É imprescindível, nos dias atuais, refletir
de forma profunda e serena sobre os percursos da democracia. Seus dilemas,
aspirações, esperanças e limites. Receio que não tenha melhor companhia para
alargar horizontes e revelar os desafios desta empreitada do que a primorosa análise
feita pelo pesquisador da Universidade de Brasília, Luís Felipe Miguel em seu
livro - Democracia e Representação:
Territórios em Disputa. A obra foi lançada no ano de 2014 pela editora da
UNESP de São Paulo.
Para o autor, a democracia encontra-se
diretamente ligada em nosso país a, pelo menos, quatro problemas fundamentais.
O primeiro seria a separação entre governantes e governados. Depois, em segundo
lugar, estaria a formação de uma elite política distanciada do povo em geral.
Em terceiro lugar, haveria uma ruptura dos vínculos entre a vontade dos
representados e a vontade dos representantes. E, por último, o abismo entre o
momento em que se afirmam os compromissos nas campanhas eleitorais e o seu efetivo
exercício através dos mandatos legislativos.
Uma das questões importantes ao se tratar da
democracia é saber como evitar que a mesma não se perca num circulo permeado
por promessas ilusórias e que acabem trasbordando para a conhecida demagogia.
Afinal de contas, vivemos épocas turbulentas e de exacerbação negativa e quase
generalizada das representações políticas. Esta noção depreciativa de que todo
político é corrupto e que a maioria não nos representa, não é uma exceção, mas
vai sendo repercutida e ampliada todos os dias. O significativo índice de votos
brancos e nulos nas últimas eleições tem muito a ver com o vazio programático
capaz de despertar, nem tanto, adesões ou contestações, mas, pior, a indiferença.
A constatação de que vivemos dentro de um sistema
ambíguo e que não é capaz de nos representar não é uma particularidade restrita
ao contexto brasileiro, trata-se de algo que transcende fronteiras geográficas
e vem suscitando demoradas reflexões pelo mundo todo. No fundo, a sensação que
vai sendo multiplicada é aquela descortinada pelo saudoso Eduardo Galeano ao
ensinar que as eleições nos dias atuais, mesmo que tragam consigo as premissas
de um ideal democrático, no fundo, só nos permitiriam escolher em qual molho preferimos
ser cozinhados.
Não é de se estranhar que neste pretenso cardápio
eleitoral vamos encontrando pratos que mais suscitam a repugnância do que o
apetite. Diante do vazio de uma consciência crítica, figuras conhecidas e
dotadas de um forte apelo messiânico tendem a triunfar. A verborragia vazia vai
sendo vista, com facilidade, não como afronta à ética ou negação do outro, mas
como premissa de coragem, de valentia, de uma suposta idoneidade. Radicalismos
viram solução para uma sociedade acostumada ao caos.
Receio que não exista igualdade entre as
pessoas quando se vive em uma sociedade onde os acessos aos meios de produção,
ao capital cultural e às tecnologias são geradoras de fraturas sociais. A
extrema concentração de capital nas mãos de alguns conectada à miséria a que
são condenados milhões, faz da grande maioria dos países que se autodenominam “democráticos”
uma fraude hipócrita onde a igualdade existe como forma vazia, mas não como
conteúdo real nos espaços do cotidiano.
Outra questão crucial diz respeito aos
meios de comunicação de massa que podem representar um inestimável auxilio ao
ideal democrático, ou, ao contrário, solapar suas bases mais elementares ao
fornecer percepções particulares em uma espécie de simulacro da realidade. O
poderio midiático é capaz de multiplicar os seus interesses e distanciar-se de servir
à participação igualitária, à construção de uma sociedade onde todos e todas tenham
voz e vez. O objetivo é que os meios de comunicação soubessem representar de
maneira adequada às diferentes posições presentes na sociedade, incorporando o
pluralismo.
Por fim, o
desafio para os caminhos da democracia nos dias atuais é tornar mais equânime o
acesso aos meios de difusão das representações do mundo social. Isto significa,
principalmente, dar espaço às diferentes vozes presentes na sociedade de forma
respeitosa e construtiva. Mas significa também, e crucialmente, gerar espaços
que permitam a todos e todas formularem seus interesses e necessidades dentro
de um modelo que não feche as portas para determinadas demandas através dos
poderes constituídos em nome de uma pretensa maioria. É preciso sublinhar que
os conflitos são o efeito das relações de dominação e o seu sufocamento, em
última análise, impede o pleno exercício da democracia.
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