O Brasil se transformou num país onde os seus
cidadãos e cidadãs já não se sentem constrangidos em escamotear a coerência. No
ano passado, milhares foram para as ruas gritar contra a corrupção. À época, em
outro texto aqui no Blog, afirmei que eu não fui às ruas e jamais iria para
estar ao lado de pessoas que se afinavam com pautas mesquinhas, conservadoras e
oportunistas. Pessoas que com a desculpa de estarem preocupadas com a corrupção
queriam restringir direitos conquistados. Entendia que a revolta, ainda que com
grande adesão, era seletiva. Confira abaixo:
Eu
não fui às ruas por compreender que uma faixa dizendo "queremos que todos
os partidos políticos respondam por seus atos" não representa um real
desejo de justiça e igualdade. A corrupção não é novidade. Jesus Cristo que o
diga. Eu não fui às ruas, mas iria se aqueles que estivessem ao meu lado não
fizessem vista grossa a quem massacra os professores. Eu não fui, mas iria se a
situação da saúde e da segurança aqui no Rio Grande do Sul, por exemplo, fosse
tratada sem subterfúgios ideológicos.
Eu
não fui, mas iria se a pauta fosse para limpar o Congresso de Cunhas,
Bolsonaros e Felicianos que só sabem culpar homossexuais, negros e mulheres,
vítimas de violência, roubando-lhes os poucos direitos conquistados. Eu não
fui, mas iria se não precisasse tirar fotos com amigos vestindo a camisa da
seleção brasileira que representa uma das instituições mais corruptas do Brasil
e do mundo. Eu não fui às ruas pedir o fim da corrupção ao lado de pessoas que,
em muitos casos, não pagam seus impostos. Eu não fui e jamais iria para a rua
com quem acredita que um país com tantas desigualdades como o nosso está assim
apenas por culpa de um governo e de um partido.
Eu
não fui às ruas celebrar o Moro ou o MPF que se acham "paladinos da
justiça" quando estão, com ressalvas, cumprindo o seu dever. Os fins
continuam não justificando os meios. Pode se tratar do Lula, de Cunha, de
qualquer pessoa, não faz diferença. Eu estarei disposto a ir para a rua quando
houver uma mudança de valores e não apenas estardalhaço para alguns
conquistarem o poder puxando o tapete dos outros. Não fui às ruas para defender
um juiz que nunca foi e nem será um exemplo ou herói. Não consigo acreditar em
alguém que interpreta a constituição de forma insólita, recebe ganhos
exorbitantes e prega uma moralidade meio estrábica. Não posso me juntar com
quem continua perpetuando o discurso de ódio e culpando os outros pelos
problemas sem mover uma vírgula para resolvê-los. Essa discussão sempre foi e
continuará sendo inócua. Leva do nada para lugar nenhum.
Confesso ter recebido críticas, algumas até
maldosas, por ter afirmado que corríamos o risco de entregar o comando do país
para uma quadrilha. Muitos retrucavam “mas
ela só tem 11% de aprovação... o desemprego está batendo nos 12 milhões... o
país está um caos... é preciso tirar esta corja de lá...”. Hoje, o Brasil
está parado. Somos comandados por uma gangue. Temer tem menos de 5% de
aprovação. O desemprego na casa dos 14 milhões. Sem qualquer pudor, sobram verbas
e agrados em troca de apoio. O congresso de costas para o povo na medida em que
mais de 80% da população cobrava que as denúncias contra o mais alto mandatário
do país fossem adiante. O judiciário ao invés de cumprir a constituição, anda
mais preocupado em resguardar seus interesses corporativistas. Pergunto-me onde
estão aqueles e aquelas que até ontem tanto se importavam com a decência?
Quem antes vociferava contra a corrupção, hoje
parece anestesiado. Associações empresariais que antes clamavam para que
houvesse mais honestidade, agora, aderiram ao discurso de que o Brasil tem de
continuar no caminho das ditas reformas. Caminhoneiros pararam o país, agora,
salvo exceções, e mesmo com um aumento bem maior dos combustíveis e inúmeras
rodovias sucateadas, o argumento é que tal postura não é adequada. Os avalistas
deste governo falam em conspiração ao defender “Michel”, aquele que na foto
oficial da chegada ao poder prometia transparência ao lado de Romero Jucá,
Moreira Franco, Henrique Alves, Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha e outros
tantos.
Os tucanos viram as pretensões políticas de Aécio
Neves virar pó, mas não se incomodam com a sua capacidade de articulação e
trânsito nos bastidores do poder. O rapaz anda por Brasília costurando apoios sem
ressalvas ou melindres. Ninguém ousa expulsá-lo do ninho. O nome sonhado para
tomar o lugar de Michel Temer, o homem das mesóclises, é o do ministro da
Fazenda Henrique Meirelles, que até 2016 era braço direito de Joesley Batista
como presidente do conselho de administração da JBS. É claro, por certo, dirá
que não sabia de nada acerca dos negócios escusos dos seus patrões.
Afinal de contas o que define o Brasil nos
dias atuais? A mim, é o fato de ser o país dos corruptos onde alguns conhecem
os atalhos da autopreservação. O que antes se condenava, agora pode. O que em outras
épocas causava indignação, hoje soa indiferente. Quem antes vibrava com
revelações de grampos ilegais, hoje busca meios para dificultar o trabalho
policial. Num passe de mágica, tudo se inverteu. O acusador virou acusado. O
moralizador afogou-se na própria sujeira. Para vergonha geral, todos nós,
direta ou indiretamente, consentimos que canalhas não larguem o osso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário