Há
momentos em que sinto muita pena dos crédulos. Sinto vontade de chorar por
mulheres e homens movidos pela ingenuidade. Aqueles de semblante triste que
lotam magnificas catedrais na espera de promessas que talvez nunca sejam
cumpridas. Tenho consciência de que não teria sucesso se tentasse alertá-los
daquilo que está no horizonte. É provável que não houvesse compreensão se
buscasse falar das artimanhas desta lógica sinistra que se esconde atrás da dor
e do desespero alheio.
Se
pudesse, eu diria que não é verdade que “tudo vai dar certo” no futuro. Pois
para muitos a vida simplesmente não “deu certo”. Alguns sucumbiram em virtude
de doenças incuráveis. Alguns nunca alcançaram um trabalho digno que lhes
permitisse sair da miséria. Conheço centenas de mulheres sendo humilhadas e até
espancadas. Famílias sofrendo com a partida prematura de crianças e jovens engolidas
pelo narcotráfico. Como gostaria de advertir, se pudesse que milhares de filhos
e filhas de Deus, haverão de morrer sem verem as tais promessas sendo
cumpridas.
Se
pudesse, eu diria que só nos delírios messiânicos dos falsos sacerdotes
acontecem milagres aos montes. A vida requer um alto grau de objetividade e
realismo. Os tetraplégicos terão que esperar pelo avanço e as descobertas da
medicina, mas quem sabe, um dia, os experimentos consigam regenerar tecidos
nervosos que se romperam. Crianças com Síndrome de Down, por exemplo, merecem
ser amadas sem a pressão de “terem que ser curadas”. Os amputados não deveriam
esperar que seus membros funcionassem como antes, mas que a cibernética tivesse
a capacidade de inventar próteses mais eficientes.
Se
pudesse, eu diria que só os oportunistas inescrupulosos prometem riquezas em
nome de Deus. Em um país que remunera o capital acima do trabalho, os pedreiros,
cozinheiros, motoristas, mecânicos, empregadas domésticas, professores e outros
tantos, continuarão tendo dificuldades para pagar as despesas básicas de suas
famílias. Age de forma leviana e mentirosa aquele que trata a religião como se
esta fosse uma alternativa mágica capaz de garantir a ascensão social.
Se
pudesse, eu diria que nem tudo neste mundo tem um propósito. Denunciaria a
morte de centenas de bebês nas UTIs de tantos hospitais públicos como pecado
dos mais graves. Não permitiria que os teólogos de araque creditassem na conta
da Providência Divina o rio que virou esgoto, a floresta defenestrada e depois
incendiada, as favelas, os roubos e a violência que não para de crescer nas
periferias das grandes cidades. Jamais deixaria que se tentasse explicar o
acidente automobilístico causado pelo bêbado inconsequente como uma “vontade
permissiva de Deus”.
Ah,
se pudesse, eu pediria a todas as pessoas que buscassem viver uma
espiritualidade menos alucinatória e mais “pé no chão”. Diria que não adiante
pintar o mundo com desejos fantasiosos, pensamentos positivos ou energias
apocalípticas. Assim como as dificuldades não se resolvem por encanto, também
não adianta fechar os olhos e aguardar um paraíso de prodígios incalculáveis.
É
verdade, tenho consciência, de que minhas palavras haverão de ser mal
compreendidas por muitos. Resta-me, portanto, continuar insistindo, falando,
escrevendo... Pode ser que uns poucos prestem atenção.
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