Faz
parte do senso comum, alardear que à medida que envelhecemos melhor lembramos o
passado. Por mais verdadeira que seja esta prerrogativa, talvez devêssemos
repercutir melhor algumas das suas facetas. Sabemos que muitos eventos se perdem,
irremediavelmente, nos escombros do evento corrosivo e danoso que
convencionamos chamar de tempo.
As
nossas reminiscências mais remotas nem sempre conseguem ser registradas num
tempo cronológico. Guardamos saudades, sensações e sentidos daquilo que fez o
nosso coração bater mais forte e que tornou a vida mais bela, mais plena, cheia
de sonhos. Com a soma dos dias, ficam os sentimentos, vão-se as datas dos
encontros, dos olhares, dos sorrisos, das palavras e dos afagos.
Tem
dias que, mesmo sem querer, ouvimos aquela música e as lágrimas rolam. Vemos
alguma paisagem e a lembrança nos leva aos recônditos da nossa existência
revolvendo dores e fracassos. Sentimos algum aroma, reverenciamos a beleza de
uma flor, a ternura no rosto da criança, a reciprocidade do abraço.
Há
coisas que marcaram no mais profundo de nossa alma e que permanecem, queiramos
ou não. Imagino que todas sejam caminhos para preservar a ternura num mundo
habitado por pessoas cada vez mais frias e impessoais. As reminiscências
deveriam suscitar reverência e gratidão. Despertar a sensibilidade e auxiliar a
enfrentar os dias complicados como pérolas para uma jornada mais serena.
Nem
nos damos conta de que desperdiçamos um tempo precioso e que nunca mais poderá
ser recuperado quando negligenciamos o diálogo, a convivência, o aprendizado, o
consolo, a mão estendida. Preferimos os subterfúgios em nosso inconsciente,
supostamente, para repercutir a paz, o sossego, a tranquilidade. Somos capazes
de vociferar aos quatro cantos quando a dignidade humana é ultrajada, mas não
vemos obstáculos e nem incoerências ao julgar, apontar o dedo, negar o diálogo,
impor o silêncio a quem deseja tão somente um ouvido aberto ou um abraço para
suportar as angústias do cotidiano.
O
sociólogo, poeta e fotógrafo francês, Jean Baudrillard, dizia que os seres
humanos da contemporaneidade se encontram amarrados a uma vida que se alicerça,
em grande medida, pelos contornos do desencanto, mas que busca ser preenchida,
equivocadamente, pela hiperatividade, pelas relações sem pertencimento
reciproco, pela falta de compaixão e insensibilidade com a dor do outro. Para
Baudrillard a sociedade adquiriu velocidade e perdeu o sentido, de tal maneira
que temos muita pressa, mas não sabemos para onde ir.
Não
é fácil aprender que há dimensões da vida que nunca haverão de distanciar-se do
nosso coração. A vida somente poderá ser medida no final de nossa existência
por aquilo que soubemos realizar de forma especial com aqueles e aquelas que nos foram presenteados no decorrer da jornada. Mesmo
que impulsivamente tenhamos traído a nossa compaixão, resta-nos esperar que,
pelo menos, tenhamos agido para sermos mais justos.
Oportuno
lembrar que chegará o dia onde o desejado não será mais desejado. As lutas
travadas para alcançar determinado propósito perderão o seu valor. Restarão sombras
de um caminho sem atalhos, sem explicações. Olharemos desejando apenas um
pouquinho daquilo que já tivemos a oportunidade de sentir e sonhar. Saberemos,
pelo viés mais duro, que o vazio e a saudade sempre serão feridas abertas. Os
valores e as ações esculpidos em nossas lembranças ganharão contornos de
heroísmo ou desalento.
Não
ter que conviver com as próprias inconstâncias parece ser o caminho mais largo
para aliviar o receio de uma vida sem grandes dilemas. Sensações momentâneas
que se transformam em felicidade oportunista. Quem sabe, a resposta às grandes
perguntas da vida esteja na capacidade de conviver com o vazio. Inquietações,
enigmas, caminhos, podem não vir da racionalidade, mas das noites escuras do não
saber, do não compreender, de sentir-se pequeno.
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