sexta-feira, 11 de agosto de 2017

INFORTÚNIOS E DESVENTURAS



Vivemos, em nossos dias, um verdadeiro culto ao sofrimento humano. Há tantas situações e motivos que redundam em exemplos concretos de desamparo, violência e angústia. São experiências em relação à própria vida e que carecem de sentido. Aprendemos, em nossa cultura, a sobreviver mesmo diante dos percalços e das vicissitudes. Muitos aparentam estar felizes por meio de sorrisos caricatos, mas, no fundo, o que vivem buscando mesmo é tão somente driblar as próprias sombras de sua história.

Há dores que parecem maiores do que deveriam. Elas residem na alma, nas instâncias que agregam sentimentos e que desafiam qualquer capacidade de compreensão. No corpo podem aparecer como incômodos. A dor nos resgata dos absurdos em uma sociedade cada vez mais impessoal. A dor mostra quem, verdadeiramente, somos. Em geral, o sofrimento é experimentado como algo bem pessoal, íntimo. Em nosso cotidiano, há uma tendência em negligenciar o que a dor possa significar para o outro. Imagina-se, pela força que a caracteriza, como sendo uma experiência particular, apenas nossa e não do outro. É uma pena que tenhamos perdido tantos gestos de unidade e amparo recíproco diante das desventuras da jornada.

Num passado, nem tão distante assim, a dor serviu de inspiração nas artes, na literatura, suscitando criatividade, enaltecendo aquilo que estava no mais profundo de cada ser humano e para além daquilo que podia ser visto no dia a dia. Hoje, a dor é o eixo para as enfermidades como a depressão que, sendo patológica e tratável, é também, retrato de nossos desajustes existenciais modernos. O filósofo germânico Arthur Schopenhauer, quase dois séculos atrás, já dizia que o sofrimento representava um sentido inalienável para a própria existência. Era parte da vida, por vezes, tão frágil e pequena. Para ele, sofríamos por desejar, por amar e sonhar.

É na jornada de nossas vidas que a metáfora da dor de viver se reveste de sentido. Cada qual experimenta a sua caminhada, já não mais apenas a partir do que pensa, sente ou sonha, mas, naquilo que sofre. Os indivíduos de nosso tempo necessitam conviver com uma realidade que estilhaçou antigas certezas, consolidou o pragmatismo, a impessoalidade, a solidão. Somos uma geração que a cada dia necessita perguntar-se acerca de seu lugar no mundo. O paradoxo que parece mover nossa biografia é que em um mundo controlado pelo desejo, pelo consumo insano e desenfreado, o caminho para resguardar-se de muitos sofrimentos pode ser, justamente, não desejar tanto os valores e as verdades de uma vida subjugada pelas artimanhas da sociedade consumista.

É triste e quase trágico que por conta das tantas situações absurdas que vemos todos os dias, já quase não nos escandalizamos mais com a dor. Independente daquilo que vemos ou ouvimos, em geral, há uma banalização do sofrimento. O impacto de uma situação dolorosa pode durar semanas, dias, horas ou apenas alguns minutos. A dor é um dos elementos que realça sentidos de uma desmedida perversidade em nossas ações. Digo isso por perceber que muitas pessoas não parecem mover-se em suas palavras e atitudes por gestos que realcem a sensibilidade, a empatia, o cuidado e o carinho. Diante do sofrimento não necessitamos sempre de respostas ou teorias bem elaboradas, mas de gestos que ampliem a partilha e a sensação de que não estamos sozinhos. É o abraço, o ouvido atento e a mão estendida que valem mais que as palavras.

Tenho me perguntado acerca do futuro para uma sociedade onde as pessoas são incapazes de exercitar a compaixão pelo sofrimento alheio. Qual o motivo para não vivenciarmos a solidariedade, mas, antes o descaso e a indiferença? A compaixão é a capacidade de perceber o sofrimento de quem, direta ou indiretamente, faz parte de nossa história e saber que ele não é bom. Sentir a dor do outro como se fosse a sua. Uma sociedade capaz de compreender que os indivíduos não estão imunes ao sofrimento talvez tenha alguma chance de repercutir que a tarefa mais sublime é, sobretudo, exercitar por meio de atitudes, tudo aquilo que faça a nossa jornada ser mais plena, sem tantas dores ou sofrimentos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário