sexta-feira, 7 de abril de 2017

Tolerância, Diálogo e Partilha.





O economista norte americano Samuel Huntington em seu conhecido livro - O choque de civilizações – assevera que “no mundo moderno, a religião é uma força central que motiva e mobiliza as pessoas. O que, em última análise conta, não é a ideologia política nem o interesse econômico; mas aquilo com que cada qual é capaz de se identificar em suas convicções religiosas, na família e na igreja. É por estas coisas que os indivíduos combatem e estão dispostos a dar a própria vida”. Para Huntington, a religião seria o substrato dos grandes conflitos que estamos vivendo na atualidade.


É um dado estatístico inequívoco dizer que a maior parte da humanidade é orientada pela cosmovisão religiosa cristã, islâmica, hinduísta, budista, xintoísta, espírita e judaica. As grandes religiões são os alicerces sobre os quais repousam as civilizações contemporâneas. O sustentáculo de uma cultura, pois através delas são projetadas aspirações e elaborados princípios éticos. É por meio delas que são conferidos sentidos à história, à existência e ao universo.


A cultura moderna não construiu nenhuma religião, mas encontrou substitutivos com funções idolátricas. A razão, o progresso, o consumo, a acumulação sem limites. A consequência foi denunciada pelo humanista germânico Friedrich Nietzsche que proclamou a morte de Deus. Sua constatação não era de que Deus tivesse morrido, mas que os seres humanos o teriam aniquilado. Com isso, pretendia acentuar que a referência para os valores fundamentais à coesão entre os seres humanos não estava mais sujeita aos ditames religiosos.


Interessante observar que os efeitos daquilo que havia sido descortinado por Nietzsche é justamente o que estamos vivendo em nível planetário: uma humanidade sem rumo, alienada pela solidão, com poucas raízes e com valores distorcidos. Incapaz de saber para onde caminha. Sempre às voltas com o ativismo, a indiferença e o pragmatismo.


Diante deste emaranhado compreensivo, é a espiritualidade que ao se exteriorizar a partir de diferentes caminhos que alimenta, sustenta e impregna a vida com experiências peculiares. No fundo, há sempre o risco disto também não se realizar porque muitas das religiões, ao se institucionalizarem, entram no jogo do poder e das hierarquias. Algumas assumindo até formas patológicas. Todavia, o esforço deveria ser para compreendê-las a partir daquilo que retratam de forma construtiva. Lá onde conseguem reforçar um sentido para a vida cotidiana oferecendo um quadro de esperança e alento.


É inegável que hoje o fundamentalismo vem ganhando destacada relevância. Em grande medida, como resultado dos devastadores efeitos da globalização. Nos caminhos já percorridos pela humanidade não é difícil observar que toda vez onde não houve respeito às diferenças, às identidades, aos hábitos e valores locais, geralmente, foi nas religiões que os indivíduos guardaram suas maiores referências.


Ao se sentirem invadidos, as pessoas que viviam, por exemplo, no Iraque e no Afeganistão, refugiaram-se em suas religiões como forma de resistência. Usaram a religião para garantir uma identidade. Qualquer invasão ou arbitrariedade gerava raiva e vontade de vingança. O fundamentalismo, em sua origem, é, pois, uma inconformidade com aquilo que foi imposto em determinado momento.


A questão primordial é, portanto, compreender como é possível superar este impasse civilizacional? Arrisco dizer que o mais importante talvez seja viver a ética da hospitalidade. Dispor-se a dialogar e aprender com o outro. Vivenciar uma tolerância ativa. Exercitar a partilha. Reconhecer-se mutuamente. Buscar convergências que permitam caminhos para a paz.


Os primeiros capítulos do livro bíblico do gênesis plenificam uma compreensão desafiadora e plural. Neles não se fala de Israel como povo escolhido. Faz-se uma referência aos povos da terra enquanto povos de Deus. Sobre eles estaria a aliança da fraternidade. Trata-se de uma mensagem que nos recorda, ainda hoje, que todos os povos, com suas distintas tradições, são povos de Deus. A terra, o jardim divino, é composta de muitas famílias. Cada qual com suas tradições, sua cultura, sua expressão religiosa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário