sexta-feira, 4 de março de 2016

Intolerância: A estupidez dos “eleitos” de Deus



É oportuno lembrar as sábias palavras do humanista alemão Friedrich Nietzsche que entedia que na origem da demanda por justiça estaria o desejo de vingança. Para ele, o que distinguia a civilização da barbárie era o empenho em produzir dispositivos que permitissem separar um do outro. Receio que esta seja uma das questões que deveria ser aprofundada quando vislumbramos as consequências da intolerância, do conservadorismo e da violência em nosso país.

Somos o resultado daquilo que nos constituiu como nação. O Brasil foi o último país livre no Ocidente a abolir a prática bárbara do trabalho escravo. Durante três séculos, a elite brasileira capturou, traficou, explorou e torturou cidadãos africanos e seus descendentes sem causar maiores escândalos. Ainda vivemos as consequências históricas dessa estupidez que só foi abreviada porque havia se tornado economicamente inviável.

Este é o Brasil que queremos tornar menos violento sem mexer em nada além de reduzir a idade em que os adolescentes devem ser encarcerados junto aos criminosos adultos. Alguém é capaz de acreditar que a medida haverá de amenizar a violência de que somos todos, sem exceção, vítimas? As crianças arregimentadas pelo crime são evidências de nosso fracasso em cuidar, educar, alimentar e oferecer futuro a um grande número de brasileiros. Esconder nossa vergonha atrás das grades não vai resolver o problema.

É evidente que os que conduzem a defesa da mudança na legislação estão pensando em colocar na cadeia, sob a influência e a ameaça de bandidos adultos já muito bem formados na escola do crime, somente os "filhos dos outros". Duvido que a esmagadora maioria das brasileiras e dos brasileiros acredite que o filho de um cidadão “da elite” será julgado e encarcerado aos 16 anos por ter queimado um índio dormindo, espancado prostitutas ou ter ceifado a vida de uma pessoa ao dirigir embriagado e em alta velocidade! É sabido que os filhos dos "outros" são os mesmos há 500 anos. Os cidadãos que ficaram à margem. Aqueles e aquelas que são "incluídos" apenas nas favelas deste nosso país continental.

É revoltante ver que, em nome de sua fé, milhares de pessoas usam as redes sociais para atacar uma transexual "crucificada” e são absolutamente indiferentes ao assassinato ou linchamento de negros, mulheres e travestis. Conseguem, igualmente, ser indiferentes aos milhares de mendigos, idosos e crianças drogadas que encontram todos os dias vivendo pelas ruas. Os mesmos que, desprovidos de qualquer misericórdia, aceitam sem encargos de consciência a imensa desigualdade social brasileira. Não tem problemas como “bons cristãos” em defender a pena de morte ou a intransigência religiosa.

A polêmica em torno de Viviany – a transexual "crucificada” em São Paulo durante a parada gay - nos remete a diversos grupos sociais vítimas da hostilidade e humilhação e que vem buscando a justa dignidade. Ao ver a transexual "crucificada”, deveríamos lembrar uma mensagem que orienta a "amar ao próximo como a si mesmo”. Ela serviria para que entendêssemos este protesto feito e enxergássemos de forma mais tolerante, pacifica e generosa a todos os excluídos que nos pedem socorro. Mesmo que não concordemos, sejamos menos algozes uns dos outros, menos juízes uns dos outros. Preocupemo-nos em exercitar as prerrogativas de nossa caminhada através da partilha, da humildade e da fraternidade.

Sem querer polemizar, mas ressaltando demandas históricas e sociais de nosso tempo, ouso dizer que heréticos em relação ao Evangelho são aqueles que, hoje, atiram pedras nas vítimas da fome, que não estendem a mão aos doentes, aos idosos, portadores de deficiência, que submetem a pesados fardos à vida das mulheres, que viram o rosto para a violência cometida contra os homossexuais, negros e índios.

A religião, seja ela qual for, deve ser antes de qualquer compreensão um lugar de igualdade e justiça. Só haverá um caminho de justiça quando a religião se propuser a vivê-la em suas comunidades. Daí sim, o caminho poderá ser de uma sociedade alicerçada nos valores do Reino de Deus, que, por sua vez, nos comunica a igualdade, a justiça e a fraternidade.

Atitudes fascistas que vão eclodindo hoje no Brasil têm muito mais a ver com o ódio e a frustração sendo disfarçados de uma ideologia politica e religiosa sem um mínimo de coerência. Idealismo que requer linguagem violenta ou belicosa, logo desemboca em fanatismo, que não tarda a virar bestialidade. Em tempos de abundância de ódio, qualquer migalha de bondade deve ser apreciada.

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