sexta-feira, 22 de julho de 2016

PERSEVERANÇA



Há momentos em que sinto muita pena dos crédulos. Sinto vontade de chorar por mulheres e homens movidos pela ingenuidade. Aqueles de semblante triste que lotam magnificas catedrais na espera de promessas que talvez nunca sejam cumpridas. Tenho consciência de que não teria sucesso se tentasse alertá-los daquilo que está no horizonte. É provável que não houvesse compreensão se buscasse falar das artimanhas desta lógica sinistra que se esconde atrás da dor e do desespero alheio.

Se pudesse, eu diria que não é verdade que “tudo vai dar certo” no futuro. Pois para muitos a vida simplesmente não “deu certo”. Alguns sucumbiram em virtude de doenças incuráveis. Alguns nunca alcançaram um trabalho digno que lhes permitisse sair da miséria. Conheço centenas de mulheres sendo humilhadas e até espancadas. Famílias sofrendo com a partida prematura de crianças e jovens engolidas pelo narcotráfico. Como gostaria de advertir, se pudesse que milhares de filhos e filhas de Deus, haverão de morrer sem verem as tais promessas sendo cumpridas.

Se pudesse, eu diria que só nos delírios messiânicos dos falsos sacerdotes acontecem milagres aos montes. A vida requer um alto grau de objetividade e realismo. Os tetraplégicos terão que esperar pelo avanço e as descobertas da medicina, mas quem sabe, um dia, os experimentos consigam regenerar tecidos nervosos que se romperam. Crianças com Síndrome de Down, por exemplo, merecem ser amadas sem a pressão de “terem que ser curadas”. Os amputados não deveriam esperar que seus membros funcionassem como antes, mas que a cibernética tivesse a capacidade de inventar próteses mais eficientes.

Se pudesse, eu diria que só os oportunistas inescrupulosos prometem riquezas em nome de Deus. Em um país que remunera o capital acima do trabalho, os pedreiros, cozinheiros, motoristas, mecânicos, empregadas domésticas, professores e outros tantos, continuarão tendo dificuldades para pagar as despesas básicas de suas famílias. Age de forma leviana e mentirosa aquele que trata a religião como se esta fosse uma alternativa mágica capaz de garantir a ascensão social.

Se pudesse, eu diria que nem tudo neste mundo tem um propósito. Denunciaria a morte de centenas de bebês nas UTIs de tantos hospitais públicos como pecado dos mais graves. Não permitiria que os teólogos de araque creditassem na conta da Providência Divina o rio que virou esgoto, a floresta defenestrada e depois incendiada, as favelas, os roubos e a violência que não para de crescer nas periferias das grandes cidades. Jamais deixaria que se tentasse explicar o acidente automobilístico causado pelo bêbado inconsequente como uma “vontade permissiva de Deus”.

Ah, se pudesse, eu pediria a todas as pessoas que buscassem viver uma espiritualidade menos alucinatória e mais “pé no chão”. Diria que não adiante pintar o mundo com desejos fantasiosos, pensamentos positivos ou energias apocalípticas. Assim como as dificuldades não se resolvem por encanto, também não adianta fechar os olhos e aguardar um paraíso de prodígios incalculáveis.

É verdade, tenho consciência, de que minhas palavras haverão de ser mal compreendidas por muitos. Resta-me, portanto, continuar insistindo, falando, escrevendo... Pode ser que uns poucos prestem atenção.

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