sexta-feira, 24 de junho de 2016

A TRANSITORIEDADE DA VIDA




Em um dos seus poemas sobre as escolhas e decepções da raça humana, o escritor tcheco Milan Kundera, na sua obra mais conhecida – A Insustentável Leveza do Ser - escreve: “Todo mundo tem dificuldade de aceitar o fato de que desaparecerá, desconhecido e despercebido, num universo indiferente”. Com certeza, uma dolorosa e terrível constatação. Mas muito adequada para esta nossa sociedade maniqueísta e recheada de ambiguidades. Com valores e verdades que tem gerado dor, sofrimento, tristeza e solidão. Parece bastante óbvia a prerrogativa de que quando a humanidade torna-se indiferente e a existência humana carece de uma razão para acreditar no porvir, a fúria da morte deixa de ameaçar.

A luta pode ser inglória. Por vezes, cansa ter que remar para lugares que nem imaginamos onde poderão estar levando. Descobrimo-nos estafados, obrigados a encarnar sentidos que mais parecem um fardo. Rotina e inferno se confundem. Não conseguimos romper com os padrões da monotonia que escraviza e faz o coração sangrar.

Neste paradoxo da existência, humanidade e abismo são faces de uma mesma realidade. É como se construíssemos nossos sonhos na beira de algum penhasco. Nutre-se a insubordinação que empurra para além da linha que almejava conter nossas inquietações. Hesitantes, preferimos o altruísmo e reverenciamos os sentidos que não mostrem as próprias incapacidades.

Sobram desculpas quando poderíamos passar longe dos ditames do sucesso, do reconhecimento, do status. Pequenos, almejamos a grandiosidade e as palmas. É como se atentássemos para alguma voz interior impulsionando para uma existência que acaba sendo mais fácil e tranquila. Aparentemente, sem grandes conflitos quando desprovida de imperativos éticos, de valores e verdades que geram justiça, compreensão, paz e amor. Afinal de contas, assumir determinados princípios pode redundar em consequências, algumas, desagradáveis.  

É constitutivo de todo ser humano a busca por refúgio em veredas longínquas. Como se o drama de uma vida pudesse ser explicado pela representação do peso. Dizemos que temos um fardo sobre os ombros. Carregamos esse fardo e o suportamos. Lutamos com ele, perdemos ou ganhamos. Não poderemos jamais verificar qual seria a boa ou a má decisão, porque, em todas as situações, só podemos decidir uma vez. Não nos são dadas uma primeira, segunda, terceira ou quarta chance para que possamos comparar decisões diferentes.

Somos seres limitados. Intuímos, mas ainda estamos longe de abraçar o significado do equilíbrio, da coragem, da perseverança, da solidariedade e do amor. Na vastidão do mistério que não somos capazes de decifrar, oscilamos entre a passividade e a angústia. Tantas são as situações que geram medo e aflição. Preferimos descrever o futuro como se fosse um oceano desconhecido.

Quase não relutamos quando a vida reduz as opções no decorrer da jornada. A vida vai passando. Muito mais rápido do que desejaríamos. Muito mais vazia do que outrora sonhamos. Nossos olhos vão perdendo a vitalidade. Os cabelos ficando brancos. A saúde deteriorando. Tentamos driblar o câncer, a pressão alta, o diabetes. Por mais doloroso que seja, lamentamos a percepção de que talvez quando não mais existirmos, quem sabe seremos lembrados apenas como fagulha na neblina.

Contemplar a vida em sua brevidade é olhar para trás e dar-se conta de que somos o resultado daquilo que pudemos construir de mais belo, mais marcante, mas precioso, ainda que também possa estar marcado por decepções, dores e tristezas. É ter a certeza de que algumas lembranças jamais poderão ser apagadas, pois para sempre estarão registradas na memória e bem guardadas no coração.

Mesmo nas nossas incompletudes, desejamos não passar nesta vida sem deixar alguma marca. Sentimo-nos amparados quando percebemos que outros são especiais na nossa jornada. Quando despertamos amor, afeição, carinho e cuidado. Quando existe o abraço, a mão estendida, o colo.

É a precariedade da vida que escancara nossos limites, imperfeições e carências. Rubem Alves ensina que “é preciso escolher porque não teremos tempo para tudo. Não poderemos escutar todas as músicas, não poderemos ler todos os livros, não poderemos abraçar todas as pessoas que desejamos. É necessário aprender a arte de ‘abrir mão’ a fim de dedicar-se àquilo que é essencial”.  

Carregamos conosco contornos e nuances. Paz e tragédia.  Razão e devaneio. Em nosso caminhar, cada qual é desafiado a seguir pelas veredas sinuosas da existência entre aspirações, conspirações, desalentos, frustrações, tristezas e inquietudes. Neste mundo cheio de paradoxos, excentricidades e diferenças, é alentador acreditar que ainda seja possível espalhar sementes que no tempo certo poderão frutificar, mesmo sem a nossa presença. Teimo em acreditar que as nossas digitais não se apagam das vidas que tivemos a oportunidade de tocar.

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