Vivemos, em nossos dias, um verdadeiro culto
ao sofrimento humano. Há tantas situações e motivos que redundam em exemplos concretos
de desamparo, violência e angústia. São experiências em relação à própria vida e
que carecem de sentido. Aprendemos, em nossa cultura, a sobreviver mesmo diante
dos percalços e das vicissitudes. Muitos aparentam estar felizes por meio de
sorrisos caricatos, mas, no fundo, o que vivem buscando mesmo é tão somente
driblar as próprias sombras de sua história.
Há dores que parecem maiores do que deveriam.
Elas residem na alma, nas instâncias que agregam sentimentos e que desafiam qualquer
capacidade de compreensão. No corpo podem aparecer como incômodos. A dor nos resgata
dos absurdos em uma sociedade cada vez mais impessoal. A dor mostra quem,
verdadeiramente, somos. Em geral, o sofrimento é experimentado como algo bem
pessoal, íntimo. Em nosso cotidiano, há uma tendência em negligenciar o que a
dor possa significar para o outro. Imagina-se, pela força que a caracteriza,
como sendo uma experiência particular, apenas nossa e não do outro. É uma pena
que tenhamos perdido tantos gestos de unidade e amparo recíproco diante das
desventuras da jornada.
Num passado, nem tão distante assim, a dor serviu
de inspiração nas artes, na literatura, suscitando criatividade, enaltecendo
aquilo que estava no mais profundo de cada ser humano e para além daquilo que
podia ser visto no dia a dia. Hoje, a dor é o eixo para as enfermidades como a
depressão que, sendo patológica e tratável, é também, retrato de nossos desajustes
existenciais modernos. O filósofo germânico Arthur Schopenhauer, quase dois
séculos atrás, já dizia que o sofrimento representava um sentido inalienável para
a própria existência. Era parte da vida, por vezes, tão frágil e pequena. Para
ele, sofríamos por desejar, por amar e sonhar.
É na jornada de nossas vidas que a metáfora
da dor de viver se reveste de sentido. Cada qual experimenta a sua caminhada,
já não mais apenas a partir do que pensa, sente ou sonha, mas, naquilo que sofre.
Os indivíduos de nosso tempo necessitam conviver com uma realidade que
estilhaçou antigas certezas, consolidou o pragmatismo, a impessoalidade, a
solidão. Somos uma geração que a cada dia necessita perguntar-se acerca de seu
lugar no mundo. O paradoxo que parece mover nossa biografia é que em um mundo
controlado pelo desejo, pelo consumo insano e desenfreado, o caminho para
resguardar-se de muitos sofrimentos pode ser, justamente, não desejar tanto os
valores e as verdades de uma vida subjugada pelas artimanhas da sociedade
consumista.
É triste e quase trágico que por conta das
tantas situações absurdas que vemos todos os dias, já quase não nos
escandalizamos mais com a dor. Independente daquilo que vemos ou ouvimos, em
geral, há uma banalização do sofrimento. O impacto de uma situação dolorosa
pode durar semanas, dias, horas ou apenas alguns minutos. A dor é um dos elementos
que realça sentidos de uma desmedida perversidade em nossas ações. Digo isso
por perceber que muitas pessoas não parecem mover-se em suas palavras e
atitudes por gestos que realcem a sensibilidade, a empatia, o cuidado e o
carinho. Diante do sofrimento não necessitamos sempre de respostas ou teorias
bem elaboradas, mas de gestos que ampliem a partilha e a sensação de que não
estamos sozinhos. É o abraço, o ouvido atento e a mão estendida que valem mais
que as palavras.
Tenho me perguntado acerca do futuro para uma
sociedade onde as pessoas são incapazes de exercitar a compaixão pelo sofrimento
alheio. Qual o motivo para não vivenciarmos a solidariedade, mas, antes o
descaso e a indiferença? A compaixão é a capacidade de perceber o sofrimento de
quem, direta ou indiretamente, faz parte de nossa história e saber que ele não
é bom. Sentir a dor do outro como se fosse a sua. Uma sociedade capaz de compreender
que os indivíduos não estão imunes ao sofrimento talvez tenha alguma chance de repercutir
que a tarefa mais sublime é, sobretudo, exercitar por meio de atitudes, tudo
aquilo que faça a nossa jornada ser mais plena, sem tantas dores ou sofrimentos.
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