sexta-feira, 3 de junho de 2016

AS CONTRADIÇÕES DO PRESENTE



A psicanálise assegura que a condição humana encadeia uma imensidão de incongruências exacerbadas pelo vazio, pela falta e pela precariedade. Somos incapazes de alcançar a plenitude. Desejamos o tempo todo. Fugimos da dor e resistimos ao tédio. Matamos a generosidade e a compaixão.

Com freqüência, abraçamos verdades e valores contrários à coletividade para não experimentar o fracasso de nossas virtudes. Criamos utopias que sustentam um paraíso imaginário. Convivemos em um mundo que fala o tempo todo de felicidade, realização e alegria, mas que na sua essência concretiza a estupidez, o ressentimento, a inveja, a falta de caráter em palavras e atitudes. O fato das pessoas se comunicarem e de existir relações globais não implica em significados integrados e harmoniosos. Cada qual vê o mundo de um jeito, por vezes, de forma antagônica e excludente.

Pessoas almejam ser reconhecidas com base em tantas e tantas situações pouco convenientes e desconectadas de pressupostos históricos, culturais, sociais e religiosos. Exige-se “respeito” por defender práticas sexuais, por pichar paredes e muros em nome de uma “arte alternativa e militante”, por realizar aborto às escondidas em nome de um suposto “direito” travestido de humanização. A mania de reconhecimento tal como descrito pelo sociólogo alemão Axel Honneth é um insulto a quem, de fato, já sofreu na face da terra e não é capaz de compreender os horizontes de direitos sublinhados pela singularidade e o narcisismo.

Ouso afirmar que o ser humano da contemporaneidade talvez seja o mais covarde que já habitou a face da terra. Sobre ela deixará a sua profunda marca de incompetência em lidar com a efemeridade, a dor e o fracasso. Nosso mundo tem dificuldades imensas de aprender que o amadurecimento supõe reconhecer as próprias orfandades. Uma de nossas piores tragédias é constatar que são os fracassos e mazelas do dia a dia que tornam a vida real.

O mundo nunca esteve tão cheio de gente que fala o que pensa. Que defende idéias ou princípios de forma contundente. No entanto, a maior parte daquilo que é dito soa irrelevante. Talvez nunca tenha sido dito tanta besteira e banalidade. Nunca se tirou tanta foto, mas desdenha-se em compreender o seu significado. É a falta de discernimento em meio a um deserto de informações inúteis e indiferentes. No fundo, vivemos uma vida acuada por um futuro no qual a solidão será o resultado de nossas escolhas no presente.

Caminhamos como se a imortalidade estivesse garantida. Sempre que possível, empurramos nossos dilemas para outro dia, outro mês, outro ano. Criamos argumentos, perscrutamos teorias, sugerimos infinitas respostas e mal percebemos que diante do sofrimento e do vazio, não carecemos de explicações, mas da mão estendida, do abraço que acolhe, do gesto que inspira atenção e carinho.

A sociedade atual caracteriza-se pela vida “racional” e programada, pela democracia liberal, pelo consumismo desenfreado, pelo valor insano do conhecimento agregado à ciência e pela distância das doutrinas religiosas. Na carona da opção secular tornamo-nos escravos da experiência “profissional” consolidada pelos meandros da industrialização. O mal estar da modernidade vem se notabilizando pelas supostas certezas auferidas pelo cientificismo, pelos direitos democráticos, pela dita eficácia de uma personalidade auto centrada.

Nunca se mentiu tanto no mundo como hoje. Nunca se viveu tanto de aparências e nunca houve um período na história da humanidade onde os intelectuais e pensadores fossem afirmar suas desvairadas teorias em uma total distância da realidade vivida por homens e mulheres fatigados pela dor, pelo cansaço, pela falta de compaixão e afeto. O filósofo Max Horkheimer dizia que somos uma raça de abandonados. Este abandono não se manifestaria em grandes agonias espirituais ou filosóficas, mas nas misérias cotidianas. Na falta de carinho, de compreensão e cuidado.

As tecnologias vieram para ficar. A medicina evoluiu. As ideologias políticas e econômicas, pouco compreensíveis nas suas particularidades, circulam. Todavia, nesta sociedade tão inclinada aos modismos, pergunto-me se as experiências cotidianas ainda conseguirão concretizar as prerrogativas para a garantia de uma justiça equitativa e o amor como instrumento de construção da verdadeira paz. Receio que a balburdia do mundo e as invencionices da modernidade não sejam suficientes para sufocar as agonias de indivíduos que olham para o espelho e o contemplam vazio na maioria dos seus dias.

Somos embalados pelas teorias inebriantes de que tudo se encerra em construções sociais. Contudo, creio que no futuro não seremos lembrados como aqueles que fizeram parte da era do Google, do iPad, do WhatsApp, mas da era da apatia e da indiferença. Indivíduos incapazes de ter vínculos por estarem demais comprometidos com suas ambições narcísicas. Não será a coragem, a sabedoria, a disciplina, que descreverão a história das mentalidades de nossa era, mas a superficialidade, a prepotência e o vazio.

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