sexta-feira, 22 de abril de 2016

ABOMINAR A INDIFERENÇA


Confesso que tenho inúmeras divergências com quem defende ou vivencia a indiferença. Concordo com as palavras do dramaturgo e poeta alemão Friederich Hebbel, a quase dois séculos, de que viver significa tomar partido. Não consigo imaginar uma convivência construtiva e harmoniosa em uma sociedade formada por indivíduos estranhos aos dilemas e vicissitudes do cotidiano.

Quem pretende viver verdadeiramente não pode deixar de ser cidadão, partidário e defensor de determinadas prerrogativas inerentes à justiça, à ética, à paz e o amor. Indiferença denota ociosidade, oportunismo, desleixo, inércia, não é vida.

A indiferença é o peso morto da história. Retrata um caminho medíocre para o inovador e plenifica a razão inócua na qual se afogam, com frequência, os entusiasmos mais sublimes e auspiciosos. É o abismo que circunda as supostas certezas de gente que não se importa em estender a mão. Gente que já não é capaz de sensibilizar-se com a dor alheia. Gente que é engolida pelos sorvedouros de lama presentes nesta sociedade narcísica consagrada pelo pragmatismo, pela falsidade, pela frieza e racionalidade desmedida.

A indiferença talvez seja uma das mais poderosas forças a atuar nos percursos da história humana. É através dela que a fatalidade acabou se transformando em algo corriqueiro. É pela indiferença que o inoportuno assumiu ares de banalidade. É pela indiferença que vão sendo destruídos os ideais de reciprocidade. É pela indiferença que iniciativas valiosas para uma sociedade melhor vão sendo jogadas na lata do lixo. É motivado pela indiferença que a inteligência fica combalida e a criatividade é sufocada.

Estamos esquecendo que a essência de nossa jornada aqui neste mundo deveria ser a busca do bem comum. Um dos efeitos mais avassaladores desta sociedade capitaneada pela hipocrisia e alicerçada na indiferença é a deterioração da noção de bem comum ou de bem-estar social. A história ensina que as sociedades foram sendo construídas sobre três colunas elementares: a participação, a cooperação e o respeito aos semelhantes. Uma clara noção destes valores seria capaz de garantir uma sociedade justa, harmoniosa e equilibrada.

É revoltante e embaraçoso perceber que a maior parte dos intelectuais contingenciados em nossas universidades públicas e privadas, líderes religiosos de praticamente todas as denominações, políticos de diversos partidos, não assumem o seu protagonismo crítico diante de uma realidade que tem gerado uma escabrosa noção de rentabilidade, adaptação e competitividade. A liberdade dos cidadãos foi sendo substituída pela liberdade das forças do mercado. O bem comum sucumbiu frente aos interesses particulares. A cooperação foi anulada pela competição sem precedentes.

Se a participação, a cooperação e o respeito visavam assegurar a existência de cada pessoa com dignidade, a sua negação, em contrapartida, pressupõe que a existência de cada um não se encontra mais socialmente garantida e nem os possíveis direitos salvaguardados. É por isso que nos dias atuais cada um se sente constrangido a garantir o seu emprego, o seu salário, o seu carro, a sua ideologia. Impera o individualismo e a indiferença. Poucos são os que se sentem desafiados a construir uma realidade comum capaz de superar esta desgraça. A única coisa em comum que parece perpetuar-se é a guerra de todos contra todos em busca da sobrevivência e autoafirmação individual.

O filósofo e teólogo humanista alemão, Ludwig Feuerbach já alertava para o sentido da indiferença e alienação presentes nas relações sociais da modernidade. Nosso tempo, sem dúvida... Prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser. É preciso ter em mente que sem o censo crítico, a insatisfação e a rebeldia, talvez ainda estivéssemos renegados ao tempo das cavernas. Quem sabe a história teria sucumbido. Muitos não haveriam de ter nascido. A ciência não alcançaria suas maiores descobertas. A liberdade não faria parte de nossas utopias. Ser indiferente é andar na contramão do mundo. É naufragar nas ilusões. Ter visão limitada. Não admitir consequências.

Não basta propagandear receitas prontas. Alardear estratégias descoladas da coerência. Cooperação se reforça com cooperação que todos e todas deveriam exercitar incondicionalmente. Uma sociedade que almeja ser livre e democrática necessita de pessoas responsáveis, críticas, independentes, não manipuláveis, com discernimento moral e espiritual. Pessoas conscientes para saber o seu lugar neste mundo em que vivemos, buscando aproximá-lo com todas as suas forças do mundo em que gostaríamos de viver.

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