Vivemos
um dos momentos mais conturbados da história social e politica brasileira. Um
período que, guardadas as devidas proporções, não deixa de ser parecido com
aquele que antecedeu uma das nossas dissenções recentes com os governos
militares. Um tempo de exacerbação sectária e separatista. Um momento no qual
se multiplicam as aberrações constitucionais. Em nome de um suposto combate à
corrupção, mascaram-se as verdadeiras razões políticas, ideológicas e
econômicas. É neste cenário de pouco diálogo e falta de clareza histórica que
o ódio, a intolerância e o maniqueísmo são potencializados.
A
violência verbal escancarada nas mídias sociais vai migrando para as ruas sem
que haja preocupação pela plausibilidade daquilo que é defendido. Já faz tempo
que uma boa parcela do mundo acadêmico, por exemplo, deixou de lado o combate a
tantas aberrações extravagantes que vemos e ouvimos diariamente. Aliás, talvez
tenhamos até um movimento ao contrário. Prega-se abertamente a balbúrdia e
tolhe-se a vontade de diálogo a partir das diferenças. Busca-se uma sinfonia de
uma nota apenas.
Tenho
visto centenas aplaudindo abertamente a volta de um estado de exceção. Gente
sendo atacada por defender determinadas ideias ou valores da cidadania. Pessoas
sendo desqualificadas na sua idoneidade moral por questionar determinadas
prerrogativas políticas. Opinião diferente sendo interpretada como salvo
conduto para justificar ataques e ofensas. O outro como aquele que deveria ser
esmagado, e, de preferência, proscrito.
A
tal cordialidade brasileira, como a descreveu o grande historiador Sérgio
Buarque de Holanda, ao que parece, hoje, anda distante, pois cedeu o seu lugar
para o ódio e a intolerância de modo a antecipar caminhos muito difíceis no
porvir. Já estamos acostumados. Primeiro a desqualificação, os ataques
pessoais, as piadas infames, depois alguma justificativa, ainda que pouco
factível.
O
que menos importa é a busca de uma suposta verdade. A coerência, o bom senso e
a justiça. Quem se atreve a questionar, com facilidade, é enquadrado em alguma
posição dicotômica e binária ‘a favor’ ou ‘contra’ de quem defende sua posição
política, ideológica, moral ou religiosa. Seria salutar compreender que tanto com
o avanço conservador de quem não suporta o debate ou os meandros de um
liberalismo que nada mais deseja do que o poder para consolidar restrições
sociais, o caminho é sempre o mesmo. Um estado democrático não de
direitos, mas de privilégios.
Enquanto
no Brasil não soubermos dialogar a partir das diferenças e sem infinitos
subterfúgios ideológicos mesquinhos, a democracia continuará sendo um conceito
abstrato onde a maior parte da população seguirá à margem das decisões. Não me
surpreende que, para alguns, o caminho da belicosidade seja a única alternativa
plausível. Mas o que me assusta mesmo é ver esta nação andando
por atalhos onde setores do judiciário, da elite política e midiática, tomam
suas decisões sem importar-se com as consequências ao alimentar os acirramentos
que vem se multiplicando.
Quando
o caldo entornar de vez, cada um precisará pagar a sua cota neste país à deriva
por conta desta sanha insana pelo poder. Por enquanto, uma grande parcela
comemora, porque, aparentemente, manipula as regras do jogo. Em breve, talvez,
surgirão aqueles e aquelas que vão perceber que quem apanha sem parar não
esquece jamais quem são os algozes. A história vai dar o troco. Disso não tenho
dúvidas. Receio, contudo, que possa ser tarde demais.
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