O economista norte americano Samuel
Huntington em seu conhecido livro - O choque de civilizações – assevera que “no
mundo moderno, a religião é uma força central que motiva e mobiliza as pessoas.
O que, em última análise conta, não é a ideologia política nem o interesse
econômico; mas aquilo com que cada qual é capaz de se identificar em suas
convicções religiosas, na família e na igreja. É por estas coisas que os
indivíduos combatem e estão dispostos a dar a própria vida”. Para Huntington, a
religião seria o substrato dos grandes conflitos que estamos vivendo na
atualidade.
É um dado estatístico inequívoco dizer que a
maior parte da humanidade é orientada pela cosmovisão religiosa cristã,
islâmica, hinduísta, budista, xintoísta, espírita e judaica. As grandes
religiões são os alicerces sobre os quais repousam as civilizações
contemporâneas. O sustentáculo de uma cultura, pois através delas são projetadas
aspirações e elaborados princípios éticos. É por meio delas que são conferidos
sentidos à história, à existência e ao universo.
A cultura moderna não construiu nenhuma religião,
mas encontrou substitutivos com funções idolátricas. A razão, o progresso, o
consumo, a acumulação sem limites. A consequência foi denunciada pelo
humanista germânico Friedrich Nietzsche que proclamou a morte de Deus. Sua
constatação não era de que Deus tivesse morrido, mas que os seres humanos o
teriam aniquilado. Com isso, pretendia acentuar que a referência para os valores
fundamentais à coesão entre os seres humanos não estava mais sujeita aos
ditames religiosos.
Interessante observar que os efeitos daquilo
que havia sido descortinado por Nietzsche é justamente o que estamos vivendo em
nível planetário: uma humanidade sem rumo, alienada pela solidão, com poucas raízes
e com valores distorcidos. Incapaz de saber para onde caminha. Sempre às
voltas com o ativismo, a indiferença e o pragmatismo.
Diante deste emaranhado compreensivo, é a
espiritualidade que ao se exteriorizar a partir de diferentes caminhos que
alimenta, sustenta e impregna a vida com experiências peculiares. No fundo, há
sempre o risco disto também não se realizar porque muitas das religiões, ao se
institucionalizarem, entram no jogo do poder e das hierarquias. Algumas assumindo
até formas patológicas. Todavia, o esforço deveria ser para compreendê-las a
partir daquilo que retratam de forma construtiva. Lá onde conseguem reforçar um
sentido para a vida cotidiana oferecendo um quadro de esperança e alento.
É inegável que hoje o fundamentalismo vem ganhando
destacada relevância. Em grande medida, como resultado dos devastadores efeitos
da globalização. Nos caminhos já percorridos pela humanidade não é difícil
observar que toda vez onde não houve respeito às diferenças, às identidades,
aos hábitos e valores locais, geralmente, foi nas religiões que os indivíduos guardaram
suas maiores referências.
Ao se sentirem invadidos, as pessoas que
viviam, por exemplo, no Iraque e no Afeganistão, refugiaram-se em suas
religiões como forma de resistência. Usaram a religião para garantir uma
identidade. Qualquer invasão ou arbitrariedade gerava raiva e vontade de
vingança. O fundamentalismo, em sua origem, é, pois, uma inconformidade com
aquilo que foi imposto em determinado momento.
A questão primordial é, portanto, compreender
como é possível superar este impasse civilizacional? Arrisco dizer que o
mais importante talvez seja viver a ética da hospitalidade. Dispor-se a
dialogar e aprender com o outro. Vivenciar uma tolerância ativa. Exercitar a
partilha. Reconhecer-se mutuamente. Buscar convergências que permitam caminhos
para a paz.
Os primeiros capítulos do livro bíblico do
gênesis plenificam uma compreensão desafiadora e plural. Neles não se fala de
Israel como povo escolhido. Faz-se uma referência aos povos da terra enquanto povos
de Deus. Sobre eles estaria a aliança da fraternidade. Trata-se de uma mensagem
que nos recorda, ainda hoje, que todos os povos, com suas distintas tradições,
são povos de Deus. A terra, o jardim divino, é composta de muitas famílias.
Cada qual com suas tradições, sua cultura, sua expressão religiosa.
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