sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

OS CAMINHOS DA DEMOCRACIA




É imprescindível, nos dias atuais, refletir de forma profunda e serena sobre os percursos da democracia. Seus dilemas, aspirações, esperanças e limites. Receio que não tenha melhor companhia para alargar horizontes e revelar os desafios desta empreitada do que a primorosa análise feita pelo pesquisador da Universidade de Brasília, Luís Felipe Miguel em seu livro - Democracia e Representação: Territórios em Disputa. A obra foi lançada no ano de 2014 pela editora da UNESP de São Paulo.


Para o autor, a democracia encontra-se diretamente ligada em nosso país a, pelo menos, quatro problemas fundamentais. O primeiro seria a separação entre governantes e governados. Depois, em segundo lugar, estaria a formação de uma elite política distanciada do povo em geral. Em terceiro lugar, haveria uma ruptura dos vínculos entre a vontade dos representados e a vontade dos representantes. E, por último, o abismo entre o momento em que se afirmam os compromissos nas campanhas eleitorais e o seu efetivo exercício através dos mandatos legislativos.


Uma das questões importantes ao se tratar da democracia é saber como evitar que a mesma não se perca num circulo permeado por promessas ilusórias e que acabem trasbordando para a conhecida demagogia. Afinal de contas, vivemos épocas turbulentas e de exacerbação negativa e quase generalizada das representações políticas. Esta noção depreciativa de que todo político é corrupto e que a maioria não nos representa, não é uma exceção, mas vai sendo repercutida e ampliada todos os dias. O significativo índice de votos brancos e nulos nas últimas eleições tem muito a ver com o vazio programático capaz de despertar, nem tanto, adesões ou contestações, mas, pior, a indiferença.


A constatação de que vivemos dentro de um sistema ambíguo e que não é capaz de nos representar não é uma particularidade restrita ao contexto brasileiro, trata-se de algo que transcende fronteiras geográficas e vem suscitando demoradas reflexões pelo mundo todo. No fundo, a sensação que vai sendo multiplicada é aquela descortinada pelo saudoso Eduardo Galeano ao ensinar que as eleições nos dias atuais, mesmo que tragam consigo as premissas de um ideal democrático, no fundo, só nos permitiriam escolher em qual molho preferimos ser cozinhados.


Não é de se estranhar que neste pretenso cardápio eleitoral vamos encontrando pratos que mais suscitam a repugnância do que o apetite. Diante do vazio de uma consciência crítica, figuras conhecidas e dotadas de um forte apelo messiânico tendem a triunfar. A verborragia vazia vai sendo vista, com facilidade, não como afronta à ética ou negação do outro, mas como premissa de coragem, de valentia, de uma suposta idoneidade. Radicalismos viram solução para uma sociedade acostumada ao caos.


Receio que não exista igualdade entre as pessoas quando se vive em uma sociedade onde os acessos aos meios de produção, ao capital cultural e às tecnologias são geradoras de fraturas sociais. A extrema concentração de capital nas mãos de alguns conectada à miséria a que são condenados milhões, faz da grande maioria dos países que se autodenominam “democráticos” uma fraude hipócrita onde a igualdade existe como forma vazia, mas não como conteúdo real nos espaços do cotidiano.


Outra questão crucial diz respeito aos meios de comunicação de massa que podem representar um inestimável auxilio ao ideal democrático, ou, ao contrário, solapar suas bases mais elementares ao fornecer percepções particulares em uma espécie de simulacro da realidade. O poderio midiático é capaz de multiplicar os seus interesses e distanciar-se de servir à participação igualitária, à construção de uma sociedade onde todos e todas tenham voz e vez. O objetivo é que os meios de comunicação soubessem representar de maneira adequada às diferentes posições presentes na sociedade, incorporando o pluralismo.

Por fim, o desafio para os caminhos da democracia nos dias atuais é tornar mais equânime o acesso aos meios de difusão das representações do mundo social. Isto significa, principalmente, dar espaço às diferentes vozes presentes na sociedade de forma respeitosa e construtiva. Mas significa também, e crucialmente, gerar espaços que permitam a todos e todas formularem seus interesses e necessidades dentro de um modelo que não feche as portas para determinadas demandas através dos poderes constituídos em nome de uma pretensa maioria. É preciso sublinhar que os conflitos são o efeito das relações de dominação e o seu sufocamento, em última análise, impede o pleno exercício da democracia.




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