A
psicanálise assegura que a condição humana encadeia uma imensidão de
incongruências exacerbadas pelo vazio, pela falta e pela precariedade. Somos
incapazes de alcançar a plenitude. Desejamos o tempo todo. Fugimos da dor e resistimos
ao tédio. Matamos a generosidade e a compaixão.
Com
freqüência, abraçamos verdades e valores contrários à coletividade para não
experimentar o fracasso de nossas virtudes. Criamos utopias que sustentam um
paraíso imaginário. Convivemos em um mundo que fala o tempo todo de felicidade,
realização e alegria, mas que na sua essência concretiza a estupidez, o
ressentimento, a inveja, a falta de caráter em palavras e atitudes. O fato das
pessoas se comunicarem e de existir relações globais não implica em
significados integrados e harmoniosos. Cada qual vê o mundo de um jeito, por
vezes, de forma antagônica e excludente.
Pessoas
almejam ser reconhecidas com base em tantas e tantas situações pouco
convenientes e desconectadas de pressupostos históricos, culturais, sociais e
religiosos. Exige-se “respeito” por defender práticas sexuais, por pichar
paredes e muros em nome de uma “arte alternativa e militante”, por realizar
aborto às escondidas em nome de um suposto “direito” travestido de humanização.
A mania de reconhecimento tal como descrito pelo sociólogo alemão Axel Honneth
é um insulto a quem, de fato, já sofreu na face da terra e não é capaz de compreender
os horizontes de direitos sublinhados pela singularidade e o narcisismo.
Ouso
afirmar que o ser humano da contemporaneidade talvez seja o mais covarde que já
habitou a face da terra. Sobre ela deixará a sua profunda marca de
incompetência em lidar com a efemeridade, a dor e o fracasso. Nosso mundo tem
dificuldades imensas de aprender que o amadurecimento supõe reconhecer as
próprias orfandades. Uma de nossas piores tragédias é constatar que são os
fracassos e mazelas do dia a dia que tornam a vida real.
O
mundo nunca esteve tão cheio de gente que fala o que pensa. Que defende idéias
ou princípios de forma contundente. No entanto, a maior parte daquilo que é
dito soa irrelevante. Talvez nunca tenha sido dito tanta besteira e banalidade.
Nunca se tirou tanta foto, mas desdenha-se em compreender o seu significado. É
a falta de discernimento em meio a um deserto de informações inúteis e
indiferentes. No fundo, vivemos uma vida acuada por um futuro no qual a solidão
será o resultado de nossas escolhas no presente.
Caminhamos
como se a imortalidade estivesse garantida. Sempre que possível, empurramos
nossos dilemas para outro dia, outro mês, outro ano. Criamos argumentos,
perscrutamos teorias, sugerimos infinitas respostas e mal percebemos que diante
do sofrimento e do vazio, não carecemos de explicações, mas da mão estendida,
do abraço que acolhe, do gesto que inspira atenção e carinho.
A
sociedade atual caracteriza-se pela vida “racional” e programada, pela
democracia liberal, pelo consumismo desenfreado, pelo valor insano do
conhecimento agregado à ciência e pela distância das doutrinas religiosas. Na
carona da opção secular tornamo-nos escravos da experiência “profissional”
consolidada pelos meandros da industrialização. O mal estar da modernidade vem
se notabilizando pelas supostas certezas auferidas pelo cientificismo, pelos
direitos democráticos, pela dita eficácia de uma personalidade auto centrada.
Nunca
se mentiu tanto no mundo como hoje. Nunca se viveu tanto de aparências e nunca
houve um período na história da humanidade onde os intelectuais e pensadores
fossem afirmar suas desvairadas teorias em uma total distância da realidade
vivida por homens e mulheres fatigados pela dor, pelo cansaço, pela falta de
compaixão e afeto. O filósofo Max Horkheimer dizia que somos uma raça de
abandonados. Este abandono não se manifestaria em grandes agonias espirituais
ou filosóficas, mas nas misérias cotidianas. Na falta de carinho, de
compreensão e cuidado.
As
tecnologias vieram para ficar. A medicina evoluiu. As ideologias políticas e
econômicas, pouco compreensíveis nas suas particularidades, circulam. Todavia,
nesta sociedade tão inclinada aos modismos, pergunto-me se as experiências
cotidianas ainda conseguirão concretizar as prerrogativas para a garantia de
uma justiça equitativa e o amor como instrumento de construção da verdadeira
paz. Receio que a balburdia do mundo e as invencionices da modernidade não
sejam suficientes para sufocar as agonias de indivíduos que olham para o
espelho e o contemplam vazio na maioria dos seus dias.
Somos
embalados pelas teorias inebriantes de que tudo se encerra em construções
sociais. Contudo, creio que no futuro não seremos lembrados como aqueles que fizeram
parte da era do Google, do iPad, do WhatsApp, mas da era da apatia e da
indiferença. Indivíduos incapazes de ter vínculos por estarem demais
comprometidos com suas ambições narcísicas. Não será a coragem, a sabedoria, a
disciplina, que descreverão a história das mentalidades de nossa era, mas a
superficialidade, a prepotência e o vazio.
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