sexta-feira, 28 de abril de 2017

TEMPOS DE MEDIOCRIDADE



Faz tempo que venho afirmando vivermos uma era de desmesurada mediocridade. Trata-se de um disparate, pois os nossos dias tendem a ser qualificados a partir do conhecimento, da tecnologia e de um leque de informações quase sem limites. Convém refletir, sobretudo, sobre o fato de que mesmo com tanta fartura intelectual, vivermos experiências tão catastróficas? Por que, mesmo com todas as ferramentas de conhecimento e comunicação disponíveis, as pessoas não conseguem encontrar o seu lugar no mundo? Qual o motivo para que tenhamos tantos conflitos, dramas pessoais, sociais, intolerância e falta de diálogo? Receio que nunca tivemos uma sociedade tão doente e capaz de multiplicar a indiferença de forma tão estranha e absurda.

A mais de três séculos, o filósofo inglês Thomas Hobbes, em sua obra seminal – O Leviatã – propunha uma visão instigante sobre esta pretensa guerra de todos contra todos. Para ele, o fato de sermos iguais representaria um grande paradoxo, pois sempre uns desejam mais que outros. A concorrência seria, portanto, a filha da igualdade. Hobbes acreditava que a falta de um poder estatal consolidado confluiria para gerar conflitos mais extremos, como as guerras. Os indivíduos não teriam prazer algum da companhia uns com os outros, mas, um enorme desprazer quando não houvesse um poder capaz de mantê-los pelos caminhos do entendimento a partir do respeito mútuo. Hobbes acreditava que o poder capaz de orientar as consciências deveria acontecer por meio do conhecimento.

É importante lembrar que nos caminhos para a descoberta de si mesmo, o outro é parte indispensável. O outro é o fundamento para que saibamos o nosso lugar no mundo. Com a multiplicação das redes virtuais, podemos ver que há uma dificuldade em lidar com o outro, por vezes, desconhecido, diferente, mas, ao mesmo tempo, igual. Carl Gustav Jung já dizia que a chave para saber quem somos, deveria ser a interação do indivíduo com o seu meio, com o coletivo. Arrisco dizer que a fonte da maioria dos problemas e conflitos da atualidade, decorre do fato de que olhamos o mundo apenas pelas lentes do individualismo, da competição, do lucro, do próprio sucesso. A partir de valores e verdades efêmeros.

A comunicação e o diálogo sempre foram os grandes trunfos da humanidade. Graças à linguagem a espécie humana conseguiu feitos extraordinários. Agora, justamente quando ultrapassamos importantes barreiras no âmbito da comunicação através da tecnologia, novas questões eclodem. As diferenças suscitam intolerâncias. As ideologias conservadoras e fascistas vão se multiplicando. A compreensão e o afeto são, cotidianamente, banalizados. A solidariedade agoniza e as diferenças, sem os parâmetros de entendimento, redundam em conflitos e violência.

É o entendimento que transforma as diferenças em caminhos de coerência dentro da complexidade da vida. O mundo como está configurado nos dias atuais não corresponde mais à realidade que sonhamos. Nossas estruturas mais elementares estão alinhadas com um consumismo insano capaz de aniquilar qualquer imperativo para uma vida equilibrada. Já não temos mais condições de pensar individualmente, pois a sociedade é para os seres humanos o que o mar é para os peixes. Não por acaso, questões sociais estão em voga e geram intensos dilemas. Nossas necessidades básicas, ao não serem alcançadas, mostram a fragilidade de uma sociedade carcomida por um defasado senso de opinião que necessita de respostas prontas, mesmo que estas sejam ambíguas.

O que acontece hoje, por exemplo, nas redes sociais, não são discussões, talvez nem sejam disputas, mas um jeito de impor ideias. Trata-se de uma batalha que exige demonstrações de agressividade, xingamentos, ataques, na maioria das vezes, desprovidas de amparo factual, histórico ou lógico. O importante é que uma ideia prevaleça. Poucos se importam com a construção equilibrada e respeitosa da opinião com base nas diferenças. Preconceitos ou discriminações passam a ser vistos pelas lentes daquilo que se convencionou realçar, equivocadamente, é claro, como liberdade de expressão. Quem se importa em averiguar alguma fonte? O filósofo grego Parmênides dizia que a nossa opinião “é a ideia confusa acerca da realidade e que se opõe ao conhecimento verdadeiro”. Na era da “pós-verdade”, mais do que os fatos, valem mesmo as convicções.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

A DESFAÇATEZ DA MENTIRA



Mentir é feio. É triste. É desolador. Poucas coisas são tão absurdas quanto mentir. Mentir significa sobrepujar qualquer essência. Jogar pela janela, de forma descarada e prepotente, aquilo que deveria ser do cotidiano. É inverter as regras do jogo. Transformar o que é esdrúxulo e negativo em uma pretensa virtude. Mentir solapa qualquer resquício de respeito ou lealdade.

Mentir para escapar, mentir para omitir, mentir para enganar, mentir para não se aborrecer. A mentira carrega muitas desculpas. Quem mente sabe que vive numa espécie de redoma na qual necessita justificar-se, não apenas para os outros, mas para si mesmo. Quem mente, não vive na coerência, mas na ilusão, na fantasia, no egoísmo, no medo, na covardia.

Quem mente carrega uma consciência que vai se multiplicando. Quem mente, vive verdades e valores alheios ao entendimento, ao diálogo, a partilha. Acredita ter o poder para subtrair as vicissitudes em seu dia a dia. Almeja uma vida mais leve, sem tantos dilemas, previsível.

Talvez pior que ser enganado ou imaginar que é possível manipular em benefício próprio é dar-se conta que há mentirosos que depois de um tempo tendem a acreditar nas próprias mentiras. Fazem disso o seu jeito de ser. Reproduzem palavras e atitudes em descompasso com o bem comum. Encaram os outros como se fossem pessoas incapazes de qualquer senso crítico.

Mentira não tem pé nem cabeça. Não tem coração. Nunca será um atributo da dignidade humana. Não merece qualquer respeito. Jamais será uma virtude. É preferível viver a complexidade de uma verdade do que a desfaçatez da mentira.

sexta-feira, 14 de abril de 2017

ADÁGIOS EXISTENCIAIS



Faz parte do senso comum, alardear que à medida que envelhecemos melhor lembramos o passado. Por mais verdadeira que seja esta prerrogativa, talvez devêssemos repercutir melhor algumas das suas facetas. Sabemos que muitos eventos se perdem, irremediavelmente, nos escombros do evento corrosivo e danoso que convencionamos chamar de tempo.

As nossas reminiscências mais remotas nem sempre conseguem ser registradas num tempo cronológico. Guardamos saudades, sensações e sentidos daquilo que fez o nosso coração bater mais forte e que tornou a vida mais bela, mais plena, cheia de sonhos. Com a soma dos dias, ficam os sentimentos, vão-se as datas dos encontros, dos olhares, dos sorrisos, das palavras e dos afagos.

Tem dias que, mesmo sem querer, ouvimos aquela música e as lágrimas rolam. Vemos alguma paisagem e a lembrança nos leva aos recônditos da nossa existência revolvendo dores e fracassos. Sentimos algum aroma, reverenciamos a beleza de uma flor, a ternura no rosto da criança, a reciprocidade do abraço.

Há coisas que marcaram no mais profundo de nossa alma e que permanecem, queiramos ou não. Imagino que todas sejam caminhos para preservar a ternura num mundo habitado por pessoas cada vez mais frias e impessoais. As reminiscências deveriam suscitar reverência e gratidão. Despertar a sensibilidade e auxiliar a enfrentar os dias complicados como pérolas para uma jornada mais serena.

Nem nos damos conta de que desperdiçamos um tempo precioso e que nunca mais poderá ser recuperado quando negligenciamos o diálogo, a convivência, o aprendizado, o consolo, a mão estendida. Preferimos os subterfúgios em nosso inconsciente, supostamente, para repercutir a paz, o sossego, a tranquilidade. Somos capazes de vociferar aos quatro cantos quando a dignidade humana é ultrajada, mas não vemos obstáculos e nem incoerências ao julgar, apontar o dedo, negar o diálogo, impor o silêncio a quem deseja tão somente um ouvido aberto ou um abraço para suportar as angústias do cotidiano.

O sociólogo, poeta e fotógrafo francês, Jean Baudrillard, dizia que os seres humanos da contemporaneidade se encontram amarrados a uma vida que se alicerça, em grande medida, pelos contornos do desencanto, mas que busca ser preenchida, equivocadamente, pela hiperatividade, pelas relações sem pertencimento reciproco, pela falta de compaixão e insensibilidade com a dor do outro. Para Baudrillard a sociedade adquiriu velocidade e perdeu o sentido, de tal maneira que temos muita pressa, mas não sabemos para onde ir.

Não é fácil aprender que há dimensões da vida que nunca haverão de distanciar-se do nosso coração. A vida somente poderá ser medida no final de nossa existência por aquilo que soubemos realizar de forma especial com aqueles e aquelas que nos foram presenteados no decorrer da jornada. Mesmo que impulsivamente tenhamos traído a nossa compaixão, resta-nos esperar que, pelo menos, tenhamos agido para sermos mais justos.

Oportuno lembrar que chegará o dia onde o desejado não será mais desejado. As lutas travadas para alcançar determinado propósito perderão o seu valor. Restarão sombras de um caminho sem atalhos, sem explicações. Olharemos desejando apenas um pouquinho daquilo que já tivemos a oportunidade de sentir e sonhar. Saberemos, pelo viés mais duro, que o vazio e a saudade sempre serão feridas abertas. Os valores e as ações esculpidos em nossas lembranças ganharão contornos de heroísmo ou desalento.

Não ter que conviver com as próprias inconstâncias parece ser o caminho mais largo para aliviar o receio de uma vida sem grandes dilemas. Sensações momentâneas que se transformam em felicidade oportunista. Quem sabe, a resposta às grandes perguntas da vida esteja na capacidade de conviver com o vazio. Inquietações, enigmas, caminhos, podem não vir da racionalidade, mas das noites escuras do não saber, do não compreender, de sentir-se pequeno.