sexta-feira, 14 de abril de 2017

ADÁGIOS EXISTENCIAIS



Faz parte do senso comum, alardear que à medida que envelhecemos melhor lembramos o passado. Por mais verdadeira que seja esta prerrogativa, talvez devêssemos repercutir melhor algumas das suas facetas. Sabemos que muitos eventos se perdem, irremediavelmente, nos escombros do evento corrosivo e danoso que convencionamos chamar de tempo.

As nossas reminiscências mais remotas nem sempre conseguem ser registradas num tempo cronológico. Guardamos saudades, sensações e sentidos daquilo que fez o nosso coração bater mais forte e que tornou a vida mais bela, mais plena, cheia de sonhos. Com a soma dos dias, ficam os sentimentos, vão-se as datas dos encontros, dos olhares, dos sorrisos, das palavras e dos afagos.

Tem dias que, mesmo sem querer, ouvimos aquela música e as lágrimas rolam. Vemos alguma paisagem e a lembrança nos leva aos recônditos da nossa existência revolvendo dores e fracassos. Sentimos algum aroma, reverenciamos a beleza de uma flor, a ternura no rosto da criança, a reciprocidade do abraço.

Há coisas que marcaram no mais profundo de nossa alma e que permanecem, queiramos ou não. Imagino que todas sejam caminhos para preservar a ternura num mundo habitado por pessoas cada vez mais frias e impessoais. As reminiscências deveriam suscitar reverência e gratidão. Despertar a sensibilidade e auxiliar a enfrentar os dias complicados como pérolas para uma jornada mais serena.

Nem nos damos conta de que desperdiçamos um tempo precioso e que nunca mais poderá ser recuperado quando negligenciamos o diálogo, a convivência, o aprendizado, o consolo, a mão estendida. Preferimos os subterfúgios em nosso inconsciente, supostamente, para repercutir a paz, o sossego, a tranquilidade. Somos capazes de vociferar aos quatro cantos quando a dignidade humana é ultrajada, mas não vemos obstáculos e nem incoerências ao julgar, apontar o dedo, negar o diálogo, impor o silêncio a quem deseja tão somente um ouvido aberto ou um abraço para suportar as angústias do cotidiano.

O sociólogo, poeta e fotógrafo francês, Jean Baudrillard, dizia que os seres humanos da contemporaneidade se encontram amarrados a uma vida que se alicerça, em grande medida, pelos contornos do desencanto, mas que busca ser preenchida, equivocadamente, pela hiperatividade, pelas relações sem pertencimento reciproco, pela falta de compaixão e insensibilidade com a dor do outro. Para Baudrillard a sociedade adquiriu velocidade e perdeu o sentido, de tal maneira que temos muita pressa, mas não sabemos para onde ir.

Não é fácil aprender que há dimensões da vida que nunca haverão de distanciar-se do nosso coração. A vida somente poderá ser medida no final de nossa existência por aquilo que soubemos realizar de forma especial com aqueles e aquelas que nos foram presenteados no decorrer da jornada. Mesmo que impulsivamente tenhamos traído a nossa compaixão, resta-nos esperar que, pelo menos, tenhamos agido para sermos mais justos.

Oportuno lembrar que chegará o dia onde o desejado não será mais desejado. As lutas travadas para alcançar determinado propósito perderão o seu valor. Restarão sombras de um caminho sem atalhos, sem explicações. Olharemos desejando apenas um pouquinho daquilo que já tivemos a oportunidade de sentir e sonhar. Saberemos, pelo viés mais duro, que o vazio e a saudade sempre serão feridas abertas. Os valores e as ações esculpidos em nossas lembranças ganharão contornos de heroísmo ou desalento.

Não ter que conviver com as próprias inconstâncias parece ser o caminho mais largo para aliviar o receio de uma vida sem grandes dilemas. Sensações momentâneas que se transformam em felicidade oportunista. Quem sabe, a resposta às grandes perguntas da vida esteja na capacidade de conviver com o vazio. Inquietações, enigmas, caminhos, podem não vir da racionalidade, mas das noites escuras do não saber, do não compreender, de sentir-se pequeno.

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