É
oportuno lembrar as sábias palavras do humanista alemão Friedrich Nietzsche que
entedia que na origem da demanda por justiça estaria o desejo de vingança. Para
ele, o que distinguia a civilização da barbárie era o empenho em produzir
dispositivos que permitissem separar um do outro. Receio que esta seja uma das
questões que deveria ser aprofundada quando vislumbramos as consequências da
intolerância, do conservadorismo e da violência em nosso país.
Somos
o resultado daquilo que nos constituiu como nação. O Brasil foi o último país
livre no Ocidente a abolir a prática bárbara do trabalho escravo. Durante três
séculos, a elite brasileira capturou, traficou, explorou e torturou cidadãos
africanos e seus descendentes sem causar maiores escândalos. Ainda vivemos as
consequências históricas dessa estupidez que só foi abreviada porque havia se
tornado economicamente inviável.
Este
é o Brasil que queremos tornar menos violento sem mexer em nada além de reduzir
a idade em que os adolescentes devem ser encarcerados junto aos criminosos
adultos. Alguém é capaz de acreditar que a medida haverá de amenizar a
violência de que somos todos, sem exceção, vítimas? As crianças arregimentadas
pelo crime são evidências de nosso fracasso em cuidar, educar, alimentar e
oferecer futuro a um grande número de brasileiros. Esconder nossa vergonha
atrás das grades não vai resolver o problema.
É
evidente que os que conduzem a defesa da mudança na legislação estão pensando
em colocar na cadeia, sob a influência e a ameaça de bandidos adultos já muito
bem formados na escola do crime, somente os "filhos dos outros".
Duvido que a esmagadora maioria das brasileiras e dos brasileiros acredite que
o filho de um cidadão “da elite” será julgado e encarcerado aos 16 anos por ter
queimado um índio dormindo, espancado prostitutas ou ter ceifado a vida de uma
pessoa ao dirigir embriagado e em alta velocidade! É sabido que os filhos dos
"outros" são os mesmos há 500 anos. Os cidadãos que ficaram à margem.
Aqueles e aquelas que são "incluídos" apenas nas favelas deste nosso
país continental.
É
revoltante ver que, em nome de sua fé, milhares de pessoas usam as redes
sociais para atacar uma transexual "crucificada” e são absolutamente
indiferentes ao assassinato ou linchamento de negros, mulheres e travestis.
Conseguem, igualmente, ser indiferentes aos milhares de mendigos, idosos e
crianças drogadas que encontram todos os dias vivendo pelas ruas. Os mesmos
que, desprovidos de qualquer misericórdia, aceitam sem encargos de consciência
a imensa desigualdade social brasileira. Não tem problemas como “bons cristãos”
em defender a pena de morte ou a intransigência religiosa.
A
polêmica em torno de Viviany – a transexual "crucificada” em São Paulo
durante a parada gay - nos remete a diversos grupos sociais vítimas da
hostilidade e humilhação e que vem buscando a justa dignidade. Ao ver a
transexual "crucificada”, deveríamos lembrar uma mensagem que orienta a "amar
ao próximo como a si mesmo”. Ela serviria para que entendêssemos este protesto
feito e enxergássemos de forma mais tolerante, pacifica e generosa a todos os
excluídos que nos pedem socorro. Mesmo que não concordemos, sejamos menos
algozes uns dos outros, menos juízes uns dos outros. Preocupemo-nos em
exercitar as prerrogativas de nossa caminhada através da partilha, da humildade
e da fraternidade.
Sem
querer polemizar, mas ressaltando demandas históricas e sociais de nosso tempo,
ouso dizer que heréticos em relação ao Evangelho são aqueles que, hoje, atiram
pedras nas vítimas da fome, que não estendem a mão aos doentes, aos idosos,
portadores de deficiência, que submetem a pesados fardos à vida das mulheres,
que viram o rosto para a violência cometida contra os homossexuais, negros e
índios.
A
religião, seja ela qual for, deve ser antes de qualquer compreensão um lugar de
igualdade e justiça. Só haverá um caminho de justiça quando a religião se
propuser a vivê-la em suas comunidades. Daí sim, o caminho poderá ser de uma
sociedade alicerçada nos valores do Reino de Deus, que, por sua vez, nos
comunica a igualdade, a justiça e a fraternidade.
Atitudes
fascistas que vão eclodindo hoje no Brasil têm muito mais a ver com o ódio e a frustração
sendo disfarçados de uma ideologia politica e religiosa sem um mínimo de
coerência. Idealismo que requer linguagem violenta ou belicosa, logo desemboca
em fanatismo, que não tarda a virar bestialidade. Em tempos de abundância de
ódio, qualquer migalha de bondade deve ser apreciada.
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