O nosso tempo é o tempo da aceleração
tecnológica e científica que se consolidou e opera em um ritmo inexplicável.
Foram necessários milhares de anos para alcançar outros continentes, passar do
barco a remo para as caravelas, da energia eólica para os motores. No entanto, foram
apenas algumas décadas para passar dos balões dirigíveis zepelim para aviões.
De reatores de propulsão para foguetes interplanetários. Estamos vivendo a
tragédia do conhecimento desconexo, separado. Quanto mais os separamos, tanto
mais difícil será submeter à ciência aos idealismos do poder. Um ilustre
profissional da bioquímica pode imaginar um excelente desodorante, mas não
possui mais o saber que lhe permita dar-se conta de que seu produto irá
provocar uma catastrófica cratera na camada de ozônio.
O precursor tecnológico da separação de
saberes talvez tenha sido protagonizado na indústria automobilística por Henry
Ford. Aquele da linha de montagem em série. Nele, cada indivíduo era instigado
a conhecer uma fase do trabalho, não estava sujeito a tantas responsabilidades,
a produção e o lucro eram mais expressivos. Produção em massa, preços mais
acessíveis e consumo desenfreado. Tudo acontecendo em um ritmo rápido e
surpreendente. É por conta deste modelo ignóbil que se passou a produzir, mais
tarde, por exemplo, quantidades absurdas de venenos que podiam aniquilar a
maioria das espécies. Estamos pagando o preço da rapidez. Somos capazes de destruir
o planeta em um piscar de olhos.
Hoje, os massacres em todos os quadrantes
da terra são vistos no mesmo momento em que acontecem. Mais informação,
simultânea e em excesso, foi produzindo uma espécie de hábito. A sociedade
atual transformou a informação em espetáculo. Almoçamos ouvindo notícias escabrosas
e vendo imagens de pessoas sendo assassinadas. Confundimos infortúnio com divertimento.
Nosso tempo vem se notabilizando pelo triunfo da ação à distância. Aperta-se um
botão e já é possível entrar em comunicação direta com o Japão. Aperta-se um
botão e um foguete pode ser lançado para Marte. Aperta-se um botão e um país
inteiro pode ser implodido. A ação à distância pode preservar e salvar
numerosas vidas, mas também é capaz de impactar em incontáveis exemplos de
incitação ao ódio e intolerância. As ações à distância confluíram para a
irresponsabilidade do crime.
Ciência, tecnologia, ação à distância, vem
multiplicando a perseguição racial e os genocídios. Herdamos do passado este
discurso de brandir a ameaça de supostos complôs contra determinadas pessoas.
Com isso, conseguimos desviar o descontentamento daqueles e daquelas que são
explorados, mas também renegamos o nosso próprio protagonismo diante daquilo
que não plenifica a paz e a harmonia. O que torna possível o ódio, a
intolerância, o genocídio e a barbárie, é que estes acontecem de forma rápida,
utilizando-se de uma tecnologia eficaz de massa, além de supor o consenso e o
prestígio de uma teoria pseudocientífica.
Os absurdos do nosso tempo somente são
possíveis porque se busca aceitá-los e justificá-los sem ver seus resultados.
Além de um número pequeno de executantes sádicos que buscam impor suas escolhas
com base em um discurso alicerçado na separação dos saberes, há milhares de
pessoas que colaboram à distância, realizando cada qual um gesto que nada tem
de aterrador, mas que é delimitado pela indiferença, ou como ensinado por
Maquiavel, pelos fins que justificam os meios.
O nosso tempo soube fazer do melhor de si o
pior de si. Vivemos o tempo do triunfo tecnológico e também o tempo da
fragilidade. As pessoas já não sabem de quem devem se defender. Tornamo-nos
demasiado poderosos para poder evitar nossos inimigos. Encontramos o meio de
eliminar a sujeira, mas não os resíduos. Por que a sujeira nasceu da
indigência, que pode ser reduzida, ao passo que os resíduos, inclusive os
radioativos, nasceram do bem estar que ninguém deseja perder.
Eis por que o nosso tempo
é o tempo das grandes angústias e das utopias em curá-las. Com um ego maior do
que consegue controlar, a humanidade vem se embaraçando num mal que conhece em
detalhes. Tudo com grande velocidade. Nosso tempo é o tempo do vazio, da indiferença,
dos enfartes.
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