Vivemos um momento peculiar na história da
humanidade. No século XVIII, durante o iluminismo, pessoas esclarecidas
acreditavam que a superação da religião institucionalizada representava o sinal
evidente do progresso. Em vários sentidos, tinham razão. O pensamento não
religioso e racional fez crescer a ciência, impactou em avanços extraordinários
na medicina e consolidou novas descobertas em muitas áreas.
Grande parte do otimismo racional associava
religião com censura, atraso, repressão, inquisição. Muitos liberais e
filósofos chegaram, inclusive, a proclamar a “morte de Deus” e o fim das
igrejas. A ciência representava a evolução positiva conforme os ideais aludidos
por Darwin. A religião, por sua vez, era uma espécie de conto de fadas
destituído de lógica, na medida em que supunha o criacionismo como pressuposto
explicativo.
As experiências do século XX marcaram uma
virada que foi ampliada por novas demandas e vivências. A ciência tinha criado
os meios para o surgimento das metralhadoras, armas de destruição em massa,
tanques e aviões de combate. Na carona, duas guerras mundiais. Os horrores de
Auschwitz lançaram pavor sobre a racionalidade a serviço da morte. Se a Espanha
e Portugal haviam matado milhares em nome de Deus, na Idade Moderna, a
Alemanha, União Soviética e China, mataram muito mais em nome da racionalidade e
da pretensa cientificidade.
A biografia da maioria das pessoas no
Ocidente reproduz, em escala individual, esta transição cultural que aconteceu
nos últimos duzentos anos. O Deus da infância parece estar aprisionado. Não
cresceu. Sofreu aquilo que também foi retratado com o Papai Noel, o Coelhinho
da Páscoa e os contos de fadas. É contemplado pelo viés das lembranças ternas,
mas que o peso da vida adulta impediu de tornar mais próximo. Talvez a maior
injustiça que Deus sofre no mundo atual é de ficar congelado no passado. Ser
acusado de não responder mais as angústias e dilemas da vida adulta.
As religiões, em geral, são acompanhadas de
uma ética e de uma moral. Postulam retratar a vasta experiência humana e a sua
inserção no mundo cotidiano, real. Algumas correntes ligadas à matriz cristã
valorizam, inclusive, o controle dos corpos. É interessante notar como nos dias
atuais ocorre uma “domesticação” dos corpos. Sacrifícios, dietas, exercícios,
cirurgias, tudo vale nesta nova moral estética.
Os seres humanos da era medieval eram capazes
de cravar espinhos pontiagudos na carne para castigar os desejos e ampliar o
domínio sobre os corpos. Os seres humanos da contemporaneidade correm em
esteiras até esgotarem suas forças. Os seres humanos de outras épocas comiam
pouco para jejuarem e, assim demonstrarem, como eram capazes de amar a Deus. Os
da atualidade comem pouco para reduzirem taxas de gordura e não sofrerem tantos
malefícios em termos de saúde física.
Os seres humanos de outrora se esforçavam
para não tomar parte dos prazeres da vida de modo a garantir o almejado e
indescritível prazer na eternidade. Nós, agora, abrimos mão de muitos prazeres
pelo esforço da disciplina e do ativismo laboral, da admiração física e
estética, do empenho em produzir. Na
Idade Média, todo este esforço e sacrifício chamava-se fé. Hoje, é mais comum
que o denominemos de autoestima, empreendedorismo, coaching. Parafraseando o
poeta, historiador e filósofo inglês, Gilbert Keith Chesterton: “Quando as
pessoas deixam de acreditar em Deus, elas não passam a acreditar em nada, elas
passam a acreditar em qualquer coisa”.
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