sexta-feira, 9 de junho de 2017

A (IN) VOLUÇÃO HUMANA



Vivemos um momento peculiar na história da humanidade. No século XVIII, durante o iluminismo, pessoas esclarecidas acreditavam que a superação da religião institucionalizada representava o sinal evidente do progresso. Em vários sentidos, tinham razão. O pensamento não religioso e racional fez crescer a ciência, impactou em avanços extraordinários na medicina e consolidou novas descobertas em muitas áreas.

Grande parte do otimismo racional associava religião com censura, atraso, repressão, inquisição. Muitos liberais e filósofos chegaram, inclusive, a proclamar a “morte de Deus” e o fim das igrejas. A ciência representava a evolução positiva conforme os ideais aludidos por Darwin. A religião, por sua vez, era uma espécie de conto de fadas destituído de lógica, na medida em que supunha o criacionismo como pressuposto explicativo.

As experiências do século XX marcaram uma virada que foi ampliada por novas demandas e vivências. A ciência tinha criado os meios para o surgimento das metralhadoras, armas de destruição em massa, tanques e aviões de combate. Na carona, duas guerras mundiais. Os horrores de Auschwitz lançaram pavor sobre a racionalidade a serviço da morte. Se a Espanha e Portugal haviam matado milhares em nome de Deus, na Idade Moderna, a Alemanha, União Soviética e China, mataram muito mais em nome da racionalidade e da pretensa cientificidade.

A biografia da maioria das pessoas no Ocidente reproduz, em escala individual, esta transição cultural que aconteceu nos últimos duzentos anos. O Deus da infância parece estar aprisionado. Não cresceu. Sofreu aquilo que também foi retratado com o Papai Noel, o Coelhinho da Páscoa e os contos de fadas. É contemplado pelo viés das lembranças ternas, mas que o peso da vida adulta impediu de tornar mais próximo. Talvez a maior injustiça que Deus sofre no mundo atual é de ficar congelado no passado. Ser acusado de não responder mais as angústias e dilemas da vida adulta.

As religiões, em geral, são acompanhadas de uma ética e de uma moral. Postulam retratar a vasta experiência humana e a sua inserção no mundo cotidiano, real. Algumas correntes ligadas à matriz cristã valorizam, inclusive, o controle dos corpos. É interessante notar como nos dias atuais ocorre uma “domesticação” dos corpos. Sacrifícios, dietas, exercícios, cirurgias, tudo vale nesta nova moral estética.

Os seres humanos da era medieval eram capazes de cravar espinhos pontiagudos na carne para castigar os desejos e ampliar o domínio sobre os corpos. Os seres humanos da contemporaneidade correm em esteiras até esgotarem suas forças. Os seres humanos de outras épocas comiam pouco para jejuarem e, assim demonstrarem, como eram capazes de amar a Deus. Os da atualidade comem pouco para reduzirem taxas de gordura e não sofrerem tantos malefícios em termos de saúde física.

Os seres humanos de outrora se esforçavam para não tomar parte dos prazeres da vida de modo a garantir o almejado e indescritível prazer na eternidade. Nós, agora, abrimos mão de muitos prazeres pelo esforço da disciplina e do ativismo laboral, da admiração física e estética, do empenho em produzir.  Na Idade Média, todo este esforço e sacrifício chamava-se fé. Hoje, é mais comum que o denominemos de autoestima, empreendedorismo, coaching. Parafraseando o poeta, historiador e filósofo inglês, Gilbert Keith Chesterton: “Quando as pessoas deixam de acreditar em Deus, elas não passam a acreditar em nada, elas passam a acreditar em qualquer coisa”.

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