar.

A lógica do corrupto é mais ou menos a seguinte: "Se eu não fizer, haverá outro que fará no meu lugar". Talvez o único temor de quem segue práticas espúrias é ser apanhado em flagrante. A pessoa não se envergonha de olhar no espelho, apenas teme ver seu nome em alguma manchete. Confiante, jamais imagina os filhos a lhe indagar: "Papai, é verdade que você é corrupto?"

Ele não tem escrúpulos ao receber presentes caros de fornecedores. Também não vê problemas em, por exemplo, pegar carona em jatinhos de empresários. Os agrados caem bem e, assim, a burocracia que envolve as verbas públicas acaba sendo desvirtuada em favor destes “acertos”.

Tem também o corrupto que nunca menciona quantias, apenas insinua. Age com certa cautela como se estivesse convencido de que suas palavras podem render complicações futuras. Assim, há sempre alguma metáfora para amenizar as barbaridades. Nada é direto. Fala-se pelas entrelinhas.

O corrupto habitual pratica o famoso “toma lá, dá cá”. Seu lema é "quem não chora não mama". Não ostenta riquezas, não viaja ao exterior, parece ser pessoa pobre para melhor encobrir suas falcatruas. É o primeiro a indignar-se quando o assunto é a corrupção no país.

O corrupto exibido, por sua vez, gasta o que não ganha, constrói mansões e compra fazendas, convencido de que sempre poderá usufruir das benesses em ser puxa saco de gente influente. É daqueles que se vangloria de sua astúcia.

Quem não conhece o corrupto que diz orgulha-se do pai trabalhador humilde e da mãe batalhadora. Gosta de falar de sua origem, mas não deixa de estar convencido de que, tivessem eles as mesmas oportunidades de se meterem em trambiques, seus antepassados também não deixariam passar. Não se preocupa com os valores que multiplica em sua jornada, pois tem olhos apenas para o que pode ganhar. Julga ser um empreendedor bem sucedido.

O corrupto é cheio de dedos. Não pensa duas vezes em chegar perto dos honestos, aproveitando-se de sua sombra. É capaz de tratar os comandados com dureza parecendo o mais íntegro dos seres humanos. Acredita que todos o consideram de uma lisura sem igual O corrupto julga-se dotado de uma inteligência que o livra do mundo dos ingênuos e torna, supostamente, mais esperto que os seus semelhantes.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

A Desumanidade e as Tragédias Brasileiras

A história do Brasil mostra que estamos vivendo sucessivas tragédias. Uma após a outra, somos diminuídos, violentados, subtraídos naquilo que nos faz humanos. Talvez seja justamente esta uma das consequências mais terríveis de qualquer tragédia: roubar os sentimentos mais singelos, os valores elementares e as noções preciosas de que a vida não é vista como dádiva. Afinal, sem determinados princípios de compaixão e afeto, sobra o que mesmo da raça humana?

O que presenciamos em Brumadinho, em Minas Gerais, explicita algumas respostas para esta nossa precária existência. O sofrimento de tantas pessoas que perderam o seu lar, o seu sustento e, sobretudo, os seus entes queridos, se transforma em um estado de dor, solidão, lamento e indignação sem fim. É terrível a imagem formada por um contingente de pessoas que foram brutalmente cerceadas em seus direitos básicos. Seres humanos reduzidos à lama.

Pensar que a cada uma destas pessoas a ganância e o poder foram capazes não só de matar, mas de provocar as piores condições para que sequer pudessem cumprir o doloroso ofício de enterrar os seus mortos, é pensar que já não compactuamos mais com a nossa própria civilidade. É constatar que já não podemos dizer que estamos em guerra, pois até na guerra existe uma “ética” a ser seguida.

O que se percebe de forma clara e indelével é que existem leis que são negadas pela mesma sede de poder e ganância que alimenta outras tantas tragédias pelo país afora. Brumadinho é a máxima expressão de que os seres humanos são meros objetos para constituir determinados fins. Valemos pelo que podemos produzir e não pelo que, efetivamente, somos. Quem se importa com a história, com as dores, com os sonhos ou a desumanização? São as tragédias individuais que mostram a nossa convivência coletiva se esfacelando.

Se um mal cometido a uma pessoa é, por extensão, um mal que é cometido a todos, a tragédia que está sendo imposta a gente que sequer conhecemos, nos desumaniza, humilha e diminui, sem exceção. A justiça que impede um homem de enterrar seu próprio irmão é a mesma justiça que, por conveniência e mesquinhez, atropela valores civilizatórios fundamentais e não se sente constrangida por uma catástrofe onde centenas não poderão se despedir de seus familiares.

São tragédias que se cruzam e se sucedem em função de um mesmo significado comum: a farsa de uma justiça que é capaz de culpar alguns por conveniência ou malandragem e inocentar outros, sabidamente, culpados. Tragédias que brotam da lama de um judiciário que por conta de alguns dos seus protagonistas suscita apenas nojo do mesmo modo como certos personagens da classe política que não nos permitem sonhar com dias melhores, infelizmente!