Faz tempo que venho afirmando vivermos uma
era de desmesurada mediocridade. Trata-se de um disparate, pois os nossos dias tendem
a ser qualificados a partir do conhecimento, da tecnologia e de um leque de
informações quase sem limites. Convém refletir, sobretudo, sobre o fato de que
mesmo com tanta fartura intelectual, vivermos experiências tão catastróficas?
Por que, mesmo com todas as ferramentas de conhecimento e comunicação
disponíveis, as pessoas não conseguem encontrar o seu lugar no mundo? Qual o
motivo para que tenhamos tantos conflitos, dramas pessoais, sociais,
intolerância e falta de diálogo? Receio que nunca tivemos uma sociedade tão
doente e capaz de multiplicar a indiferença de forma tão estranha e absurda.
A mais de três séculos, o filósofo inglês Thomas
Hobbes, em sua obra seminal – O Leviatã – propunha uma visão instigante sobre
esta pretensa guerra de todos contra todos. Para ele, o fato de sermos iguais representaria
um grande paradoxo, pois sempre uns desejam mais que outros. A concorrência seria,
portanto, a filha da igualdade. Hobbes acreditava que a falta de um poder
estatal consolidado confluiria para gerar conflitos mais extremos, como as guerras.
Os indivíduos não teriam prazer algum da companhia uns com os outros, mas, um
enorme desprazer quando não houvesse um poder capaz de mantê-los pelos caminhos
do entendimento a partir do respeito mútuo. Hobbes acreditava que o poder capaz
de orientar as consciências deveria acontecer por meio do conhecimento.
É importante lembrar que nos caminhos para a descoberta
de si mesmo, o outro é parte indispensável. O outro é o fundamento para que
saibamos o nosso lugar no mundo. Com a multiplicação das redes virtuais,
podemos ver que há uma dificuldade em lidar com o outro, por vezes, desconhecido,
diferente, mas, ao mesmo tempo, igual. Carl Gustav Jung já dizia que a chave para
saber quem somos, deveria ser a interação do indivíduo com o seu meio, com o coletivo.
Arrisco dizer que a fonte da maioria dos problemas e conflitos da atualidade,
decorre do fato de que olhamos o mundo apenas pelas lentes do individualismo,
da competição, do lucro, do próprio sucesso. A partir de valores e verdades
efêmeros.
A comunicação e o diálogo sempre foram os
grandes trunfos da humanidade. Graças à linguagem a espécie humana conseguiu
feitos extraordinários. Agora, justamente quando ultrapassamos importantes
barreiras no âmbito da comunicação através da tecnologia, novas questões eclodem.
As diferenças suscitam intolerâncias. As ideologias conservadoras e fascistas
vão se multiplicando. A compreensão e o afeto são, cotidianamente, banalizados.
A solidariedade agoniza e as diferenças, sem os parâmetros de entendimento,
redundam em conflitos e violência.
É o entendimento que transforma as diferenças
em caminhos de coerência dentro da complexidade da vida. O mundo como está
configurado nos dias atuais não corresponde mais à realidade que sonhamos.
Nossas estruturas mais elementares estão alinhadas com um consumismo insano
capaz de aniquilar qualquer imperativo para uma vida equilibrada. Já não temos
mais condições de pensar individualmente, pois a sociedade é para os seres
humanos o que o mar é para os peixes. Não por acaso, questões sociais estão em
voga e geram intensos dilemas. Nossas necessidades básicas, ao não serem
alcançadas, mostram a fragilidade de uma sociedade carcomida por um defasado
senso de opinião que necessita de respostas prontas, mesmo que estas sejam
ambíguas.
O que acontece hoje, por exemplo, nas redes
sociais, não são discussões, talvez nem sejam disputas, mas um jeito de impor
ideias. Trata-se de uma batalha que exige demonstrações de agressividade,
xingamentos, ataques, na maioria das vezes, desprovidas de amparo factual,
histórico ou lógico. O importante é que uma ideia prevaleça. Poucos se importam
com a construção equilibrada e respeitosa da opinião com base nas diferenças.
Preconceitos ou discriminações passam a ser vistos pelas lentes daquilo que se
convencionou realçar, equivocadamente, é claro, como liberdade de expressão.
Quem se importa em averiguar alguma fonte? O filósofo grego Parmênides dizia
que a nossa opinião “é a ideia confusa acerca da realidade e que se opõe ao
conhecimento verdadeiro”. Na era da “pós-verdade”, mais do que os fatos, valem
mesmo as convicções.